Cenário eleitoral difuso põe à prova o mítico poder das campanhas de TV no Brasil
Candidatos à presidência terão o menor tempo da história para se apresentar na TV. Quatro dos sete presidenciáveis com maior tempo de tevê foram eleitos desde 1989
"Bote fé no Velhinho, o Velhinho é demais. Bote fé no Velhinho, que ele sabe o que faz, Vai limpar o Brasil do Oiapoque ao Chuí e acabar com a molecagem que tem por aí", dizia o jingle de Ulysses Guimarães durante a campanha presidencial de 1989. O Brasil voltava às urnas para escolher seu presidente depois de 25 anos de regime militar e reservou cinco horas diárias — em dois blocos de duas horas e meia — durante 58 dias para que a população conhecesse os 22 pleiteantes ao Palácio do Planalto. Quase 30 anos depois, as cinco horas diárias estarão reduzidas a 25 minutos, em dois blocos de 12 minutos e meio, e por apenas 35 dias. O tempo de todo o programa eleitoral deste ano é quase o mesmo que os 11 minutos que Ulysses teve em 1989, ou os 11 minutos e 48 segundos de Dilma Rousseff em 2014. Enquanto Dilma ganhou aquela disputa pela reeleição, contudo, Uysses ficou apenas em sétimo lugar. O mítico poder da televisão nas eleições brasileiras será testado mais uma vez neste ano, mas, agora, com a concorrência potente da Internet e em meio a um cenário eleitoral confuso.
Em levantamento feito a partir de uma base de dados de 102 eleições nos cinco pleitos municipais realizados desde o ano 2000, o cientista político Jairo Pimentel Jr. identificou que 58% dos candidatos com 30% ou mais do tempo de propaganda se elegeram ou reelegeram. Quando o candidato também tinha 30% ou mais das intenções de voto antes do início do horário eleitoral obrigatório, o percentual de sucesso subiu para 79%. Neste ano, contudo, os candidatos à presidência com maior intenção de voto estão entre aqueles que têm menos tempo para se expor na televisão, contrariando o histórico de atração das candidaturas mais populares para a formação de coligações.
Estimativa da consultora Eurasia aponta apenas 7 segundos para o deputado federal Jair Bolsonaro (PSL-RJ), o líder das pesquisas sem o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e 17 segundos para a ex-ministra Marina Silva (Rede), a segunda colocada. Já o detentor do maior tempo ainda não decolou nas pesquisas: o ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB) deve ter algo em torno de 5 minutos e 41 segundos, mais de 40% do total, mas não passa do quarto lugar no melhor dos cenários, sempre com menos de 10% das intenções de voto. Apesar da baixa popularidade, a candidatura tucana conseguiu seduzir o Centrão, que aposta junto com Alckmin na força da campanha de televisão para reverter o cenário eleitoral desenhado pelas pesquisas.
“As propagandas de tevê mostram que a campanha começou. São os sinalizadores de que chegou o tempo de pensar na política, de saber quem são os candidatos e decidir em que eu vou votar”, diz Pimentel Jr, ressalvando que hoje há menos tempo de tevê e mais canais para se informar. O mais relevante para o pesquisador do Centro de Política e Economia do Setor Público (Cepesp/FGV) devem ser as inserções dos candidatos ao longo da programação, cujo número foi ampliado neste ano de 30 minutos para 70 minutos por dia. Alckmin deve ter 12 inserções diárias de 30 a 60 segundos, enquanto a segunda maior candidatura, do PT, terá cerca de 5 e o ex-governador Ciro Gomes (PDT) deve ter apenas 1 spot de acordo com as estimativas. Esses números só serão fechados após a formalização das coligações, nesta quarta-feira.
Para o cientista político Lucas de Aragão, sócio da Arko Advice, não se pode desprezar o tempo de televisão, mas ele já foi muito mais determinante para uma eleição do que é hoje. "Se antes a televisão tinha 100% de predominância na conversa política com o cidadão, hoje talvez tenha 50%, 60%, o que ainda é muito relevante”, diz. Segundo ele, os horários de televisão devem servir principalmente para responder a ataques e rebater fake news. “Nos Estados Unidos, a rede social tem sido importante para motivar eleitores a sair de casa no dia da eleição. Aqui, a motivação já existe por conta da obrigatoriedade de votar", analisa. Segundo Aragão, as redes devem funcionar no Brasil para agregar pensamentos parecidos, mas, como mostra o teto de Bolsonaro nas pesquisas até agora, dificilmente terá a força de consolidar uma candidatura.
Histórico
Levantamento feito pela Arko Advice mostra que quatro das sete campanhas vitoriosas nas eleições presidenciais pós-redemocratização tinham mais tempo de programa eleitoral. Em 1994, o então ex-ministro Fernando Henrique Cardoso (PSDB) tinha 29% das intenções de voto na última pesquisa Datafolha antes do início do horário eleitoral e estava em segundo lugar, atrás de Lula (32%). Após a primeira semana de propaganda obrigatória, FHC, que já vinha em ascensão e tinha o maior tempo de tevê, consolidou o primeiro lugar com 36% das intenções — ele ganharia a disputa no primeiro turno com 55,22% dos votos.
Na eleição anterior, em 1989, Collor começou o horário eleitoral com 41% das intenções de voto, mas não tinha o maior tempo, assim como o segundo colocado nas pesquisas, Leonel Brizola (14,8%), e o terceiro, Lula (6,4%). Naquele pleito, cada um desses favoritos tinha 5 minutos de campanha, contra os 11 de Ulysses Guimarães e os 8 minutos de Aureliano Chaves, candidato do antigo PFL. Ao fim do primeiro turno, Collor tinha 30% dos votos válidos e foi para o segundo turno com Lula, que tinha passado Brizola por muito pouco (17,18% a 16,51%).
Já nas duas vitórias de Lula, apesar de não ter o maior tempo de televisão, ele começou a campanha com os melhores índices de intenção de voto e era o segundo com maior exposição, com 5 minutos e 19 segundos contra José Serra, em 2002, e 7 minutos e 21 segundos contra Alckmin, em 2006. Um cenário muito diferente do enfrentado pelos atuais líderes de intenção de voto, Bolsonaro e Marina, que não chegam somados a 4% do tempo total de propaganda. Essa proporção se soma às dúvidas em relação à candidatura do PT e à fraqueza do presidente Michel Temer (MDB), que tira o peso da máquina pública da equação eleitoral, para transformar esta eleição na mais imprevisível desde a redemocratização.
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