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A escola tem um aluno que demonstra ser neonazista. O que fazer?

Um estudante supostamente fã de ideais neonazistas ataca jovens negros numa escola de SP. Como educadores devem lidar com isso? A Ponte ouviu especialistas e traz possibilidades

Na semana passada, dois alunos negros foram feridos com golpes de estilete no corredor da Escola Estadual Professora Zuleika de Barros, na Pompeia, zona oeste da cidade de São Paulo. O autor é um estudante apontado por colegas como adepto de ideais neonazistas. O que a comunidade escolar pode fazer diante de um caso assim? Expulsar? Tentar lidar?

Junião
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Na manhã de terça-feira, 27 de março, um jovem de 19 anos, aluno do 3º ano no ensino médio, atacou dois alunos negros com um estilete após ser confrontado. Segundo relato de um pai de aluno ouvido pela Ponte, o agressor verbalizava ideais neonazistas há mais de um ano. Usava camisetas com símbolos do grupo racista branco norte-americano Ku Klux Klan, ou da bandeira confederada, também adotada por racistas dos EUA, e já teria pichado uma suástica na escola.

O fato não foi levado a sério por inspetores e pela direção da escola. Quando a dupla confrontou o jovem após as provocações, houve o ataque.

“No dia seguinte ao ataque, o conselho da escola se reuniu. Uma mãe disse que, na quinta-feira (22/3), ficou sabendo pela filha da ameaça, tentou ligar pra escola várias vezes e não foi atendida. Temos a sensação de que a escola lidou muito mal com a questão e tentou, depois, transformar em uma questão entre indivíduos, não uma briga além disso. Querem tratar como se fosse um episódio superado e, na verdade, nenhum dos pais tem essa sensação. A sensação é de que o futuro preocupa”, explica o jornalista Haroldo Ceravolo, 43, pai de uma aluna e conselheiro da escola.

Os relatos são de que os alunos envolvidos no caso têm medo de voltar ao colégio, porque temem que o estudante agressor, apontado como envolvido junto a grupos nazistas, retorne ao local com integrantes.

A Ponte apresentou o caso do Zuleika para especialistas em educação e perguntou: o que fazer quando as ideologias de ódio invadem as salas de aula? Expulsar os adeptos desses ideais é uma solução? Ou a educação tem ferramentas para lidar com o ódio?

‘Sou contra expulsar’

Os especialistas apontam que, em primeiro lugar, é urgente garantir segurança aos alunos. Posteriormente, é importante ampliar o debate sobre direitos humanos. Antes de tudo, e para evitar o surgimento de novos casos, as escolas precisam trabalhar com prevenção e ações quando identificarem possíveis adeptos de ideias de ódio.

“Sou contra expulsar, empurrar para frente e criar gente com mais fôlego, que vai se achar o bom. É implantar debates, chamar gente para falar, dar liberdade para os professores falarem em sala de aula. Não é discutir o nazismo, mas sim os direitos humanos, a Constituição, explicar desigualdade social, ensinar história, mostrar vídeos do nazismo, fazer passeios no Museu do Holocausto… Tem como pensar dinâmicas internas para isso. Ainda mais se tem professores interessados e se há liberdade para eles fazerem isso”, aponta a professora de filosofia Luiza Coppieters.

Para o professor da UFF (Universidade Federal Fluminense) Paulo Carrano, coordenador do Observatório Jovem do Rio de Janeiro, o momento é para atuar sem alarde quanto a essas ideologias. Para ele, é preciso primeiramente ouvir. “É uma recomendação relativamente básica, de ouvir sinceramente, não ser impacientemente, ouvir tentando compreender a razão do outro. Segundo, argumentar. Encontrar argumentos razoáveis, pois um dos grandes problemas que levam à discursividade do ódio e das ações violentas é a vazão da irracionalidade. Evitar misticismos, pré-noções, as notícias falsas, desconstruir estruturas não argumentativas que poluem o diálogo. Terceiro, e por fim, respeitar os direitos humanos. De alguma maneira, ser intolerante ao intolerável. Um diálogo de respeito tem que ser interrompido se alguém fala que ‘não vai falar com um homossexual’, por exemplo. Há regras de respeito, de ser e de existir. Se a gente transige nisso, recua no patamar civilizatório”, argumenta.

No caso específico ocorrido no Zuleika, o conselheiro trata de uma questão chave que seria levada na reunião que o grupo marcou para segunda-feira, dia 2. “Abrir canais mais fortes de comunicação entre estudantes e direção, os pais e a direção, para que novos casos sejam identificados antes de se tornarem agressões físicas que coloquem em risco a vida dos estudantes. É preciso ter uma abertura maior aos direito humanos na sala de aula, se ter projetos mais amplos”, sustenta Haroldo.

