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Dono da Havan desafia lei eleitoral para promover Bolsonaro no Facebook

Dinheiro aplicado na página de Luciano Hang, dono da rede de lojas, faz sua mensagem superar a de todos os presidenciáveis na rede social

Loja da Havan em Brusque.
Loja da Havan em Brusque.Divulgação

O empresário Luciano Hang, proprietário da rede de lojas de departamento Havan, foi às redes sociais anunciar seu apoio ao candidato Jair Messias Bolsonaro (PSL). Em uma transmissão ao vivo de 48 minutos no Facebook, o empresário defendeu o programa do ex-militar com um discurso inflamado. "O Bolsonaro é humilde, é simples, é prático, é comprometido com o país (...) Temos tudo para dar certo, por que damos errado? Porque votamos errado (...) Tenha você coragem, empresário ou não, cidadão, dona de casa, tenha coragem de abrir a boca e pedir voto. Vamos ganhar essas eleições no primeiro turno". Foi na última quinta-feira a a página oficial do candidato foi marcada na legenda do vídeo, que ao longo do final de semana recebeu 1,2 milhão de visualizações. O empresário também publicou em sua página uma fotografia em que posa com o militar da reserva convidando seus fãs a conhecerem o programa do postulante ao Planalto.

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Hang seria mais um apoiador de Bolsonaro usando seu direito de se expressar politicamente no Facebook, a não ser por um detalhe: ele pagou para que a mensagem fosse vista pela maior quantidade possível de frequentadores do Facebook. Ele fez o chamado "impulsionamento": investiu usando uma ferramenta da própria rede social para que o alcance de sua mensagem pedindo votos para Bolsonaro fosse turbinado. No entanto, a prática, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), é ilegal. É que, pela reforma política aprovada no ano passado, não pode haver "terceirização" da propaganda. A legislação, que estreia neste ano rodeada de dúvidas, diz que só os próprios candidatos, partidos e suas coligações podem comprar propaganda eleitoral no Facebook. Para que isso seja feito, é necessário, primeiro, que os usuários sejam cadastrados previamente (tanto no TSE quanto no Facebook) para que possam investir recursos para exibir seus posts, devidamente identificados como propaganda eleitoral, para um número maior de pessoas do que normalmente ele apareceria.

Apesar da expressa proibição, os conteúdos de apoio a Bolsonaro publicados pelo proprietário da Havan permaneceram turbinados com dinheiro durante todo o final de semana e o impacto foi significativo. A mensagem apareceu no monitoramento das menções aos candidatos feito pelo EL PAÍS justamente porque seu sucesso e poder viral destoavam da média. A ação desbancou boa parte dos conteúdos que citavam os demais candidatos. Entre todas as citações de postulantes à presidência, coletadas entre os dias 8 e 20 de agosto no Facebook, as postagens de Hang foram campeãs de interações (tudo envolvendo o vídeo, de curtidas a compartilhamentos), ocupando a primeira e a segunda posições no ranking (ver gráfico). A fotografia do empresário com Jair Bolsonaro obteve 187.598 reações, 11 mil comentários e 29 mil compartilhamentos. Já sua transmissão ao vivo declarando apoio ao candidato acumulou mais de 1.324.483 de visualizações, além de 100.176 reações, 49 mil comentários e 28 mil compartilhamentos.

Regras da reforma política postas à prova

O caso de Havan é um exemplo dos desafios para a fiscalização da lei eleitoral nesta campanha. Essa é a primeira vez que as novas regras determinadas pela Reforma Política de 2017, incluindo a autorização para a compra de anúncios em redes sociais, são postas à prova. Na prática, como a fiscalização da lei é difícil, é como se ela não existisse. Apesar da proibição, qualquer pessoa física com um cartão de crédito pode pagar para promover sua mensagem e o Facebook simplesmente não vai fazer triagem prévia se aquele conteúdo fere ou não a legislação eleitoral. A única coisa que a rede social restringe são os conteúdos que infringem suas próprias regras de comunidade ou a pedido da Justiça Eleitoral.

