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Operação Lava Jato desafia os melhores advogados do Brasil

Caso Petrobras é o grande teste do ainda novo acordo de delação premiada Investigação saturou o mercado de defesa criminal no país e agita o mundo jurídico

Advogados de executivos investigados pela Operação na Lava Jato conversam na sede da Polícia Federal em Curitiba, em novembro.
Advogados de executivos investigados pela Operação na Lava Jato conversam na sede da Polícia Federal em Curitiba, em novembro.Paulo Lisboa (Brazil Photo Press/Folhapress)

“Ainda bem que eu corri e consegui contratar um bom advogado logo”, brincou recentemente com o próprio defensor, em um raro momento de descontração, um dos investigados na Operação Lava Jato, que abala os mundos empresarial e político do Brasil há meses. A investigação sobre o maior caso de corrupção da história do país reuniu os mais renomados criminalistas brasileiros, um seleto grupo de não mais que 40 escritórios responsáveis por um trabalho de ‘alfaiataria’ na defesa personalizada de seus clientes e cujos esforços o caso Petrobras tem monopolizado, levando ao saturamento do mercado de defesa criminal no país — algo que vem acontecendo desde o julgamento do Caso mensalão. Atuam no caso Petrobras advogados estrelados como Marcelo Leonardo, Arnaldo Malheiros Filho e José Luis Oliveira Lima, defensores de Marcos Valério, Delúbio Soares e José Dirceu, respectivamente, no julgamento do mensalão, e, mesmo com toda sua reputação e capacidade, os maiores criminalistas do Brasil enfrentam na Operação Lava Jato uma das maiores provas de suas carreiras.

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O caso Petrobras envolve uma teia de corrupção que teria sido urdida na maior empresa estatal do país por empreiteiras de porte gigantesco num esquema que vem sendo investigado por diferentes órgãos de controle e apuração, como Polícia Federal (PF), Ministério Público, Controladoria-Geral da União (CGU) e Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Não bastasse tamanha complexidade, os defensores dos suspeitos investigados ainda têm de lidar com um novo elemento: o acordo de delação premiada, cuja atual configuração está em vigor desde agosto de 2013. O dispositivo, que prevê benefícios ao investigado que resolve colaborar com os investigadores, passa por seu grande teste logo no maior caso de corrupção do país e, apesar de causar muito desconforto no mundo jurídico, tem se revelado um instrumento de investigação essencial.

As revelações feitas à Justiça pelo ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa, beneficiado com a liberdade por acordo de delação, contribuíram para a prisão de dezenas de suspeitos na Operação Lava Jato, mas a forma como os investigadores têm conseguido detalhes sobre o esquema horroriza criminalistas como Tales Castelo Branco, que defendeu o publicitário Duda Mendonça no caso do mensalão. “A delação premiada deveria ser uma atitude espontânea de quem é acusado ou está sob suspeita. Neste caso, [o artifício] está sendo usado como resultado de uma pressão que, no meu entender, é totalmente ilegal. O que está acontecendo é uma regressão do direto penal, um retorno à Idade Média, quando a tortura era legal e [quando] era mediante ela que se extorquiam as confissões”, disse o magistrado ao EL PAÍS.

Castelo Branco se refere ao posicionamento do procurador da República Manoel Pestana, que gerou polêmica ao dizer em um de seus pareceres que as prisões preventivas no caso Petrobras se justificam como forma de “convencer os infratores a colaborar com o desvendamento dos ilícitos”. Para aumentar a polêmica, Pestana justificou a posição em uma entrevista dizendo que “o passarinho pra cantar precisa estar preso”. É por posições rígidas e controversas como essa que parte dos empresários mais poderosos do país segue presa na sede da Polícia Federal em Curitiba há quase um mês, mesmo contando com a melhor defesa que o dinheiro pode comprar. E mesmo os que já conseguiram deixar a prisão só o fizeram após ter vários recursos negados, como o ex-diretor da Petrobras Renato Duque, cuja defesa teve pedidos de habeas corpus negados pelo Tribunal Regional de Porto Alegre e pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) antes de conseguir a liberação no Supremo Tribunal Federal (STF) no início do mês.

Para o criminalista Alberto Zacharias Toron, que defendeu o ex-deputado João Paulo Cunha no julgamento do mensalão e representa Ricardo Pessoa, presidente do grupo UTC no caso Petrobras, as dificuldades impostas aos defensores é fruto de uma mudança por que o país já vem passando há algum tempo. “Há uma vontade política muito forte, não apenas do governo, mas das instituições do Estado, de se apurar casos de corrupção, de desvios de dinheiro. O Brasil, sob esse aspecto, está mudando”, analisa, ponderando que agora as investigações não estão mais sendo feitas com base em escutas, mas em delações. “Temos de nos habituar a um novo método investigativo, mas também devemos ter presente que delação sem comprovação material não pode ser tomada de forma absoluta”, reclama. Segundo ele, no caso de seu cliente, “não há nenhuma prova de pagamento feito em conta de nenhum agente público”. Outro problema apontado pelo criminalista é o vazamento de fragmentos das delações para a imprensa, o que tornou públicas informações a que nem a defesa dos investigados tinha conseguido acesso ainda.

O que está acontecendo é uma regressão do direto penal, um retorno à Idade Média Criminalista Tales Castelo Branco

Diretor do Centro de Estudos da Sociedade de Advogados (Cesa), onde coordena o Comitê de Direito Penal, o advogado Fernando Castelo Branco explica que, até a Lava Jato, as investigações da PF estavam calcadas em três embasamentos fundamentais: busca e apreensão, interceptação telefônica e prisão. Com o advento da delação premiada, surge um “aspecto fantasmagórico” para a defesa no processo, pois o advogado não sabe se seu cliente está sendo delatado por um colega em troca de benefícios. “O defensor tem de pensar 10 vezes antes de adotar um procedimento como o de convergência de defesas”, em quem a defesa de um suspeito se apoia na do outro. E não são apenas as defesas dos suspeitos do caso Petrobras que estão expostas a risco, mas também quem investiga e acusa, alerta o jurista, pois a delação ainda é incipiente e não está madura. “Ela vem sendo utilizada de forma experimental, mas já em casos concretos. Tenho muito receio do que se vai gerar com isso, pois tivemos vários exemplos de provas que foram anuladas por tribunais superiores com a utilização, por exemplo, de uma interceptação telefônica mal utilizada, o que faz lembrar que os fins não justificam os meios”.

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