Livro incendiário retrata governo Trump como “terra de loucos”
Obra do jornalista Bob Woodward, que revelou o caso Watergate, afirma que o presidente falou em matar Bashar al-Assad e que seus colaboradores escondem dele documentos, por segurança nacional
A Casa Branca está nervosa. Na semana que vem será publicado um livro sobre o que vem acontecendo atrás de suas paredes desde que Donald Trump chegou ao poder. Este não é outro exemplar com anedotas sobre quanto tempo o presidente passa vendo televisão e sua irascibilidade com os funcionários. Fear: Trump in the White House (medo: Trump na Casa Branca) é um trabalho do jornalista duas vezes vencedor do Pulitzer, Bob Woodward, e nele, conta desde que o presidente falou em matar o líder sírio Bashar al-Assad até que chamou de "mentalmente retardado" o secretário da Justiça, Jeff Sessions, entre outros episódios. A divulgação de alguns trechos no The Washington Post desencadeou fortes críticas e desmentidos do presidente e de vários dos citados. E caso isso ainda não seja suficiente, o Post publicou uma conversa entre o presidente e o autor, realizada há algumas semanas. "Você sempre foi justo", elogiou Trump antes de ler a publicação.
Woodward, repórter do The Washington Post, ganhou fama com o escândalo Watergate, que terminou levando à renúncia de Richard Nixon. Ele é considerado o melhor de sua geração e para essa investigação fez centenas de horas de entrevistas anônimas que usou para traçar o retrato mais alarmante do presidente dos Estados Unidos. É por isso que a Casa Branca está nervosa.
Há um padrão de comportamento que Woodward chamou de "golpe de Estado administrativo". Refere-se a uma série de casos em que os assessores mais próximos do presidente ocultaram textos dele por medo de que assinasse e desencadeasse uma catástrofe. De acordo com o livro, Gary Cohn, ex-assessor econômico, roubou uma carta da mesa de Trump. O presidente pretendia assinar o documento para retirar formalmente os Estados Unidos de um acordo comercial com a Coreia do Sul. Cohn disse a um funcionário que fez isso para proteger a segurança nacional e que o magnata republicano nunca percebeu que o documento não estava mais lá. Em outra ocasião, o presidente quis que o país abandonasse o Acordo de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA) e pediu ao então chefe de Gabinete, Rob Porter, que redigisse a carta para levar o plano adiante. Porter escreveu uma carta, mas perguntou a Cohn o que fazer. Ele respondeu: "Posso impedir isso. Eu simplesmente vou tirar o papel da mesa dele".
A segurança é uma preocupação constante na cúpula da Casa Branca. O livro relata uma reunião do Conselho de Segurança Nacional em janeiro, na qual Trump questionou a presença militar na península coreana, incluindo uma operação especial de inteligência que permite aos EUA detectarem um lançamento de míssil norte-coreano em sete segundos –sempre de acordo com o publicado por Woodward. Dadas as dúvidas do presidente sobre o desperdício de dinheiro, o secretário de Defesa, Jim Mattis, respondeu: "Estamos fazendo isso para evitar a Terceira Guerra Mundial". Após a reunião, Mattis disse aos colaboradores próximos que o presidente agiu e entendeu como "um aluno da quinta ou sexta série".
O secretário da Defesa também se viu em apuros quando o líder sírio, Bashar al-Assad, lançou um ataque químico contra civis em abril de 2017. Trump ligou para ele e disse que queria assassinar o ditador: "Vamos matá-lo! Entremos. Vamos matar todos esses malditos”. Depois de desligar o telefone, disse a seus colegas: "Não vamos fazer nada disso. Mattis rapidamente negou essa passagem, afirmando que "as palavras depreciativas" sobre o presidente atribuídas a ele "nunca foram proferidas". "Embora eu geralmente goste de ler ficção, esta é uma marca única da literatura de Washington, e suas fontes anônimas não lhe dão credibilidade.”
