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Itália e Alemanha põem estabilidade da União Europeia à prova

Com 66% de apoio ao governo de coalizão, eleição alemã traz alívio para europeus. Os dois pleitos são a última fronteira da crise da UE

Membros do SPD alemão transportam cédulas para a votação deste domingo.
Membros do SPD alemão transportam cédulas para a votação deste domingo.Gregor Fischer (AP)
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Superdomingo europeu: quase meio milhão de filiados à social-democracia alemã decidiram neste domingo aceitar a Grande Coalizão com os conservadores de Angela Merkel, e 51 milhões de italianos foram às urnas na terceira maior potência econômica da zona do euro. Bruxelas não espera grandes sobressaltos. Venceu o sim do SPD, com 66% de apoio à coalizão alemã. Agora, a expectativa é que na Itália o resultado das urnas caiam para um Parlamento fragmentado, porém manejável. Os analistas acreditam que a primavera europeia – recuperação econômica e crise migratória, de segurança e Brexit relativamente sob controle – se fortalecerá a partir deste domingo. Mas a Grande Crise tem sempre uma vida a mais: diante desse horizonte com céu azul, um revés alemão ou italiano teria o potencial de colocar em xeque a estabilidade da UE.

Era o melhor dos tempos, era o pior dos tempos: a Europa cresceu como nunca nos últimos 10 anos e conteve a ascensão desses extremismos de baixa intensidade batizados de populismos, mas a primavera europeia vislumbrada pelos mais otimistas vem carregada de nuvens escuras. As mais inquietantes já se dissiparam; os radicais não chegam ao poder nos grandes países. Mas a perda de segurança econômica associada à Grande Recessão e os medos vinculados às crises de segurança e migratória provocam acontecimentos políticos que ameaçam causar uma tormenta.

Bruxelas estava pendente dos quase 500.000 filiados da social-democracia na Alemanha, que têm em suas mãos a terceira Grande Coalizão da era Merkel. E, sobretudo, de olho dos 51 milhões de eleitores da Itália, país que começa a levantar a cabeça após uma estagnação que durou 15 anos, mas está agora no caminho de traçar um mapa político impossível.

Nenhuma crise é para sempre – nem esta. Mas está em jogo consolidar a ansiada primavera europeia com um horizonte limpo de dois ou três anos, ao invés de voltar a elevar os níveis de incerteza. Como em Um Conto de Duas Cidades, de Charles Dickens, este superdomingo político europeu junta dois relatos em um – o melhor ou o pior dos tempos. E praticamente basta um só dado para explicar isso: a produtividade da Itália, segunda maior potência industrial e terceira economia da zona do euro, cresceu 20% a menos que a alemã desde 1999. Essa cifra resume quase todos os males da Europa e explica a eterna batalha entre centro e periferia, norte e sul, credores e devedores, ou como quer que se chame tal dicotomia.

Os riscos estão aí. Mas Bruxelas não espera grandes sacudidas: não há nada parecido com a tensão prévia às eleições francesas e holandesas, quando Marine Le Pen e Geert Wilders, respectivamente, encabeçavam as pesquisas. “O mais provável é que os sociais-democratas alemães deem sinal verde à coalizão, embora sem muito entusiasmo, e que o Parlamento italiano fique muito fragmentado, mas dentro do manejável”, já esperava uma alta fonte europeia ouvida por este jornal.

Esse é o cenário central, ensolarado. Mas temiam-se cenários alternativos com mais nebulosidade. Um deles: surpresa na Alemanha (“Pouco provável, e insuficiente para colocar a Europa em apuros, porque Merkel ainda poderia governar em minoria”, aponta de Berlim Sebastian Dullien, do think tank ECFR). Um segundo: instabilidade na Itália (“Na pior das hipóteses, os italianos abrirão caminho para si como sempre fizeram, inclusive nas piores circunstâncias”, afirma Daniel Gros, do CEPS). E o terceiro cenário: nein à Grande Coalizão e ascensão fulgurante da direita populista (a Liga Norte) e da esquerda populista (Movimento Cinco Estrelas, que moderou seu discurso). “A UE resistiu até agora à maré radical, e é provável que neste domingo tudo siga por essa via. Não há reflexos de que a Grande Crise recrudesça. Mas o equilíbrio europeu é precário, e já vimos como os mercados podem ficar nervosos: a Europa deveria aproveitar a janela de oportunidade que se abre para fazer as reformas que precisa e reforçar sua legitimidade, o capítulo de segurança e defesa, e sobretudo o euro; do contrário, os populismos voltarão a mostrar as garras mais adiante”, argumenta Charles Kupchan, ex-assessor de Barack Obama.

