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Eleições 2018
Opinião
Texto em que o autor defende ideias e chega a conclusões basadas na sua interpretação dos fatos e dados ao seu dispor

Como ganhar uma eleição sem precisar ter razão

O que um livro que analisa as estratégias de persuasão de Donald Trump tem a dizer sobre a corrida presidencial no Brasil

Rodolfo Borges
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O que leva um eleitor a votar em um candidato? Em O Voto do Brasileiro (Editora Record, 2018), o cientista político Alberto Carlos Almeida diz, assim como grande parte dos analistas, que é a economia. Dito de outro modo: aqueles que mais precisam votam em quem mais promete. É, segundo o autor, o que sugerem as eleições recentes de Espanha, Alemanha, Inglaterra e Brasil, entre outros. Quanto maior a renda, maior a tendência a votar na centro-direita, encarnada no Brasil na promessa do controle da inflação e da estabilidade econômica. Quanto menor a renda e maior a dependência da intervenção do Estado no bem-estar social, mais votos para a centro-esquerda. Daí viria o sucesso recente do PT. Mas como explicar resultados inesperados, como a eleição de Emmanuel Macron na França ou a expressiva intenção de voto do deputado Jair Bolsonaro (PSL-RJ)?

A pesquisa CNT/MDA mais recente indica outras razões que podem influenciar o voto do brasileiro: uma pequena maioria de 38,8% tenderia a não votar em quem defende privatização; 61,1% votariam com mais vontade em um candidato a favor da “redução de privilégios de servidores públicos e políticos”; 79,4% enxergam com melhores olhos quem é favorável à redução de impostos; 50,1% dizem que tenderiam a não votar em quem defende a liberação do porte de arma; e 62,8% não simpatizam com quem é a favor da descriminalização do aborto. Houve até uma tentativa, da Real Time Big Data/RecordTV, de definir um perfil físico ideal para o presidente, e o resultado, segundo os autores do levantamento, tende a projetar a imagem de quem responde às perguntas.

O candidato ideal seria um homem (65%) branco (73%) de entre 50 e 60 anos (41%) e gordo (38%) que acredite em Deus (89%) e venha de uma família pobre (53%), tenha experiência política (80%), formação universitária (77%), não seja investigado por corrupção (85%) e detenha muitos apoios políticos (72%). Quem torce por um candidato de perfil diferente naturalmente se ofendeu com o resultado, mas as características variam de acordo com a região. O sobrepeso do aspirante ao Palácio do Planalto tenderia a ser mais valorizado no Nordeste por simbolizar prosperidade — mais um dado: 29% dos nordestinos prefeririam um presidente negro, mas quase nenhum (0%) manifestou preferência por orientais. É possível que todas essas características contribuam de alguma forma para embalar a mensagem de um candidato, mas se todos eles se apresentassem com esse mesmo perfil, o que os diferenciaria?

A pergunta mais ampla é: como se faz para convencer alguém de uma promessa? O cartunista Scott Adams, autor da tirinha Dilbert, resume tudo ao poder de persuasão em seu Win Bigly, publicado no Brasil com o título Ganhar de Lavada: persuasão em um mundo onde os fatos não importam (Editora Record, 2018). Adams ampliou sua fama para além de Dilbert ao longo de 2015 e 2016, quando previu a vitória de Donald Trump na eleição norte-americana a partir da percepção de que o magnata era o mestre da persuasão. O cartunista, que se define como ultraliberal e diz discordar de algumas políticas de Trump, passou de analista a apoiador do presidente republicano ao longo da corrida eleitoral e até hoje faz análises diárias por meio de vídeos transmitidos ao vivo em seu perfil no Twitter sobre o Governo Trump e sua turbulenta relação com a mídia norte-americana.

Ao analisar o comportamento de Trump ao longo da campanha que parecia destinada a eleger Hillary Clinton, Adams destaca estratégias como a caricaturização dos adversários por meio de apelidos. Adversários de Trump nas primárias republicanas, o jovem senador Marco Rubio virou "Little Marco" (pequeno Marco), enquanto o ex-governador Jeb Bush passou a ser tratado como "Low Energy" (pouca energia), o que o levou a aparecer em público fazendo exercícios — um equivalente à jaqueta de estatais usada por Geraldo Alckmin (PSDB) em 2006. Segundo Adams, os apelidos funcionaram porque traduziam perfeitamente características depreciativas que todo o eleitorado percebia — é o que Guilherme Boulos (PSOL) tenta com seus “50 tons de Temer”. O estigma de "torta" (crooked) para Hillary Clinton também colou, e só obteve resposta, de acordo com o analista, quando um discreto mestre persuasor aderiu à campanha democrata e incentivou o uso do adjetivo "dark" (negro, obscuro) para se referir a Trump.