No texto pode-se ver que o chefe de Gabinete da Casa Branca, John F. Kelly, com frequência perde a paciência. Woodward escreve que ele disse que o presidente está "desequilibrado" e que "ele é um idiota". "Não faz sentido tentar convencê-lo de nada. Ele saiu dos trilhos. Estamos em uma crazytown (terra de loucos). Nem sei porque alguns de nós estão aqui. Este é o pior trabalho que já tive", disse ele em uma pequena reunião. O livro ainda não chegou às livrarias e o chefe de Gabinete já desmentiu este episódio." “A ideia de que uma vez chamei o presidente de idiota não é verdadeira (...) Esta é outra tentativa patética de difamar as pessoas próximas ao presidente Trump e desviar a atenção dos muitos sucessos da Administração", declarou Kelly.
Mas as pessoas próximas não eram as únicas que ele insultava, segundo a investigação. O secretário da Justiça, Jeff Sessions, por quem Trump sente uma inimizade pública e notória, foi chamado de "mentalmente retardado". "Ele é esse idiota sulista (disse isso imitando seu sotaque). Não conseguira sequer ser um advogado de uma pessoa no Alabama", disse o presidente em uma reunião com Porter.
A porta-voz da Casa Branca, Sara Sanders, disse na terça-feira, 4, que o livro "nada mais é do que histórias inventadas, muitas de antigos funcionários insatisfeitos que falam para fazer com que o presidente fique mal". Para se desvencilhar da questão, Sanders reconheceu que Trump "às vezes não é convencional, mas sempre obtém resultados". A mesma mensagem que o presidente tentou passar quando ligou para o repórter em 13 de agosto. Ele disse que "lamentava muito" que "ninguém" lhe tivesse transmitido seu interesse em entrevistá-lo porque teria "adorado participar", de acordo com uma transcrição do telefonema à qual a CNN teve acesso.
Bob Woodward: O senador Graham disse que tinha falado com você para que conversássemos. Então, não é verdade?
Donald Trump: É verdade que o senador Graham o mencionou rapidamente em uma reunião.
Woodward: Sim. Bem, e depois não aconteceu nada.
Trump: Isso é verdade. Isso é verdade. Bem, isso... não, mas isso é verdade. Ele o mencionou rapidamente, não como, sabe, e certamente deve ter pensado que você ligaria para o gabinete...
A conversa durou 11 minutos. Tempo suficiente para Woodward avisá-lo de que o livro de 448 páginas que será publicado em 11 de setembro é "um olhar duro para o mundo, para a sua Administração e para você". Mas Trump não estava nem perto de assimilar o que estava por vir e isso ficou demonstrado nesta terça-feira depois de alguns trechos serem divulgados. O presidente lançou uma bateria de tuítes com a intenção de fulminar a publicação. Juntou o desmentido de Mattis, Kelly e da Casa Branca para, em seguida, concluir com o próprio: "Suas entrevistas são fraudulentas, é uma farsa para o público. Igual a outras histórias e citações." Por fim, ele acabou perguntando se Woodward era um agente democrata.
A paranoia da trama russa
É o dia 5 de março e a investigação sobre as possíveis ligações entre o pessoal de sua campanha e a Rússia encurrala o presidente. Trump quer depor perante o procurador especial Robert Mueller para mostrar que não tem nada a esconder. No lado oposto, seus advogados John Down e Jay Sekulow querem demonstrar que não é o caso, então preparam uma segunda simulação do que seria o interrogatório –em janeiro eles já haviam feito uma. Trump não se saiu bem no teste e acabou chamando as investigações de "uma maldita falsidade". Down descreveu a situação como um "pesadelo completo" em que o presidente se comportou como um " rei de Shakespeare piorado".
Mueller disse aos advogados que precisava do depoimento do presidente para conhecer suas intenções na demissão de James Comey, ex-diretor do FBI. Down confessou que era impossível porque não queria que Trump "parecesse um idiota" e envergonhasse a nação no cenário mundial. E deu um conselho ao bilionário: "Não testemunhe, é isso ou um macacão laranja" (uma referência à prisão). Mas ele não ouviu e continuou dizendo que adoraria cooperar com Mueller. Em 22 de março, Down renunciou. A primeira história sobre a relação da equipe jurídica do presidente com o promotor especial é parte do que Woodward relata em seu livro.
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