Gleisi Hoffmann: “Lula é nosso Pelé. A gente não põe o melhor do time no banco de reserva”
Presidenta do Partido dos Trabalhadores reafirma que Lula permanece como candidato, apesar da prisão, e que pretende participar dos debates televisivos
Há pouco mais de 40 dias, a presidenta do Partido dos Trabalhadores (PT), Gleisi Hoffmann, se divide entre o Congresso Nacional, onde cumpre seu mandato de senadora, e a sede da Polícia Federal, em Curitiba, onde o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva está preso desde o último 7 de abril. Conseguiu visitá-lo por três vezes desde então e tornou-se, por meio de conteúdos passados por ele e anotados em papel, a porta-voz do ex-metalúrgico do lado de fora.
Além dos recados, cada vez que comparece diante da imprensa e da militância ela exerce outra função: a de reafirmar que Lula continua sendo o candidato do partido, ainda que preso e enquadrado na Lei da Ficha Limpa após sua condenação em segunda instância. A expectativa do partido é que a defesa consiga convencer as instâncias superiores (Supremo Tribunal Federal ou Superior Tribunal de Justiça), a aplicar o artigo 26C da legislação, que bloquearia o pedido de impugnação da candidatura dele no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) até que seu processo seja julgado nas instâncias finais. Os órgãos, entretanto, teriam que concordar com a tese de que Lula ainda tem chance de reverter sua condenação de 12 anos e um mês por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. O desafio é grande, mas, ainda assim, o PT já iniciou o planejamento de suas estratégias de campanha e pretende, inclusive, que Lula participe de debate e sabatinas.
Denunciada pela Procuradoria Geral da República no início deste mês por corrupção e lavagem de dinheiro por suspeita de ter recebido pagamentos ilegais da Odebrecht em sua campanha de 2014, Gleisi Hoffmann também é ré em outra ação da Lava Jato referente a sua campanha de 2010. Ela afirma que, assim como Lula, é vítima de uma perseguição político-jurídica por representar o Partido dos Trabalhadores. Após esta entrevista, feita na última quarta-feira, um inquérito da Polícia Federal divulgado pela imprensa apontou que ela é suspeita de ter recebido um milhão de propina em investigação que apura supostas fraudes em empréstimos consignados aos servidores públicos federais. Em nota, Hoffmann afirmou que "nunca recebeu dinheiro ilegal para ela ou para campanhas eleitorais".
Leia abaixo os principais trechos da conversa.
Pergunta. Você foi a primeira da leva de amigos a visitar o presidente Lula na prisão. Sobre o que conversaram?
Resposta. Falamos sobre política. Quando cheguei, dei um abraço nele e perguntei como ele estava. Achei que ele falaria sobre a situação dele pessoal na Polícia Federal, sobre o processo, mas disse: "eu estou desconjurado com a situação do país. Não é possível! Foi para isso que me prenderam, que tiraram a Dilma [Rousseff]? Para ter esse nível de desemprego, não darem aumento real ao salário mínimo? Para ter um milhão de pessoas caindo para linha abaixo da miséria? Para as pessoas terem que decidir entre comprar comida e um botijão de gás? Foi para isso que nos tiraram?" Ele estava muito indignado com a situação do Brasil e penso que vai continuar porque a situação anda muito ruim.
P. Vocês continuam reafirmando que ele é o candidato do partido. É uma estratégia segura eleitoralmente?
R. Ele é nosso candidato por três motivos. Primeiro porque ele é inocente. Ele foi condenado em um processo sem prova, aliás, sem crime tipificado. A condenação e a prisão dele são frutos de uma injustiça. Se nós tergiversarmos sobre isso, vamos estar dando razão a seus algozes, que querem exatamente isso: impedir que ele participe da política e que seja candidato. Segundo, porque ele tem apoio popular efetivo. Pesquisa após pesquisa, desde que começou este processo de julgamento e condenação dele, ele tem se mantido a frente, sempre com o dobro do segundo colocado. Nessa última pesquisa agora, quase 40 dias depois da prisão, Lula continua sendo o preferido do povo. Ele deixou de ser candidato do PT. Ele já é candidato de uma parcela expressiva da população. Cabe ao PT defendê-lo e viabilizá-lo. É isso que os eleitores do Lula querem do PT. E o terceiro motivo é que ele tem seus direitos políticos mantidos, não estão suspensos. A Constituição assegura esses direitos políticos do Lula e de qualquer outro que seja condenado em segunda instância e não tiver o trânsito em julgado. O Lula só vai ter seu direito político suspenso quando for condenado, e se for, pelo Supremo Tribunal Federal.
