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Temer completa guinada de agenda e cria ministério exclusivo para segurança

Em reunião do Rio, um dia após decretar intervenção federal, presidente afirma que nova estrutura irá coordenar as ações em todos os Estados

Temer cumprimenta interventor ao lado de Crivella, Moreira Franco e Pezão (ao fundo).
Temer cumprimenta interventor ao lado de Crivella, Moreira Franco e Pezão (ao fundo).Alan Santos (PR)

Um dia depois de decretar uma intervenção federal no Estado do Rio de Janeiro, o presidente Michel Temer (MDB) anunciou a criação de um Ministério Extraordinário de Segurança Pública. Foi mais um passo da guinada rumo à nova estratégia política do Governo: centrar suas forças em um tema de amplo clamor popular, ao invés da plataforma de reformas liberais, meses antes das eleições de outubro. Apesar da pressa em criá-la, a nova pasta ainda não tem titular, mas especula-se que o nome preferido do emedebista é o de José Mariano Beltrame, ex-secretário estadual de segurança do Rio e o principal responsável pelo agora falido projeto das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) no Estado. Além disso, as polícias Federal e Rodoviária, a Força Nacional Departamento Penitenciário Nacional ficaram sob responsabilidade da nova estrutura, esvaziando  parte das competências do Ministério da Justiça.

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Não é a primeira vez que o Governo Temer faz anúncios na área de segurança pública, mas os sinais são claros de que o Planalto mudou de foco desde a sexta-feira. Na empreitada, o presidente, com baixíssimos índices de popularidade e em busca de um candidato (se não ele mesmo) competitivo as urnas, fez até discurso em rede nacional de TV prometendo proteger as pessoas "de bem" e ter sucesso no combate à violência que matou mais de 60 mil pessoas em 2016, os dados fechados mais recentes disponíveis.

A performance do Governo, no entanto, não é das melhores na temática. Há cerca de um ano, após uma série de rebeliões e chacinas em penitenciárias hiperlotadas e controladas por facções criminosas, o emedebista anunciou o Plano Nacional de Segurança Pública que incluía, entre outras medidas, a criação de 10.000 novas vagas em prisões em todo o país. Mas nenhuma nova vaga federal foi criada desde então. Foram destinados 800 milhões de reais para construírem novas prisões ou ampliar as antigas, mas apenas sete das 27 unidades da federação movimentaram os recursos para este objetivo, segundo informou o próprio Ministério da Justiça e Segurança Pública ao EL PAÍS em dezembro passado.

Neste sábado, no Rio, Temer se reuniu com o governador Luiz Fernando Pezão, do seu mesmo MDB, e disse que a nova pasta da Segurança - uma contradição para quem assumiu anunciando corte no número de ministérios - coordenará ações também em outros Estados "sem invadir as competências" de cada um.

O presidente chegou ao Rio por volta das 12h o acompanhado do general Sergio Etchegoyen, chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República. Também estiveram presentes na reunião os ministros da Justiça, Torquato Jardim; da Fazenda, Henrique Meirelles; da Defesa, Raul Jungmann; do Desenvolvimento Social, Osmar Terra; e da Secretaria-geral da Presidência da República, Moreira Franco. Algumas ruas de Botafogo e do Flamengo, na Zona Sul do Rio, já contavam com a presença de militares neste sábado. Mas o Comando Militar do Leste garante que essa presença, ao menos por enquanto, não forma parte da intervenção federal, mas sim do esquema de segurança para receber Temer e sua comitiva.

Rio no ranking e preocupações

Há no mundo acadêmico e na oposição questionamentos sobre a redação do decreto, que diz que o interventor é de "natureza militar". "A intervenção federal permite a substituição da autoridade política estadual pela federal, mas não a substituição da autoridade política civil por uma militar. O interventor adotará atos de Governo e, por isso, a natureza do cargo é civil, ou seja, o interventor pode até ser militar, mas este ocupa temporariamente um cargo de natureza civil", escreveu no site Justificando a professora de direito da FGV-SP, Eloísa Machado.

Outro ponto em debate é a necessidade e a efetividade de uma inédita intervenção federal no Rio. Um dos argumentos contrários à intervenção federal é o de que a situação de segurança no Rio não é isolada e tampouco a pior do país. De acordo com os dados do 11º Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, há nove estados que estão em situação pior que o Rio: Sergipe, Rio Grande do Norte, Alagoas, Pará, Amapá, Pernambuco, Bahia, Goiás e Ceará. Em entrevista ao EL PAÍS na sexta, a socióloga Julita Lemgruber, ex-diretora do sistema penitenciário do Rio e coordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), opina que atual intervenção "responde a uma pressão da mídia que colocou o foco no Rio".

Com a intervenção, que deverá ser aprovada pelo Congresso Nacional em no máximo 10 dias, o Estado do Rio ganhou um "interventor federal": o general Walter Souza Braga Netto, chefe do Comando Militar do Leste. De acordo com o ministro da Defesa, Raul Jungmann (PPS), o militar terá poderes de governador na área de segurança pública. É ele quem comandará as polícias Militar e Civil, o Corpo de Bombeiros e a Administração Penitenciária fluminenses, além das tropas das Forças Armadas que estarão no Estado. Entretanto, muitos pontos do plano ainda seguem nebulosos e foi o próprio Braga Netto que deixou isso claro nesta sexta. "Recebi a missão agora, vamos entrar numa fase de planejamento. Não tem nada que eu possa adiantar, vamos fazer um estudo, fortalecer a segurança no Estado do Rio de Janeiro, somente isso", disse em coletiva de imprensa.

Também não se sabe quanto o esforço custará aos cofres públicos. Em outro momento, o Estado desembolsou cerca de 600 milhões de reais apenas para deixar o exército ocupando apenas o Complexo de Favelas da Maré entre abril de 2014 e junho de 2015, quando Dilma Rousseff (PT) ainda estava no poder. A ação não trouxe resultados efetivos para a segurança e gerou uma série de reclamações dos moradores, que relataram abusos das tropas ali instaladas. Desta vez, o sociólogo Ignacio Cano, especialista em segurança pública da UERJ, argumentou ao EL PAÍS que o dinheiro poderia ser gasto para investir em recuperar o aparato policial do Estado, contratar policiais ou recuperar viaturas, depauperados pelo colapso financeiro do Estado.

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