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Lava Jato, uma operação engolida pela política

Abastecida por ativismo de procuradores, investigação se estabelece como mais um elemento do jogo político

'Cueca doleira' exposta em ação de marketing da Netflix para promover a série 'O Mecanismo', baseada na Operação Lava Jato.
'Cueca doleira' exposta em ação de marketing da Netflix para promover a série 'O Mecanismo', baseada na Operação Lava Jato.EVARISTO SA (AFP)
Rodolfo Borges
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Desde que começou a desestabilizar o Governo de Dilma Rousseff, já em 2014, a Operação Lava Jato se estabeleceu como elemento decisivo para os rumos da política nacional — e internacional, como se pôde ver na renúncia do presidente Pedro Paulo Kuczynski, no Peru . Para avançar sobre empresários e políticos, a investigação contou com o ativismo de procuradores e juízes que não se limitaram a fazer o trabalho de apuração e julgamento que deles se esperava. Os investigadores criaram perfis nas redes sociais, deram entrevistas e fizeram campanhas para mudar leis. Entre idas e vindas, avançaram politicamente durante quatro anos, mas se expuseram aos sabores da política.

Nesta semana, quando o Superior Tribunal de Justiça (STJ) enviou — atendendo a instrução da Procuradoria Geral da República — o processo do ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB) para o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), os analistas apontaram mais um movimento político, desta vez de enfraquecimento da operação. O pré-candidato tucano à presidência da República teria conseguindo escapar da força-tarefa da Lava Jato em São Paulo, que já tinha solicitado seu processo. Procuradores como Vladimir Aras e o ex-procurador-geral Rodrigo Janot foram às redes sociais protestar contra a decisão, que poderia esvaziar as delações da Odebrecht.

Os mais renomados advogados do Brasil reclamam desde o início da operação que ela foi longe demais. Mas tudo terá sido em vão, protestam por sua vez os procuradores, caso se reverta o entendimento de que é possível prender condenados após confirmação da sentença em segunda instância. O saldo da operação que condenou 123 pessoas e que promete recuperar um total de 40 bilhões de reais provavelmente está no meio desses dois extremos. Quatro anos depois de seu início, a Lava Jato começa a se confrontar com limites que ela mesma plantou enquanto avançava sem misericórdia contra políticos e empresários.

As possíveis frustrações decorrentes de limites impostos à Lava Jato terão o tamanho das pretensões dos seus protagonistas. Professor de direito penal da FGV Rio, Thiago Bottino diz que, para além de punir um esquema de corrupção, a força-tarefa da Lava Jato tentou mudar o funcionamento do sistema penal brasileiro. "O aspecto mais legítimo disso foi a proposta das Dez Medidas Contra a Corrupção. [O Congresso Nacional] é onde se muda a lei. Muitas das coisas que estavam ali vão voltar a ser discutidas em breve", diz. O mesmo valeria, para Bottino, no que diz respeito à prisão em segunda instância.  "É legítimo discutir isso. O que não é legítimo é esse movimento político criminal, de população, de mídia e de imprensa para pressionar um julgamento pelo poder Judiciário. Não se pode substituir a escolha do Congresso pelo Judiciário".

Na expectativa de punir criminosos, a Lava Jato tomou uma série de medidas controversas desde sua origem e se alimentou do ativismo de procuradores, juízes e policiais federais. Uma de suas primeiras polêmicas foi a decretação insistente de prisões preventivas, que teriam sido usadas para pressionar os suspeitos a fechar acordos de delação premiada. O juiz Sérgio Moro, titular da 13ª Vara Federal de Curitiba, sempre se defende dizendo que essas prisões são exceção e que a maioria dos acordos de colaboração foram fechados por acusados que estavam soltos — o dado oficial dá conta de que dos 187 acordos firmados, 84% foram feitos por investigados em liberdade.

O próprio funcionamento das delações gerou outras controvérsias, tanto que a procuradora-geral Raquel Dodge anunciou a criação de um núcleo de trabalho para criar um roteiro básico a ser seguido. Os acordos dizem, por exemplo, que os réus ficam proibidos de impetrar habeas corpus, apesar de a Constituição estabelecer isso como um direito. Por outro lado, condenados como o ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado adquiriram uma proteção internacional ao firmar seu acordo, porque o Ministério Público Federal estabeleceu que o Brasil não vai cooperar com outros países, por meio de compartilhamento de provas, a menos que esses países ofereçam determinadas vantagens ao investigado.