P. Mas existe a Lei da Ficha Limpa.
R. Ela tem artigos que garantem a candidatura mesmo de pessoas condenadas em segunda instância. O artigo 26C, por exemplo, diz que enquanto houver recurso [em instância superior] com plausibilidade ele pode continuar candidato. Enquanto ele tiver recurso plausível para as instâncias superiores, ele tem direito a concorrer ao pleito.
P. Mas quem decide se o recurso tem plausibilidade é o STF ou o STJ, após questionamento da defesa. Acredita que, diante do que temos visto, com a manutenção das condenações e os habeas corpus negados, estes órgãos podem concordar que há plausibilidade de ele não ser condenado em última instância?
R. Acho que sim, porque estamos falando do mérito do processo, não estamos falando de um habeas corpus ou de uma situação emergencial. E mesmo as pessoas que são contrárias ao presidente Lula no mundo jurídico reconhecem que os recursos que serão interpostos em relação ao mérito são muito plausíveis pelos problemas que nós tivemos no processo, problemas de ritos formais também, do direito da defesa. Foi uma condenação sem crime e sem prova.
P. Se, ao final do processo no TSE, ele for impedido de concorrer não será um prejuízo para o partido na hora de transferir os votos para um outro candidato muito perto da eleição?
R. Prejuízo para o partido ter o candidato com a maior viabilidade eleitoral e o maior número de votos? De jeito nenhum! Aliás, hoje, se você olhar as pesquisas, tem gente que diz que vota no Lula e no candidato que ele mandar. Se precisar, lá na frente acontecer, Lula vai saber o que fazer, como encaminhar, junto com a direção do partido. O que nós não podemos, jamais, é deixar de apresentá-lo como candidato, deixar dispersar a base social. Ele é nosso Pelé. É o melhor que nós temos no time. Então a gente não põe o melhor do time no banco de reserva para colocar um que está na reserva para jogar. Tem que ser com ele.
P. Vocês já começaram a discutir como será essa eleição. Recentemente você convidou o ex-presidente da Petrobras, Sergio Gabrielli e o ex-ministro, Ricardo Berzoini para compor a coordenação da campanha do ex-presidente. Já existem algumas diretrizes de como se dará essa campanha diante do desafio de Lula continuar preso?
R. Vamos ter uma campanha diferente, claro, sem o candidato. Mas Lula é extremamente conhecido, tem um legado. As pessoas sabem o que ele fez e nós temos um programa claro para o Brasil, e temos dirigentes partidários que podem representá-lo, nos eventos, nos debates, nas entrevistas. E a campanha vai começar a ser organizada. Na semana que vem nós vamos ter a primeira reunião com esses coordenadores, montar e estruturar os lançamentos de campanha e as discussões do plano de Governo e as nossas propostas. Então tem como organizar, sim, e nós vamos nos dedicar a isso.
P. A ideia, então, é que outras pessoas participem das entrevistas e debates no lugar de Lula?
R. Sim, exatamente. Por exemplo, vai ter um evento da Confederação Nacional dos Municípios em Brasília. O presidente foi convidado e eu já informei que o PT vai mandar um representante. Possivelmente eu vá, porque é aqui em Brasília. Vou participar, vou ler uma carta dele aos prefeitos. Vai ter um evento sobre indústria de infraestrutura em São Paulo, possivelmente vai o Fernando Haddad. Enfim, estamos nos dividindo para poder cobrir todos os eventos com os pré-candidatos.
P. E no caso dos debates? É possível que uma segunda pessoa participe no lugar dele?
R. O ideal seria ele participar porque na campanha não podem tolher os direitos de candidato dele. Enquanto ele não tiver com o registro indeferido ou suspenso, ou enquanto não tiver uma decisão final da Justiça, ele tem direito de candidato. O ideal seria ele sair de onde está e participar do debate. E também das sabatinas e entrevistas, ele tem direito de fazer. Já estamos estudando isso tudo com os advogados para ver como nós vamos agir em relação a essas situações.
P. Esse ano a campanha será mais difícil financeiramente. Como vocês estão planejando contornar isso?
R. Nossa campanha vai ser franciscana, muito simples, muito barata, feita com muita militância e dedicação. Temos o recurso do fundo eleitoral, que é o recurso maior que nós vamos ter que organizar e administrar para servir a todas as campanhas da chapa federal, senadores, governadores e do presidente. E vamos lançar na semana que vem nosso crowdfunding, a nossa plataforma de recolher recursos para a campanha do Lula, então a gente espera também contar com doação.
P. Já se pensa em um candidato a vice-presidente? Seria uma chapa só do PT ou teria outro partido junto?
R. Ainda não discutimos isso. Mas obviamente nós queremos fazer aliança e composição. Nós gostaríamos de ter um vice de outro partido para compor com o Lula.