Boa parte das estratégias do agora presidente norte-americano — ou de qualquer outro político com apelo popular, para ser justo — poderiam ter sido retiradas de Como vencer um debate sem precisar ter razão (Topbooks, 1997), de Arthur Schopenhauer. Entre as instruções do filósofo alemão estão “usar premissas falsas”, “encolerizar o adversário”, se valer de “manipulação semântica”, fazer uma falsa proclamação de vitória e usar o famoso argumento ad hominem, de desqualificação do oponente. Mas Scott Adams aponta uma razão para o sucesso de Trump em particular: a capacidade de traduzir promessas em imagens. O famigerado muro na fronteira com o México é o maior exemplo da persuasiva retórica de Trump. Todos os pré-candidatos republicanos tinham em suas agendas propostas de controle de imigração similares à do magnata, mas nenhum conseguiu apresentá-las de forma tão sedutora.

Impossível não lembrar do prato de comida que, numa crítica da campanha de Dilma Rousseff à promessa de Marina Silva de garantir autonomia ao Banco Central, desaparecia da mesa de uma família brasileira. Mais recentemente, Bolsonaro recebeu muitas críticas por ensinar crianças a simular armas com as mãos, mas conseguiu emplacar uma imagem na concorrida disputa por atenção. O deputado do PSL, aliás, parece estar usando uma das estratégias de Trump identificadas por Scott Adams em Win Bigly ao dar uma declaração e, em seguida, negá-la — seus apoiadores também tentam pregar em João Amoêdo (Novo) a pecha de low energy. Após dizer que tiraria o Brasil das Nações Unidas, Bolsonaro desmentiu e disse que cometeu um ato falho. Depois que o presidente de seu partido, Gustavo Bebianno, disse que o capitão reformado não participaria mais de debates, Bolsonaro veio a público dizer que participaria de mais três embates televisivos. Entre as idas e vindas, só se fala de Bolsonaro. Os possíveis danos causados pelo que pode parecer um comportamento errático seriam compensados pela exposição permanente, na perspectiva de Scott Adams.

Outro concorrente que conseguiu emplacar uma imagem eloquente na campanha é o ex-governador Ciro Gomes (PDT). Enquanto sua proposta de tirar o nome dos brasileiros do SPC (Serviço de Proteção ao Crédito) não for completamente esclarecida, o assunto permanecerá em debate. A campanha do PT chegou inclusive a sugerir sua versão da proposta na redes sociais — posteriormente apagada, sob a promessa de ser refeita —, e Henrique Meirelles (MDB) também entrou na onda, uma prova de que Ciro conseguiu destilar os complicados debates sobre juros e concentração bancária em um símbolo compreensível para o eleitor. Essa capacidade pode se mostrar determinante em uma disputa em que a comunicação direta entre candidato e eleitor se tornou muito mais fácil e num ambiente em que a emoção parece mais determinante que a razão.

Na comparação com os Estados Unidos, contudo, o eleitorado brasileiro não é de tão fácil acesso. O ex-governador Geraldo Alckmin tem a melhor plataforma televisiva para a campanha, enquanto Bolsonaro conseguiu apenas poucos segundos. A capacidade persuasiva de Bolsonaro não parece tão potente quanto a de Trump — o presidente dos EUA tem aptidões midiáticas e um passado que o aproximam mais de figuras como o ex-prefeito João Doria ou o apresentador Luciano Huck —, mas parte da popularidade do capitão reformado pode ser explicada pela capacidade de se comunicar, ainda que tropeçando nas palavras em alguns momentos — o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, talvez o maior persuasor da política nacional, tampouco se notabilizou por seu vasto conhecimento de economia.

O ultraje provocado em alguns círculos pelas declarações de Bolsonaro lhe vale atenção semelhante à dispensada pelo noticiário norte-americano a Donald Trump desde o início da disputa eleitoral de 2016 nos Estados Unidos. Os limites de tempo de campanha na tevê e de estrutura partidária impostos à candidatura Bolsonaro podem conter o potencial persuasivo que ele já demonstrou nesta longa corrida presidencial. A única opção do deputado, portanto, seria continuar chamando a atenção não apenas de seus eleitores, mas daqueles que imaginam machucá-lo ao expor as razões pelas quais ninguém nunca deveria votar nele.

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