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Endometriose, a doença que fez Lena Dunham tirar o útero aos 31 anos

A atriz, que se submeteu a uma histerectomia, tomou a decisão após 10 anos com dor. O procedimento impedirá criadora da série 'Girls', de 31 anos, de engravidar naturalmente

Lena Dunham, na festa do Met.
Lena Dunham, na festa do Met.Cordon Press

Há certas decisões que nem todo mundo pode entender, porque dependem de um balanço de prós e contras que só a pessoa afetada conhece. Esse é o exercício de introspecção que a atriz norte-americana Lena Dunham, 31 anos, criadora da série Girls (HBO), deve ter feito antes de decidir se submeter a uma histerectomia, ou seja, à remoção cirúrgica do útero e, consequentemente, da dor causada há anos pela endometriose. Um procedimento que, entre outras consequências, a impedirá de engravidar futuramente.

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Como explica Nuria Pérez Esturo, ginecologista do hospital Vithas Nisa Pardo, em Madri, a histerectomia "consiste na extirpação cirúrgica de útero e/ou ovários (que então seria chamada de histerectomia total com anexectomia), mediante uma incisão transversal chamada laparotomia, ou por incisão no umbigo, se for por laparoscopia". Embora seja uma intervenção mais habitual para o tratamento de um tumor ou de miomas, ou mesmo para prevenir o câncer de ovário em mulheres com mais de 45 anos, também é indicada nos casos em que a "sintomatologia de metrorragia [fluxo de sangue fora do período menstrual] ou dor não cede com tratamento médico". Segundo a ginecologista, na Espanha é possível que a paciente possa decidir se submeter a essa intervenção no caso de uma endometriose persistente, "mediante a prévia informação e assinatura de consentimento, assumindo os riscos cirúrgicos e os riscos de longo prazo".

De fato, antes de tomar a decisão, Dunham escreveu uma carta para si mesma, cujas palavras publicou em um artigo na edição norte-americana da Vogue: "Com uma dor como esta, nunca poderei ser a mãe de ninguém. Mesmo se eu pudesse ficar grávida, não há nada que eu possa oferecer".

Lena Dunham sabe que renuncia à possibilidade de ficar grávida naturalmente, mas poderá utilizar seus óvulos em um processo de barriga de aluguel e cogita bastante a opção da adoção: "Sei de algo além disso, e sei tão intensamente como sei que quero um bebê: algo vai mal no meu útero", disse na carta.

A histerectomia foi o nono procedimento cirúrgico ao qual Lena Dunham se submeteu por causa da endometriose

Conforme conta à revista Vogue, Dunham luta há uma década contra a dor da endometriose. A histerectomia foi o nono procedimento cirúrgico ao qual ela se submeteu por causa disso. A decisão decorre de uma piora na sua situação em agosto passado, quando, segundo relata, "a dor se tornou insuportável" e os médicos foram incapazes de encontrar alguma explicação. Antes de cogitar essa cirurgia, a atriz afirma que tentou de tudo – "Tentei tanto que se tornou um segundo trabalho. Fui à terapia do assoalho pélvico, terapia de massagem, terapia de dor, acupuntura, ioga e uma breve, mas horrível, incursão na massagem vaginal por um estranho. Estou decidida a superar o que quer que esteja me consumindo por dentro". Mas nada parecia funcionar.

Ela sabe que submeter-se a uma histerectomia é uma decisão radical, e que haverá opiniões para todos os gostos, mas também defende "a crença feminista de que as mulheres devem poder escolher como querem passar seus anos férteis".

Viver com dor

A endometriose é uma doença que aparece em torno dos 28 a 32 anos e cujos sintomas mais frequentes são a dismenorreia intensa, ou seja, a dor durante a menstruação, a dispareunia, que é dor durante a relação sexual, e a disquesia, a dor ao defecar. É considerada uma doença silenciosa, mas cada vez mais gente fala sobre ela. Não é para menos, já que afeta em torno de 10% das mulheres.