A Itália: uma confusão

A economia italiana cresce acima de 1,5%, seus bancos melhoram, e inclusive a crise migratória parece sob controle com a estabilização da Líbia. Mas a situação no norte da África é precária. E, no fundo, a recuperação italiana tem menos fôlego que a do conjunto do euro, o desemprego supera 10% (o juvenil é de 30%), os bancos ainda escondem buracos, e a dívida pública é a segunda maior da Europa. Roma, enfim, é vulnerável às mais que possíveis altas dos juros nos próximos tempos: a Itália está mal preparada para a seguinte confusão, mais ainda com uma grande fragmentação política.

A pressão de Bruxelas sobre Roma para resolver os problemas dos seus bancos, a ineficiência do setor público, a falta de produtividade e o enorme peso da dívida foi escassa e ineficaz. E, além da economia, o país viu crescer o euroceticismo a uma velocidade vertiginosa: isso explica que os italianos digam nas pesquisas que o número de imigrantes na população do país supere os 30%, apesar de na realidade ser de apenas 7%.

As duas novidades políticas mais relevantes, o Movimento Cinco Estrelas e a Liga – que juntos somam 40% dos votos, segundo as pesquisas – propuseram nos últimos meses um referendo para sair do euro. Na atual campanha, no entanto, o M5S, fundado pelo comediante Beppe Grillo com um discurso de rejeição à política, atenuou notavelmente sua beligerância contra a moeda única. Já a Liga mantém o tom ameaçador, especialmente a partir de setores mais radicais, como o representado por seu responsável econômico, Claudio Borghi.

Matteo Salvini age como âncora entre as duas alas do seu partido e se declara lepenista, amigo da ultradireita austríaca e holandesa. Na sexta-feira, Salvini lançou sua última peroração antieuropeia: “Por que as pessoas livres iriam querer permanecer prisioneiras de uma jaula de leis absurdas e de regulação, com restrições rígidas que humilham as necessidades reais de seu país?”, disse. Um discurso que dificilmente se encaixa nas promessas feitas a Bruxelas por Silvio Berlusconi, cujos direitos políticos estão cassados até 2019 por fraude fiscal, e que ungiu como seu candidato a primeiro-ministro o presidente do Parlamento Europeu, Antonio Tajani.

Alemanha: Merkel IV

A expectativa era máxima em Berlim. Nunca antes o partido mais votado havia sido incapaz de formar um Governo cinco meses depois da eleição. E nunca antes a extrema direita tinha entrado com tanta força no Parlamento. Merkel ganhou as eleições e acaricia seu quarto mandato, mas sofreu um enorme desgaste que agitou o cenário político alemão, dentro e fora de seu partido. Reina a sensação de que chegou a hora da renovação, da substituição geracional dos partidos tradicionais, necessitados de programas políticos e de rostos mais compatíveis com os novos tempos.

Os sociais-democratas anunciaram os resultados da sua consulta vinculante. Com a vitória do sim, a grande coalizão entre o bloco de Merkel e o SPD começará a funcionar, e a Europa respirará. Se o resultado fosse outro, a Alemanha se veria fadada a repetir as eleições, a não ser que Merkel decidisse governar em minoria, o que geraria mais incerteza e paralisia numa UE ávida por reformas.

Bruxelas pede estabilidade. Mas, tanto na Alemanha, como na Itália, a inicial ausência de risco em curto prazo não significa que não haja enormes desafios mais adiante. “A crise do euro está mais submersa do que solucionada. Qualquer choque pode devolvê-la à superfície”, aponta Dullien. Com a Grande Coalizão, o SPD pode despencar nas pesquisas, e a extrema direita será a principal força de oposição. E o potencial de perturbação da Itália não se verá imediatamente.

“Esta crise demonstrou que nunca se pode descartar um revés. Na Itália, isso se traduziria em pressão nos mercados para a dívida periférica; a Alemanha é menos preocupante para a estabilidade da Europa. Mas atenção: Berlim não moverá suas exigências quanto à reforma da zona do euro. A próxima parada para a UE é junho, e pode ser que até lá, inclusive na melhor das hipóteses, as reformas não sejam tão ambiciosas como pretende Emmanuel Macron”, conclui Guntram Wolf, do instituto Bruegel.

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