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Cercada por escândalo de tortura, Gina Haspel tem apoio de Trump para dirigir a CIA

Presidente acolhe a tenebrosa Gina Haspel antes da sua sabatina no Senado e afirma que ela “é atacada por ser dura contra o terror”

Jan Martínez Ahrens
A candidata a dirigir a CIA, Gina Haspel, durante um ato no Departamento de Estado.
A candidata a dirigir a CIA, Gina Haspel, durante um ato no Departamento de Estado.JONATHAN ERNST (REUTERS)
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Donald Trump volta a pisar nas trevas. Em uma clara defesa do programa de torturas que a CIA desenvolveu depois do 11 de Setembro, o presidente dos Estados Unidos ordenou que seu Governo proteja sua candidata à direção da agência, Gina Haspel, depois que ela mesma quis jogar a toalha diante dos sinais de que sua sabatina de confirmação no Senado, nesta quarta-feira, trará à tona seu papel mais do que ativo na guerra suja antiterrorista. Um buraco negro do qual a implacável e aracnídea Haspel foi tanto ideóloga como executora. “Que Gina vença!”, clamou Trump na manhã desta segunda.

Haspel, de 61 anos, é a face obscura da CIA. Fiel funcionária da agência de inteligência há 33 anos, desenvolveu a maior parte da sua carreira no serviço de operações encobertas – um eufemismo para se referir aos trabalhos sujos. Patriota, inflexível e tomada pelo furor antiterrorista próprio da era Bush, depois dos atentados de 11 de setembro de 2001 aderiu com entusiasmo ao programa de tortura de suspeitos. Foi o que com frieza burocrática chamou-se de “técnicas de interrogação melhoradas”, e que incluíam práticas como a privação do sono, a nudez, a submissão ao frio intenso, o encerramento em cubículos e a asfixia em água (waterboarding). Um horror que Haspel não só defendeu como também materializou ao dirigir na Tailândia a primeira prisão secreta da CIA. Naquele local fiscalizou em 2002 as torturas contra Abu Zubaydah e Abd al-Rahim al-Nashiri, dois supostos membros da Al Qaeda submetidos ao catálogo completo de violências, incluindo os afogamentos (até 83 vezes em um mês).

Tanto zelo profissional lhe abriu caminho na CIA e a levou se tornar, em 2003, o braço direito de José Rodríguez, então diretor de contraterrorismo da agência e posteriormente chefe de operações encobertas. A partir desse cargo assumiu grande parte da direção operacional da guerra suja, e em 2005 tomou uma decisão que não deixou de persegui-la desde então: ordenou a destruição de cerca de cem vídeos de torturas contra detentos.

Apesar de o programa ter sido desmantelado por completo em 2009, sob o mandato de Barack Obama, e da decisão de não exigir que os participantes prestassem contas à Justiça, o desaparecimento das gravações e a intensa participação de Haspel nas torturas lhe passaram a fatura em 2013, quando foi proposta para a chefia de operações clandestinas. Os democratas, que então controlavam o Comitê de Inteligência do Senado, bloquearam sua nomeação.

Esse passado retorna com força agora. Haspel, que há um ano é diretora-adjunta da CIA, teme que em sua sabatina da quarta-feira o seu tenebroso currículo venha à tona. E sabe também que a maioria republicana, de apenas dois senadores, poderá deixá-la na mão se o escândalo escapar ao controle. Por isso na sexta-feira passada, sob o argumento de não querer danificar a reputação da agência, anunciou à Casa Branca sua decisão de não apresentar-se ao cargo.

O recuo de Haspel, segundo o The Washington Post, gerou um rápido movimento do Executivo. Parte do alto escalão foi à sede da agência em Langley (Virgínia) para tentar convencê-la, incluindo a porta-voz oficial do Governo, Sarah Huckabee Sanders. Depois de horas de vaivém, conseguiram que desistisse da renúncia. O próprio Trump participou por telefone dessa pressão.

O presidente, intuindo a batalha, optou não só por defender sua indicação como também por apresentá-la como uma questão de patriotismo. Nesta segunda-feira condensou essa estratégia em um tuíte: “Minha respeitadíssima candidata à direção da CIA, Gina Haspel, está sendo atacada por ser muito dura com os terroristas. Pensem nisto, nestes tempos tão perigosos temos a pessoa mais qualificada, uma mulher, que os democratas querem que vá embora porque foi dura contra o terror. Que Gina vença!”.

O lema evoca o Trump mais feroz. O mesmo que em 2016, em plena campanha eleitoral, discursa nos comícios em defesa da tortura. “O que vocês acham do waterboarding? Eu gosto muito. E na verdade não acho que seja suficientemente duro. Vivemos tempos medievais, e contra o fogo é preciso lutar com fogo”, chegou a dizer. Suas palavras, repetidas em diferentes âmbitos, abriram um ácido debate em que o magnata, por um momento, pareceu retroceder. Foi uma miragem. Agora, com a defesa de Gina Haspel, voltou ao ponto de partida. Ao Trump de sempre.

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