Brasil entra em contagem regressiva para a campanha mais incerta de sua história
Termina nesta quarta, e com a expectativa da inscrição do nome de Lula, o prazo para o registro de candidatos. Duas mulheres e 11 homens devem disputar a presidência
O Tribunal Superior Eleitoral encerra nesta quarta-feira o prazo para a inscrição de candidatos às eleições gerais de outubro. Normalmente seria uma formalidade mais na enorme maquinaria eleitoral brasileira; o último passo antes de decretar, na quinta-feira, o início oficial da campanha à presidência do Brasil, todas as cadeiras da Câmara, dois terços do Senado e todos os governadores e deputados estaduais. Mas não há nada habitual nestas eleições, as mais imprevisíveis desde a redemocratização. E por isso até uma tarefa burocrática tão cinza vem carregada de intrigas e carregando o simbolismo do fim de uma era.
A jornada encerra a contagem regressiva para esta campanha, ansiada por muitos como encerramento do período mais turbulento da história recente do Brasil. O marco da turbulência depende de quem estejamos falando. No caso do ex-presidente e aspirante a candidato Luiz Inácio Lula da Silva, esta quarta poderia ser o dia mais esperado desde que terminou seu último mandato em 2010, considerado quase mais deus do que homem, com quase 90% de aprovação popular. Só tinha de aguardar dois mandatos, os de sua protegida Dilma Rousseff, para se candidatar de novo e aproveitar sua popularidade. Ocorre que além de seu PT ter sido ejetado do poder pelo impeachment em 2016, agora ele é um homem preso por corrupção, e a inscrição da candidatura, que promete ser feita em um grande ato em Brasília, pode ser seu último cartucho que lhe resta na cadeia.
O ex-presidente, à frente nas pesquisas há mais de dois anos e na prisão há quatro meses sem que isso tenha abalado significativamente as suas intenções de voto, deverá decidir se ousa apresentar seu nome como candidato, como garante o PT que fará. Tecnicamente a Lei da Ficha Limpa o impede –um candidato não pode ter sido condenado por corrupção em segunda instância como ele. O roteiro, então, deve ser que, uma vez candidato, o TSE o vete e, assim, tome seu lugar o número dois na chapa, Fernando Haddad.
Para além de Lula, o panorama não fica menos confuso. Até o fim do dia, 13 pessoas estarão inscritas, incluindo alguém do PT, para tentar ser presidente, mas não há nenhum outro candidato que desperte as mesmas paixões que o ex-mandatário e as pesquisas mostram que, sem ele, cresce o número de quem declara votos brancos e nulos. Quem mais se aproxima disso é Jair Bolsonaro (PSL), ex-militar de ultradireita, que defende a ditadura brasileira, a tortura e a ampliação do porte de armas. Isto lhe valeu, além de inúmeras comparações com o presidente das Filipinas, Rodrigo Duterte, 17% das intenções de voto, número formidável nesse cenário. No entanto, Bolsonaro não conseguiu alianças entre os partidos tradicionais e circula principalmente nas redes sociais, às quais muitos brasileiros empobrecidos não têm acesso. Muitos cientistas políticos vaticinam que a campanha só pode enfraquecê-lo. Tem pouquíssimo tempo na televisão e tampouco aliados em Brasília para se fortalecer.
Algo semelhante acontece com Marina Silva, a líder ambientalista evangélica que se candidata pela terceira vez à presidência e que não está mal nas pesquisas (10% na última realizada pelo Datafolha), mas que pertence a um partido muito pequeno.
Alckmin, a aposta do establishment
O centro-direitista Geraldo Alckmin, não decolou nas pesquisas, mas é o preferido dos mercados e o que conseguiu atrair mais aliados - e, com isso, o valioso tempo na TV. Sua fraqueza: é a encarnação do establishment, que, como os problemas, os brasileiros procuram deixar para trás após quatro anos de sucessivos escândalos expostos pela Lava Jato envolvendo a classe política e que ajudaram a fazer de Michel Temer o presidente mais impopular da história.
Alckmin é a maior esperança dos investidores, sempre dispostos a pressionar as Bolsas quando um resultado eleitoral ou mesmo a pesquisa não lhes agradam, para realizar as reformas econômicas liberais que há anos são prometidas para tentar engatar a recuperação econômica, ainda lenta.
Quem quer que saia da campanha como vencedor estará à frente da maior economia da América Latina (2,2 trilhões de dólares, cerca de 8,51 trilhões de reais), mas também terá nas mãos um gigante que acaba de passar os piores quatro anos de sua história recente. Nessa espera pelas eleições, o Brasil se tornou uma potência sem liderança, na qual os salários caíram e cresceram os índices de violência –mais de 63.000 homicídios por ano, favelas em guerra constante– e o número de presos nas cadeias –725.000 pessoas, cifra superada apenas por dois outros países.
Numa situação tão esdrúxula, não falta quem avalie que nem a legitimação das urnas será capaz de devolver plenamente a normalidade ao país. Se a sombra de Lula se projetará com efeitos ainda difíceis de prever, não importa quão longe Bolsonaro chegar, ele provavelmente já terá deixado sua marca. Ele repete perigosamente não confiar no sistema de votação, por exemplo. Além desse manto de suspeita, a porcentagem de cidadãos que perderam o medo de expressar nostalgia da ditadura militar (1964-1984) já é considerado problemático. De fato, nas eleições que começam agora há uma centena de candidatos com passado e ideias militares. Um recorde até à data num país em que, no Latinobarômetro no ano passado, apenas 13% dos cidadãos disseram estarem à vontade com a democracia existente.
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