Educação e neonazistas

Alguns pontos levantados pelos especialistas explicam como a escalada de ódio chegou aos jovens e às escolas. O fato de as novas gerações se considerarem mais inteligentes e acima das autoridades de professores e diretores se une ao sucateamento dos ambientes das escolas. Sem condições de ensinar, o professor vê sua autoridade se esvair, o que, somado ao momento de polarização ideológica do País, pode ser tornar uma bomba relógio.

“A primeira coisa que vemos é que nada disso acontece em um contexto neutro, abstrato. Não é um raio no dia de céu azul. Acontece no momento em que o país enfrenta uma grave crise civilizatória, que vinha se desenhando como algo muito difícil de se levar. A dificuldade de dialogar, polarização, violência verbal, confronto nas redes sociais exacerbando. O que se encarava como uma fase passada da humanidade, a adesão ao discurso nazifascista, volta com determinada força e é preocupante”, avalia Carrano.

Para o professor, é necessário alterar o objetivo da educação escolar: trocar a aprovação em vestibulares por formação de cidadãos. “O desafio precisa ser o de educar em diálogo, de conviver com relações de diferenças”, diz, citando o assassinato da vereadora carioca Marielle Franco como um exemplo de rompimento de uma fronteira civilizatória no atual momento do país.

“Os grupos conservadores tentam evitar que escolas levem aos estudantes essa tensão social com o argumento de que é politização da escola. Ao contrário, as escolas têm de ser ponta de lança para o debate porque, se perder a possibilidade, as escolas se anestesiam… Mas elas devem trazer o conflito para dentro de si e estabelecer regras de diálogo”, pondera.

Segundo Luiza, o fato de o comando das escolas não ter apoio do Estado e da comunidade também influencia seu poder de ação quanto a casos de extremismos. “O que acontece no geral é que nenhuma escola, no âmbito de coordenação e direção, quer lidar com esses nós, pares da sociedade. Casos de nazismo, racismo, misoginia, machismo, LGBTfobia, questões de filhos que apanham dos pais em casa… Muitas escolas se ausentam e se isentam das responsabilidades”, avalia.

“Isso não se resume ao Zuleika, faz parte do processo de projeto pra destruição completa da escola pública dentro da ideia da privatização. Ninguém sabe por que faz o ensino médio. É igual espinha: ninguém sabe como tem, sabe que vai passar por isso e depois some. Apenas. Se está mal? Privatiza e acabou”, pontua a educadora.

‘Medidas pedagógicas tomadas’

Questionada pela Ponte, a Secretaria da Educação do Estado de São Paulo afirmou que a Diretoria de Ensino da região Central e a direção da escola acompanham o caso. “Importante ressaltar que todas as medidas pedagógicas foram tomadas no dia do caso, que ocorreu no início da semana. O aluno agredido foi socorrido, os pais de ambos os envolvidos e a PM também foram acionados. Um boletim de ocorrência foi elaborado e a Polícia Civil também acompanha o caso, aponta.

Sobre políticas que combatam ideologias de ódio, a pasta argumentou que mantém diálogo aberto com alunos e pais. “No que tange a educação, a unidade, com o apoio do Grêmio Estudantil, tem elaborado um calendário com ações de convívio para os alunos, assim como de conscientização sobre temas como racismo, preconceito, entre outros”, diz a nota.

Já a PM, questionada às 17h40 de quinta-feira, dia 29, explicou que não poderia se posicionar no tempo solicitado. “A assessoria de imprensa da Polícia Militar informa que, infelizmente, por conta do tempo exíguo para levantamento de todos os dados, não poderemos informar com detalhes todos os dados sobre os casos apontados pela reportagem”, disse a assessoria da corporação. Após solicitar novo prazo, a corporação não respondeu.

Contudo, às 15h52 de terça-feira (3/4), a corporação explicou que o crime de lesão corporal está sendo investigado pelo 23ºDP e, quanto à reunião, de que não foi convidada para participar.

“Quanto à sensação de insegurança sofrida pelos alunos, as providências requerem medidas no âmbito escolar para combate à violência, dispondo a pedagogia de recursos próprios de conhecimento sobre o tema e como enfrentá-lo de forma específica para mudança de comportamento e fortalecimento de valores morais, priorizando a convivência pacífica e o ambiente profícuo para a aprendizagem. Nesses casos, é necessária também a atenção especial aos envolvidos, através do atendimento pedagógico e psicológico”, explicou a PM, colocando homens o 4º BPM (Vila Romana) à disposição para o patrulhamento com rondas escolares e policiamento ostensivo pelo 190.

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