Outra celeuma foi causada pelas conduções coercitivas, usadas com ampla liberdade pelos investigadores até uma delas ser decretada contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em março de 2016. A relevância política do petista jogou um holofote sobre o dispositivo, que estava sendo usado antes mesmo de os suspeitos se negarem a prestar depoimento — o que eles, aliás, não são obrigados a fazer. Resultado: em dezembro do ano passado, o ministro do STF Gilmar Mendes vetou provisoriamente as conduções coercitivas para interrogatórios. Mas isso não inibiu os investigadores da Lava Jato.

Competência universal

Há duas semanas, o ex-assessor especial da Presidência José Yunes e o ex-coronel da Polícia Militar de São Paulo João Batista Lima, ambos ligados ao presidente Michel Temer, permaneceram presos por apenas dois dias para prestar depoimento. Foi graças a procedimentos como esse e à obstinação dos investigadores, os entusiastas da operação argumentam, que a Operação Lava Jato avançou mais do que suas antecessoras Castelo de Areia, Satiagraha ou Boi Barrica. É consenso que a manutenção dos processos originais da Lava Jato em Curitiba foi crucial para que os casos originais de doleiros, diretores da Petrobras e empreiteiros chegassem ao núcleo político do esquema, mas essa espécie de "competência universal" reivindicada pela 13ª Vara Federal no caso é outro calcanhar de Aquiles da operação.

Os investigadores da Lava Jato conseguiram contagiar instâncias superiores, como o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e até o STF com seu heterodoxo padrão de atuação. A maioria das decisões de Sérgio Moro foi referendada por desembargadores e ministros e suas práticas passaram a ser adotadas por outros magistrados, em estados como São Paulo e Rio de Janeiro e no Distrito Federal, por onde reverberações da Lava Jato se espalharam. Mas a possível revisão das prisões em segunda instância, que foram erguidas como bandeira por Moro, e o encaminhamento do caso de Alckmin para o TSE mostram que sua influência pode ter encontrado um limite.

Nunca antes

Para além dos procedimentos inusuais que sustentaram a Lava Jato, episódios pontuais da investigação serviram para acirrar os ânimos políticos ao redor da operação. A divulgação do áudio entre Lula e a então presidenta Dilma Rousseff foi censurada posteriormente pelo STF, mas acabou impedindo que o ex-presidente assumisse a Casa Civil. Meses depois, a apresentação da denúncia contra Lula, feita de forma ruidosa pelo coordenador da força-tarefa da Lava Jato, Deltan Dallagnol, elevou a contrariedade dos petistas à operação — o ex-presidente ainda perderia uma viagem para a África por ter seu passaporte apreendido por alguns dias.

É difícil, contudo, defender que a Lava Jato tinha como meta prejudicar especificamente o PT. O caso do deputado cassado Eduardo Cunha é um dos mais emblemáticos da operação: o emedebista só foi cassado e preso após ser retirado da linha sucessória da presidência e afastado do cargo pelo STF por uma decisão judicial inédita. Além disso, após o impeachment de Dilma, a barulhenta delação dos irmãos Batista ameaçou derrubar o presidente Michel Temer. O salvo conduto dado aos donos da JBS acabaria, entretanto, saindo pela culatra e levaria Joesley e Wesley para a cadeia, constrangendo o então procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Naquela ocasião, coube a quem saiu às ruas contra o Governo Dilma criticar o direcionamento político da Lava Jato — que teria se repetido quando o ministro Luís Roberto Barroso liberou a investigação de um presidente da República.

Quanto mais a operação se aproxima do Supremo, mais as liberdades processuais tomadas por procuradores, policiais e juízes se reduzem. Do ponto de vista de quem quer ver criminosos punidos, os ministros do STF atuam para proteger políticos e poderosos. Para os legalistas, entretanto, a Lava Jato deveria ter avançado respeitando a lei, ainda que, por conta disso, seus efeitos não fossem tão expressivos. O Supremo não estaria fazendo mais do que seu trabalho de defender a Constituição, portanto. No momento em que a operação parece se encaminhar para o final, seu legado dependerá da capacidade daqueles que a defendem de projetar seus efeitos para além do escopo da investigação — e de convencer seus críticos de que os eventuais excessos valeram a pena e não foram direcionados a um grupo político específico.

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