Alto funcionário do Governo dos EUA diz que há um grupo de “resistência” interna contra Trump
'The New York Times' publica texto anônimo com críticas duras ao presidente: “Sou parte da resistência”
Com o título "Eu sou parte da resistência interna da Administração Trump", o The New York Times publicou nesta quarta-feira, 5, o artigo anônimo de um alto funcionário do Governo dos EUA que descreve uma situação incomum na presidência do país, em que vários membros do Executivo se sentem tão alarmados pelos "impulsos" do líder republicano que trabalham para controlar e moldar sua agenda. Eles até levantaram a possibilidade de requerer a incapacitação do presidente. O jornal admite em uma nota no início do texto que divulgar um artigo opinativo sem informar a identidade do autor – que os editores conhecem – é uma medida excepcional, mas justificada pelo interesse de compartilhar sua perspectiva. Chove sobre o molhado: a publicação sai um dia depois que vieram à tona trechos de um novo livro do jornalista Bob Woodward em que ele também fala sobre membros da Administração aterrorizados pelos rumos da Casa Branca.
"Eu trabalho para o presidente, mas como outros colegas prometi boicotar partes da sua agenda e suas piores inclinações", diz o alto funcionário que pediu anonimato ao Times para proteger seu emprego. O autor enfatiza que não faz parte da chamada "resistência" da esquerda norte-americana, diz que busca o sucesso deste Governo e que muitas das medidas em vigor provaram ser benéficas para os EUA (cortes de impostos e aumento dos gastos militares, por exemplo), mas considera que o presidente age de uma maneira "prejudicial à saúde da República". Assim, vários membros da equipe republicana tentam redirecionar discretamente os "impulsos mais equivocados" de Trump até que o nova-iorquino esteja fora do Governo.
A reação de Trump veio em várias doses. Primeiro, descreveu o artigo como uma "vergonha", e a porta-voz Sarah Sanders tachou de "covarde" o responsável pelo texto e o instigou a se demitir, dando credibilidade à autoria. Depois, em declarações à imprensa, assegurou que a CNN, o New York Times e toda a "mídia falsa" acabariam deixando o negócio. Em sua conta no Twitter, primeiro escreveu em letras maiúsculas "TRAIÇÃO?". Em seguida, argumentou que se esse alto funcionário existe de verdade, o Times tem a obrigação de "entregá-lo ao Governo por razões de segurança nacional".
Como se fosse uma daquelas tramas do Vaticano, o funcionário do ato escalão de Trump descreve uma espécie de "Estado paralelo" que evita que os desatinos das declarações do presidente dos EUA em sua conta no Twitter, por exemplo, ou diante de uma câmera de televisão, se traduzam em danos irreparáveis. A história lembra alguns dos episódios no livro de Woodward, Fear: Trump in the White House (Medo: Trump na Casa Branca), que estará à venda na próxima semana. Nele, de acordo com excertos já conhecidos, o jornalista também fala de um "golpe de Estado administrativo", segundo o qual os assessores mais próximos do presidente escondem papéis por temerem que ele assine e desencadeie uma catástrofe.
"A raiz do problema é a amoralidade do presidente", diz o autor anônimo no Times. "Qualquer um que tenha trabalhado com ele", continua, "sabe que não está ancorado em nenhum princípio discernível que guie sua tomada de decisões". Embora tenha sido eleito "como republicano", mostra pouca afinidade com os princípios de liberdade do mercado, de pensamento e das pessoas que os conservadores proclamam, diz o texto, que deplora atos como o presidente tachar a imprensa de “inimiga do povo".
O artigo representa uma boa metáfora do que acontece com o Gabinete e os republicanos. Enquanto em privado muitos querem deixar claro que se sentem consternados com os desmandos da era Trump (insultos a países aliados, afinidade com líderes autoritários e ataques de tipo xenófobo), são muito poucos os que erguem a voz em público. Agora, com as eleições legislativas em novembro, buscam marcar distância em relação à controvertida figura do dirigente.
A "resistência” citada pelo texto tenta isolar as ações e políticas efetivas de cada ramo da Administração dos impulsos de seu presidente, cujo estilo define como "superficial, ineficaz, conflituoso e impulsivo". Em reuniões sobre alguma questão, diz, ele muitas vezes se desvia do assunto e se enreda em discussões ruidosas e repetitivas, e seus impulsos às vezes o levam a tomar decisões temerárias que depois têm de ser corrigidas ou emendadas. "Não há literalmente nenhum tema em que ele não possa mudar de opinião de um minuto para o outro", diz o alto funcionário no artigo.
"Os americanos têm de saber que há adultos na sala", afirma o autor, tentando tranquilizar os leitores (e eleitores) dos Estados Unidos. Nessa linha, há uma presidência que se move por "dois caminhos". O alto funcionário dá como exemplo a política externa: o "presidente Trump mostra uma preferência por autocratas e ditadores como Vladimir Putin, da Rússia, e Kim Jong-un, da Coreia do Norte", mas a Administração, ao mesmo tempo, acusa países como a Rússia de interferência e os pune de modo consequente".
Este ano e meio de presidência tem sido tão errático, afirma, que houve quem em determinado momento levantasse a possibilidade de invocar a emenda 25 da Constituição, que abre a porta à destituição do presidente por saúde mental. Embora, diz o artigo, logo tenha sido descartada para evitar uma crise constitucional. Então, decidiram continuar na Administração até que esta "de uma maneira ou de outra" termine. “A maior preocupação não é o que Trump faz de sua presidência, mas o que nós, como nação, temos permitido", diz ele, sem esclarecer a distribuição de responsabilidades.
O alto funcionário não critica o Partido Republicano nem menciona diretamente algumas das questões mais polêmicas da Presidência de Trump, como a política imigratória, que será um eixo central nas eleições de novembro. "Há uma resistência silenciosa na administração de pessoas que querem colocar o país em primeiro lugar", diz o texto.
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