"É função do TSE fiscalizar as propagandas eleitorais", afirma o advogado Alberto Rollo, especialista em direito eleitoral. "Por isso, não adianta denunciar um post político no Facebook", alerta. Não existe nenhum mecanismo de auditoria da Justiça Eleitoral para avaliar o que acontece dentro da rede social. Segundo o TSE, eventuais denúncias devem ser apresentadas ao Ministério Público Eleitoral e, se houver alguma fundamentação, serão analisadas. O MP Eleitoral, por sua vez, afirma que não se manifesta sem que haja um procedimento aberto de investigação, que só pode ser feito após uma denúncia online feita por partidos, candidatos ou mesmo cidadãos comuns. O que não aconteceu no caso da postagem de Luciano Hang.

O problema é que o próprio conceito de propaganda eleitoral nas redes sociais é difuso. Segundo o advogado Rollo, se a postagem tiver nome e número do candidato, é pedido de voto. Mas, para o empresário Luciano Hang, suas postagens são apenas manifestação de intenção de voto e não pedidos. "Meu Facebook e minhas redes sociais são motivacionais, para passar um pouco da minha vivência no dia a dia da nossa empresa", disse ele ao EL PAÍS.

Hang afirma não ter alinhado sua estratégia com a campanha de Bolsonaro. O empresário não divulga quanto investiu nos impulsionamentos, mas afirma que quer que o maior número de pessoas o vejam "para que possamos mudar o nosso país". No entanto, ele garante não ter conhecimento de que suas postagens podem ser enquadradas como propaganda eleitoral. "Fiz um vídeo abrindo meu voto, em quem eu vou votar. Lá dentro eu falo que cada um tem o direito de escolher seu candidato. De nenhuma forma pedi voto para ninguém", diz.

Em casos que a Justiça Eleitoral avalie que há violação da lei, tanto o responsável pela divulgação da propaganda ou pelo impulsionamento do conteúdo,quanto seu beneficiado (quando comprovado seu conhecimento prévio) podem ter de pagar multa entre 5.000 reais e 30 mil reais, ou em valor equivalente ao dobro da quantia investida, caso o cálculo superar o limite máximo da multa. Procurada, a campanha de Jair Bolsonaro não se manifestou sobre o caso.

O papel da propaganda segmentada

O debate sobre o que é ou não propaganda eleitoral, turbinada e terceirizada, no Facebook, não é menor. Os especialistas ainda discutem, no Brasil e no exterior, que peso as redes sociais tem na definição do voto e na motivação para sair para votar. O pulo do gato da rede de Mark Zuckerberg é permitir um tipo de propaganda refinada. O Facebook oferece um serviço de direcionamento de conteúdos para públicos segmentados por características como idade, gênero, estado civil, faixa de renda, interesses, comportamentos, traços psicológicos e tipos de vínculos familiares. Os impulsionamentos garantem que a mensagem chegue ao público selecionado pelo contratante, enquanto aquele conteúdos publicados por páginas entendidas como menos relevantes pelo Facebook tendem a ter sua visibilidade bastante limitada.

Casos como o de Luciano Hang continuarão sem qualquer monitoramento. De acordo com o Facebook, não cabe a eles decidir o que é ou não é propaganda eleitoral. "Outros continuarão argumentando que seria melhor que não tivéssemos esse tipo de anúncio no Facebook. Mas acreditamos em dar voz a campanhas legítimas – ao mesmo tempo em que ajudamos a garantir que as pessoas possam descobrir quem está tentando influenciar seu voto e por quê", informa a rede social. 

Já os candidatos que usam os canais oficiais da rede já podem, sim, ser monitorados, mesmo que de maneira limitada. Para se ajustar à nova legislação aprovada com a Reforma Política de 2017 e, posteriormente, regulamentada pelo TSE, o Facebook divulgou no final de julho um conjunto de medidas para ampliar a transparência de páginas e anúncios no Facebook. Em junho, a empresa disponibilizou a consultar os impulsionamentos pagos veiculados por páginas na rede social. A medida, entretanto, não informa para quais públicos os anúncios foram direcionados nem o montante investido.

No início de agosto, a rede social anunciou o início do cadastramento candidatos, seus representantes, partidos e coalizões políticas. O cadastro permite aos envolvidos marcar um anúncio como “propaganda eleitoral” durante o período de oficial de campanha. A empresa também criou a ferramenta Biblioteca de Anúncios, que hospedará por sete anos todos os anúncios relacionados a política, incluindo propaganda eleitoral, com informações a respeito do valor aproximado gasto e o público demográfico impactado por cada anúncio. No entanto, a biblioteca também só contempla os anúncios de candidatos/partidos/coligações que se cadastrarem voluntariamente.

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