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Tribuna
São da responsabilidade do editor e transmitem a visão do diário sobre assuntos atuais – tanto nacionais como internacionais

Ascensão das mulheres na diplomacia brasileira: os desafios de uma causa que está longe do fim

Há cem anos, a primeira mulher assumia um cargo no Itamaraty, mas muitos gargalos ainda persistem

Maria José de Castro Rebello Mendes, primeira brasileira a ingressar na carreira de diplomata
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O ano de 2018 vem sendo marcado por uma importante comemoração: os 100 anos do ingresso da primeira mulher diplomata no Ministério das Relações Exteriores (MRE). Ao entrar no serviço exterior brasileiro como terceiro oficial da Secretaria de Estado, por meio do concurso de provas, sendo aprovada em 1º lugar, em 1918, Maria José de Castro Rebello também se tornou a primeira servidora pública do País, marcando o pioneirismo do Itamaraty no tratamento dessa importante temática.

Seu feito deu início à primeira geração de mulheres diplomatas brasileiras, um pequeno grupo de 19 pioneiras que ingressaram no Itamaraty entre 1919 e 1938, época em que reforma do então ministro Oswaldo Aranha fundiu o corpo consular e o serviço diplomático.

Entre tantas agendas que comemoram o centenário, surgem também discussões e avaliações em torno dos avanços que ocorreram, após as marchas e contramarchas registradas nos primeiros 50 anos do século passado, quando apenas 20 mulheres faziam parte do quadro diplomático do MRE. Apesar dos progressos alcançados, há duas grandes batalhas a serem enfrentadas: de um lado, a pequena participação e aprovação feminina no concurso de admissão à carreira de diplomata e, de outro, as dificuldades de ascensão funcional, com a consequente baixa taxa de ocupação dos postos de chefia na hierarquia do Ministério.

Se lançarmos um olhar para além da carreira diplomática, veremos que o retrato mais amplo do mercado de trabalho também requer muitos avanços. Na América Latina e no Caribe , por exemplo, apenas 52% das mulheres participam desse mercado e, destas, 60% têm empregos informais. Apenas esses dois dados já nos revelam como os gargalos ainda persistem, trazendo à tona a necessidade de buscar soluções que assegurem a igualdade de gênero em todo o mundo.

Somente após a vigência da Constituição de 1988, as mulheres diplomatas passaram a desempenhar suas atividades sob a égide da igualdade jurídica entre os sexos, embora, na prática, a desejada paridade ainda não tenha sido alcançada.

Quando ingressei no Itamaraty, a carreira contava com apenas 6,6% de mulheres. Lembro-me bem desse dado estatístico, pois uma de minhas primeiras tarefas na Divisão das Nações Unidas, onde fui lotada, foi responder um questionário da Organização de Nações Unidas (ONU) sobre o percentual de mulheres no serviço público. Cinquenta anos depois, elas correspondem a 23% dos diplomatas (360 de um total de 1562). A turma de 2017 do Instituto Rio Branco – responsável pelo curso de formação - conta com 36,6% de participação feminina, um percentual acima da média, mas esta não tem sido a regra.

Assim, a carreira permanece predominantemente masculina. É ainda pequeno o número de candidatas do sexo feminino ao concurso de admissão à carreira de diplomata e é também pequena a proporção das que são aprovadas no concurso, apesar de as mulheres apresentarem bom desempenho acadêmico e de o seu número exceder o dos homens nos bancos universitários, de onde são tradicionalmente recrutados os diplomatas.

Uma das ferramentas para mudar essa realidade é o Comitê Gestor de Gênero e Raça, criado em 2014, no MRE. Sua função é coordenar programas e políticas voltadas à promoção da efetiva igualdade de gênero e raça, contribuindo também para melhorar o ambiente de trabalho para todos os seus servidores, independentemente de gênero. A responsabilidade do Comitê, canal principal para a construção de uma agenda de interesses comuns da diplomacia, é manter o tema em pauta e atuar como importante via de pressão junto ao Ministério para a manifestação e a concretização das demandas das mulheres diplomatas dentro do ambiente profissional.

Por fim, vale destacar que a adoção de agendas para o aumento da participação de mulheres nas instituições públicas é tão importante quanto no mercado privado. Dados relevantes provenientes de organismos internacionais, indicam, por exemplo, que a diminuição das diferenças de gênero no mercado poderia aumentar o PIB brasileiro e acrescentar valores consideráveis às receitas tributárias do País. Vários países estabeleceram como prioridade reduzir tal diferença nos próximos anos. Certamente, é um caminho que também deverá ser trilhado pelo Brasil.

**A Embaixadora Vitoria Cleaver é presidente da Associação dos Diplomatas Brasileiros (ADB/Sindical). Representou o Brasil como embaixadora no Vietnã e na Nicarágua, e cônsul-geral em Zurique.*

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