P. Você se reuniu com o Carlos Siqueira, presidente do PSB, recentemente. Seria esse o partido?
R. Não conversamos sobre isso. Obviamente que é um partido que nós temos interesse que esteja junto conosco. Assim como o PCdoB. Nós estamos conversando com esses partidos e as conversas continuam, porque têm também as estratégias eleitorais nos Estados.
P. Mas o PCdoB já anunciou a pré-candidatura de Manuela D'Ávila.
R. Mas isso não tolhe a gente de conversar. O partido indicou e acho que tem disposição para conversar.
P. Seria possível uma chapa única da esquerda, com PT, PSB, PDT, PCdoB e PSOL?
R. Acho que no segundo turno, com certeza. No primeiro acho difícil porque o PSOL tem seu candidato, o PDT tem seu candidato e nós também temos, vamos registrar o Lula. Da nossa parte teríamos dificuldade de fazer uma composição que não seja com o Lula na cabeça de chapa.
P. Há alguma conversa nesse sentido, neste momento?
R. Nós estamos conversando com o PCdoB, com o PSB e ainda não fizemos a conversa com o PDT, porque nós respeitamos os partidos. Eles expuseram candidatos. Então, estamos conversando mais no sentido programático, de propostas, e vamos ver qual é a evolução dessas conversas.
P. Com um candidato de direita, bastante conservador, apontando no segundo lugar, como Jair Bolsonaro, é prudente a esquerda dividir voto?
R. Mas o Lula é o mais forte. O PT tem 20% da preferência nacional e, no Nordeste, 32%. Não entendo porque o candidato com maior condições de agregar votos para esquerda não pode ser o candidato e ter uma articulação.
P. Há setores do PT que são favoráveis a uma aliança com Ciro Gomes, com um nome do PT de vice. Você negou essa possibilidade e disse que Ciro não passa no PT "nem com reza brava". Por que?
R. Eu não disse isso. Colocaram numa coluna que eu teria dito, mas eu não conversei com a jornalista. Nós temos uma estratégia política eleitoral, que é Lula candidato. Avaliamos que Lula é inocente, tem o dobro dos votos do segundo concorrente, persiste nas pesquisas, e tem os direitos políticos para se registrar e ser nosso candidato. Para nós, é uma questão de tática eleitoral e estratégia política. Eu respeito quem tem opinião diferente, mas acredito que essas opiniões que você citou sobre essa coligação já estão superadas. Dentro do PT há uma unidade na ação política em torno do nome do Lula.
P. Mas há algum problema no PT com o Ciro?
R. Não. Nós respeitamos a candidatura dele. Mas Lula é o nosso candidato, não é questão de problema.
P. Vocês têm tentado costurar um indulto, um perdão judicial, com os outros candidatos de esquerda para Lula?
R. Nós queremos que Lula seja absolvido porque ele é inocente. Por isso a gente está registrando ele como candidato a presidente.
P. Mas existe essa conversa de indulto, para o caso de ele não ser absolvido?
R. Nós nunca fizemos essa conversa no PT.
P. Nem com os outros candidatos, de outros partidos?
R. Também não.
P. Seria viável? Qual a sua opinião sobre isso?
R. Não posso falar em hipótese. Nós temos uma estratégia jurídica, inclusive, que é reafirmar a inocência do presidente Lula. Com todos os recursos e todas as ações judiciais. É isso que nós buscamos.
P. A senhora acaba de ser denunciada pela Procuradoria Geral da República por corrupção e lavagem de dinheiro na campanha de 2014. E já é ré em outro caso referente a campanha de 2010. Como vê as acusações?
R. Acho que tem uma perseguição imensa. Essa de 2014 há muito tempo estou me defendendo e espero que seja julgada agora. E, sinceramente, se tivessem que me acusar de alguma coisa, e nem poderiam porque não aconteceu, seria de Caixa 2, tal qual acusaram o [Geraldo] Alckmin em relação a Odebrecht, porque o processo é muito semelhante. Acho que o caminho do Supremo vai ter que ser a absolvição. Não tem prova, tem uma delação que não se sustenta. Nessas outras [investigações] eu estou sendo incluída em processos de quadrilha porque eu sou presidenta do PT. Eu não estava em 2010 no Governo, não participei de nenhuma negociação. Eu só posso reportar isso à condição que eu estou hoje, de presidenta do PT. Tiraram a Dilma [Rousseff], prenderam o Lula e agora é a vez do PT. E como eu represento o PT, então eu tenho que ser denunciada, ter processo judicial. É uma situação muito ruim do ponto de vista da perseguição política que se faz ao partido. Isso é uma coisa orquestrada. Eles têm um processo para acabar com o PT porque dizem que o PT é uma organização criminosa.