Como explica Pérez Esturo, trata-se de "uma doença de predomínio genital, embora possa estar alojada em outros órgãos além da genitália. Existem 4 graus de afetação, sendo o grau IV o mais grave, com afetação de todos os órgãos ginecológicos e do septo retovaginal. Pode causar infertilidade [no caso de Dunham, os médicos só lhe falaram de um maior risco de aborto], mas o sintoma mais característico é a dor, resistente a tratamento médico".

Assim, o principal problema que essas mulheres enfrentam é o convívio com a dor. Como aponta Irene Aterido, sexóloga especialista em endometriose e dor, é preciso levar em conta que socialmente "não damos a atenção adequada à dor das mulheres, e muito menos à dor menstrual. A mensagem social (errônea) para as mulheres é que a dor menstrual é inerente a ter um ciclo menstrual". No caso concreto da endometriose, "dor e doença estão entrelaçadas, mas se poderia começar a separar uma coisa da outra com vistas ao tratamento".

Do mesmo modo, María Ángeles Poveda, diretora da ONG EsEndo, que reúne pacientes espanholas com endometriose, afirma que o problema é que essa doença "afeta em maior medida as mulheres em idade fértil. Quando começamos a menstruar, é comum que apareçam alguns dos sintomas da doença, como dor pélvica, sangramentos irregulares, enjoos e vômitos, entre outros, embora às vezes a endometriose possa aparecer de repente".

Uma solução nem sempre eficaz

É justamente esse tipo de dor que a atriz parece sofrer. Segundo ela, "dói tanto que as vozes humanas ao meu redor viraram uma espécie de tolice sem sentido". Assim, há casos em que essa sintomatologia é resistente a tratamentos como os anti-inflamatórios e à regulação por anticoncepcionais, e é então que, segundo a ginecologista, "pode-se propor a cirurgia radical".

"Com uma dor como esta, nunca poderei ser a mãe de ninguém", disse a atriz e criadora da série 'Girls'

Entretanto, o mais comum é que essa intervenção seja feita em mulheres com mais de 45 anos ou que já foram mães. Além disso, a cirurgia tem efeitos adversos, já que "ao extirpar os ovários pode aparecer uma sintomatologia climatérica (sufocação) e, em longo prazo, sintomas vasculares por privação de estrogênios e osteoporose". Além disso, não é certeza que a dor irá sumir. Como observa Pérez Esturo, "a dor melhora, mas é preciso ter em mente que às vezes persistem focos de endometriose extraperitoniais, e que as aderências secundárias à cirurgia também podem provocar dor".

Irene Aterido observa, por sua vez, que "a histerectomia nem sempre funciona nem para conter a doença nem para reduzir a dor. A própria intervenção pode gerar disfunção do assoalho pélvico, dolorosa e prejudicial em si mesma".

Assim, a sexóloga especialista em endometriose explica que também é possível "induzir a menopausa com tratamentos hormonais, mas o mecanismo da doença inclui transtornos da imunidade das mulheres, de modo que é preciso adotar hábitos saudáveis em outros níveis: descanso e redução do estresse, dieta específica, exercício físico. E tratar a dor menstrual antes que ela se torne dor pélvica crônica".

Por tudo isso, ela insiste em que "é preciso examinar cada caso individualmente e não se guiar pelo que tiver dado certo para outra pessoa". No caso de Lena Dunham, essa decisão precisou ser alcançada por consenso com uma equipe médica multidisciplinar, mas, como aponta Aterido, "a cirurgia é um remendo, que às vezes aguenta anos, e outras vezes não". Assim, essa escolha aos 31 anos tem diversas consequências além da privação da maternidade, como uma menopausa prematura e cirúrgica, "que afetará também a libido e o estado de ânimo". Portanto, a especialista conclui que "é uma decisão que deve ser muito bem pensada e sobre a qual é preciso se assessorar muito bem, se for realmente o único recurso".

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