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A mulher que inventou arte moderna no Brasil chega ao MoMA

Museu de Arte Moderna de Nova York apresenta retrospectiva com obra de Tarsila do Amaral

Quadro 'Operários', de 1933
Quadro 'Operários', de 1933Reprodução Wikiart
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“Quero ser a pintora do meu país”. Com essa frase começa a retrospectiva que o Museu de Arte Moderna de Nova York dedica este mês à mulher que escreveu essa frase em 1923: a brasileira Tarsila do Amaral (1886-1973). A exposição é uma viagem de ida e volta entre São Paulo, seu estado natal, e Paris, onde a artista estudou na famosa escola internacional Académie Julian e misturou as ideias da arte moderna com a estética de seu país. Quando terminou o experimento, ela tinha se tornado uma das pintoras mais importantes da história do Brasil e, por extensão, de toda a América Latina.

A amostra tem o valor especial de ser a primeira vez que a autora chega aos Estados Unidos. Já havia sido reconhecida em outras partes da Europa, como quando a Fundação Juan March dedicou-lhe uma exposição em 2009, em Madri, que foi o grande sucesso da temporada. Mas esta é uma das poucas retrospectivas que mostram toda a obra e como sua linguagem visual amadureceu, desde que em Paris aprendeu lições de André Lhote, Albert Gleizes e Fernand Léger até fazê-las suas com as cenas cotidianas e as cores brasileiras.

Luis Peréz-Oramas, ex-curador de arte latino-americana do MoMA, aponta um quadro que, segundo ele, sintetiza a exuberância pela qual se pode reconhecer Tarsila: A Cuca, de 1924. Alude a uma criatura que no folclore brasileiro se dedica a assustar crianças (como o coco espanhol). No quadro, é um bicho inquietante, mas nem um pouco grotesco, que também se encaixa perfeitamente na paisagem, estilizada no estilo cubista, mas a combinação é a mais brasileira possível: linhas curvas e cores fortes. “Ela inventou uma nova forma de figuração para a arte moderna brasileira”, aponta. Outra imagem arquetípica da artista é A Negra, que mostra uma mulher negra inexistente, extraída das (geralmente racistas) lendas brasileiras: alguém com lábios e braços enormes, olhar estático e seios caídos. Atrás dela, as formas abstratas que Alfredo Vopi aperfeiçoaria mais tarde e que se tornariam a norma da arte brasileira a partir da década de quarenta. “Evoca a emancipação racial e política”, diz o curador da exposição.

Também faz parte da retrospectiva aquela que talvez seja sua obra mais famosa, Abaporu, pintada em 1928 como um presente para o marido, o poeta Oswald de Andrade. Representa – por meio de um humanoide desproporcionado, com um pé grande como uma montanha – uma criatura que come carne humana. A antropofagia era uma obsessão da avant-garde parisiense da década de 1920, obcecada com as práticas do canibalismo. “Nasceu assim um estilo distintivamente novo e distintivamente brasileiro”, explica Pérez-Oramas. Mas no Brasil, o quadro foi decisivo para o lugar que Tarsila ocuparia no imaginário coletivo. Como o trabalho pretendia ser um símbolo de como a cultura brasileira ressurgia da “digestão” das influências externas, o célebre sociólogo Sérgio Buarque de Holanda escolheu essa imagem para a capa de seu livro fundamental, Raízes do Brasil, ainda hoje o compêndio definitivo das psicoses do país. Oitenta anos e inúmeras edições com o Abaporu na capa depois, Tarsila é, por irremediável associação, a retratista oficial da alma brasileira.

Tarsila do Amaral ajudou a estabelecer a ideia de que o Brasil pode não ter uma grande tradição de criar tendências, mas pode absorvê-las antes e torná-las mais próprias do que ninguém, talvez a característica mais distintiva de sua cultura. A mostra tem  também O Sono, um dos seus poucos flertes com o surrealismo. Embora o conteúdo seja indescritível por natureza, não custa nada associá-lo a outras obras da artista (a palmeira estilizada com sete folhas, presente em muitas de suas pinturas, ajuda a dissipar todo tipo de dúvidas).

A exposição também inclui a pintura Operários, a maior feita pela artista. A própria Tarsila a considerava como sua obra mais importante. Representa uma mudança radical em seu trabalho. Ela abandona o exercício formal da arte moderna para se tornar uma artista mais comprometida com o ativismo político e social. É uma representação da sociedade brasileira moderna.

O destino de Tarsila foi o mesmo de quase todos os que têm uma ideia nova no Brasil: chocar-se contra a opinião da burguesia, que, como lembra Pérez-Oramas, tinha uma visão muito limitada da arte e considerava o trabalho de Tarsila de mau gosto. “Até a década de 1960, o país não estava pronto para aceitar a maneira pela qual ela integrou todos os elementos da cultura brasileira para produzir uma identidade artística distinta”, conclui. “Foi quando uma nova geração de artistas descobriu o poder de sua arte”.

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