P. Teme que a delação de Antonio Palocci, apontado como gerenciador de uma conta de propina do PT pela PGR, possa piorar a situação?
R. Ela já foi desqualificada pela própria PGR, tanto que agora o Palocci tenta fazer uma delação com a Polícia Federal. O que ainda não está ajustado em termos legais porque o Supremo está ainda verificando se a Polícia Federal pode fazer delação premiada. E, se acontecer, vai ser de baixa intensidade. Primeiro porque vai ser mentira. O que o Palocci disse até agora não tem sustentação nenhuma.Ele não tem prova, não tem situações fáticas. Ele fala que ouviu dizer.
P. Nos últimos anos, o partido foi envolvido em muitas denúncias de corrupção e até agora não fez qualquer reconhecimento de erros que possa ter cometido. Falta isso ao partido?
R. Teve um erro que nós cometemos que acho que foi grande em relação a tudo isso que foi não ter forçado para sair uma reforma política. Nós não utilizamos toda a força política que nós tínhamos para fazer a reforma política, devíamos ter feito. Disputamos as eleições nas regras e dentro do jogo que já era oferecido para a frágil democracia brasileira. Esse é nosso problema. Todas as denúncias que recaem sob o PT são denúncias que têm relação com campanhas eleitorais. Não teve nenhuma denúncia de petista com conta no exterior, com mala de dinheiro, com apartamento abarrotado de dinheiro, com enriquecimento ilícito.
P. Hoje você acredita que foi um erro se aliar ao MDB (antigo PMDB) no cenário nacional?
R. As alianças são feitas dentro de determinadas conjunturas, com as possibilidades que você tem de Governo. Naquele momento e naquela conjuntura, a aliança com o PMDB viabilizou que nós ganhássemos o Governo e que fizéssemos uma série de políticas. O PMDB não tem um projeto nacional. Tem projetos locais e tem interesses individuais. Então, na primeira oportunidade que teve, de enfraquecimento do Governo e de eles assumirem, eles utilizaram a oportunidade. Mas lá atrás eles tiveram uma importância no sentido de viabilizar inclusive uma ação política da esquerda e que foi relevante para o país. Tanto que há um legado hoje reconhecido pela maioria do povo brasileiro do que nós conseguimos fazer. Então, temos que olhar as alianças pelo momento que você está vivendo na política e pela correlação de forças que você tem na sociedade.
P. Acredita que seria possível governar sem o apoio deles, caso o PT vença as próximas eleições?
R. Nós temos que saber como vai ser a composição do Congresso Nacional. Se nós fizermos uma boa bancada que nos dê condições de governar sem nenhuma aliança, melhor. Se não, nós vamos ter que governar considerando alianças. Obviamente que isso não quer dizer que você tem que fazer alianças de levar para dentro do Governo, mas, às vezes, alianças pontuais em matérias que são importantes. Isso é da conjuntura e é da realidade do Congresso que vai ser eleito. Nossa prioridade número um é eleger Lula e nossa prioridade número dois é eleger uma boa bancada de deputados federais e de senadores.
P. Uma parte da esquerda critica as alianças com partidos fisiológicos que devem ser feitas pelo PT em alguns municípios e Estados, entre elas com o PMDB. Por que se aliar novamente a esse partido?
R. Depende de correlação de forças e de quem você vai pôr na aliança e de como vai pôr na aliança. Nos Estados, os governos onde a gente governa têm alianças com partidos que são de centro, o próprio PMDB em alguns deles. Às vezes tem a ver com a pessoa que está na frente. Por exemplo, no Paraná, o PMDB é o [Roberto] Requião, nós não teríamos problema nenhum em fazer aliança com ele. Em outros Estados muitas vezes a situação é subalterna à política do PT. Ou seja, é o PT que está na cabeça, que dá o comando, a orientação. E, às vezes, necessita a correlação de forças para ganhar a eleição e ter um programa mais progressista para aquela região. O que eu acho que é importante é: independentemente da aliança ser feita é preciso ter uma linha muito firme e cada vez mais ficar atento ao comportamento desses partidos quando se tem uma aliança para governar.
P. Governar sem alianças, utilizando, por exemplo, plebiscitos, como defende Guilherme Boulos, é viável?
R. Acho que temos que colocar isso na cultura e na prática do país. Hoje não temos essa prática. Plebiscito e referendo foram pouquíssimo usados e a gente tem que usar. Mas eles, por si só, não são instrumentos que garantem uma democracia efetiva. Eu acho que a gente tem que buscar conscientizar as pessoas, conscientizar a sociedade para ter uma ação política mais efetiva e mais crítica. Acho que isso é uma coisa que a gente aprendeu também: o Governo tem que ter gestão, tem que entregar política pública, mas também tem que elevar o nível de consciência da sociedade.
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