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Governo propõe “desmembrar” IPEA em texto que cria pasta de Segurança

Trecho incluído em MP e aprovado em comissão do Congresso provoca apreensão no órgão de pesquisa a poucos meses do fim da gestão Temer

F.B.
Michel Temer cumprimenta Raul Jungmann no dia de sua posse como ministro da Segurança Pública, em fevereiro deste ano.
Michel Temer cumprimenta Raul Jungmann no dia de sua posse como ministro da Segurança Pública, em fevereiro deste ano.Beto Barata/PR (Fotos Públicas)
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O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), um dos principais e mais antigos órgãos públicos de pesquisa do Brasil, vinculado ao Ministério do Planejamento, será desmembrado para integrar um novo órgão de pesquisa, o Instituto Nacional de Estudos sobre Segurança Pública (INESP), que será subordinado ao novo Ministério Extraordinário de Segurança Pública. É o que diz o texto final que vai ser analisado com urgência pelos plenários da Câmara e do Senado como desdobramento da Medida Provisória (MP) 821/18, que criou, em 26 de fevereiro, a pasta comandada por Raul Jungmann.

A notícia do "desmembramento" do IPEA foi recebida com surpresa e apreensão entre parte dos pesquisadores do órgão, que criticam o anúncio sem prévia discussão interna e explicação dos termos em que a partilha será feita. Os críticos temem uma "canibalização" do IPEA em meio à crise fiscal que já corta cargos e orçamento. Tudo isso no apagar das luzes do Governo Temer, ou seja, sem tempo hábil para a engenharia institucional necessária, que poderia ser atropelada por uma nova gestão a partir de 2019. A assessoria de imprensa do órgão foi procurada pelo EL PAÍS, mas disse que não iria se pronunciar. A reportagem também tentou contactar, sem sucesso, o Ministério da Segurança Pública.

O texto que fala da criação do INESP foi incluído e aprovado no relatório da comissão mista, formada por 12 deputados e 12 senadores, que analisa a MP. O movimento se deu na terça-feira 29 de maio, quando o país prestava atenção no desfecho da greve dos caminhoneiros. A iniciativa foi do relator do projeto, o senador Dário Berger (MDB-SC), que disse ter a anuência de Jungmann. Em seu parecer final sobre a MP, ele diz que "a criação do novo órgão não terá impacto orçamentário, uma vez que deverá ocorrer pelo desmembramento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA)". A medida tem como objetivo "aprimorar a estrutura" do novo ministério, "pelo fomento do estudo e da pesquisa em segurança pública". 

Crise interna

Desde o anúncio da criação do Ministério Extraordinário da Segurança, como uma das bandeiras de Temer em meio à crise no Rio, Jungmann tem se aproximado da cúpula do IPEA. Ele pediu a dois gabaritados pesquisadores do instituto na área, Daniel Cerqueira e Alexandre Cunha, um documento com diretrizes para uma política nacional de segurança, entre as propostas estava a criação de uma autarquia só para sistematizar e produzir dados comparáveis sobre violência. Por isso, com o surgimento da proposta do "desmembramento" do IPEA, Cerqueira e Cunha, além do presidente do órgão, Ernesto Lozardo, se tornaram o alvo da ira de parte dos pesquisadores, todos acusados de terem participado a formular a proposta na surdina.

Alexandre Cunha nega qualquer conhecimento da emenda na MP e se afastou por tempo indeterminado da presidência da Afipea, sindicato dos funcionários do órgão. "Tenho a mais absoluta certeza de que nada justifica o envolvimento do IPEA no processo de criação do Instituto Nacional de Estudos sobre Segurança Pública, se disso resultar enfraquecimento institucional, perda de orçamento, patrimônio ou pessoal", escreveu Cunha, em nota. Em conversa com o EL PAÍS, Cunha diz que uma autarquia para os dados de segurança sempre foi uma demanda geral dos pesquisadores da área e afirma que a decisão do Governo de criá-lo deve ser festejada. Ele critica a falta de clareza da proposta do "desmembramento" do IPEA porque ela dá "um cheque em branco para o Governo, que pode ser muito prejudicial, mas que não precisa ser assim". Ele cita casos em que desmembramentos de universidades para criar novas se deu sem prejuízo das instituições originárias.

No debate, há ainda os que defendem que a produção dos dados de segurança fique com próprio IPEA, tanto para fortalecer o órgão como para tentar garantir transparência e independência - sempre um cabo de guerra com vários Governos de turno, vide a pressão para não divulgar dados sobre a alta de desigualdade, sob Dilma Rousseff, em 2014, ou o constrangimento sofrido por uma pesquisadora que criticou a PEC do Teto de Gastos, já sob Temer. Os críticos se perguntam se um instituto subordinado à pasta de Segurança teria liberdade total para publicar o Atlas da Violência, que reúne dados detalhados sobre segurança pública no Brasil e é feito em parceria do IPEA com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

A controvérsia levanta ainda mais questões sobre o modelo de atuação e financiamento do IPEA. Com mais de 300 pesquisadores, sem concurso há quase uma década e com minguado orçamento de 46 milhões de reais, o órgão é financiado pelo Governo Federal. No final de 2016, surgiu uma proposta de criar um conselho de administração com a participação de empresários e dividir órgão em duas partes, "IPEA Pesquisas" e "IPEA Projetos". Este último poderia captar recursos da iniciativa privada e contratar pesquisadores em regime CLT para vender projetos e pesquisas, transformando o instituto em uma espécie de consultoria aos moldes de instituições privadas."Hoje, quem presta consultoria para o Estado brasileiro é a FGV, e não o IPEA. Por quê?", questionou, à época, Fernanda De Negri, diretora de inovação do órgão e autora do projeto de reformulação, em entrevista à BBC Brasil. A proposta não prosperou.

Ministério da Segurança poderá solicitar militares ao presidente

Outra emenda incluída pelo senador Dário Berger, relator do projeto na Comissão Mista do Congresso, diz que que o Ministério da Segurança Pública poderá, "em caráter excepcional e mediante entendimento com o Ministro de Estado da Defesa, solicitar militares das Forças Armadas ao Presidente da República". Ainda não está claro que mudanças práticas este parágrafo acarretará. As Forças Armadas só podem acionadas a partir da iniciava do presidente da República via decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), que dá aos militares o papel de polícia por determinado tempo.

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