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Morre Bernard Law, o cardeal que encobriu em Boston um dos maiores casos de pedofilia da Igreja Católica

O religioso, de 86 anos, morava em Roma desde que se demitiu devido à investigação que revelou o escândalo e serviu como argumento para o filme 'Spotlight'

Daniel Verdú
O cardeal Bernard Law em uma missa em Santa Maria Maggiore, em Roma, Itália, em 2004.
O cardeal Bernard Law em uma missa em Santa Maria Maggiore, em Roma, Itália, em 2004.Domenico Stinellis (AP Photo)
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O cardeal Bernard Law, que se demitiu em 2002 como arcebispo de Boston acusado de encobrir um dos maiores escândalos de pedofilia da Igreja Católica entre os anos de 1984 e 2002, morreu nesta madrugada, segundo informou o Vaticano em breve comunicado. Law tinha 86 anos e, segundo informações da agência Reuters, morreu em um hospital de Roma devido a complicações de diabetes. O cardeal será sempre o símbolo dos escândalos de abusos da Igreja Católica e de como, durante um longo período, olhou para o outro lado, encobrindo os culpados.

Nascido em 1931 em Torreón (México) e ordenado sacerdote em 1961, o cardeal seguia sob o guarda-chuva da Igreja no Vaticano e jamais prestou depoimento nos tribunais norte-americanos, apesar dos enormes escândalos que protagonizou. Em 2002, quando explodiu o caso, teve de abandonar o arcebispado de Boston — um dos mais prestigiosos e poderosos do mundo —, à frente do qual esteve por 18 anos. Fustigado pelas denúncias, em 13 de dezembro daquele ano apresentou sua renúncia ao papa João Paulo II e este, depois de tê-la recusado outras vezes durante um ano de enormes turbulências provocadas pelas matérias exclusivas sobre o tema que o The Boston Globe estava publicando (o filme Spotlight, vencedor de um Oscar em 2015, narra esse período), aceitou que recuasse.

O jornal norte-americano, que o definiu como “a figura central” do escândalo, conseguiu demonstrar em uma investigação primorosa como o arcebispado foi encobrindo um a um os casos de sacerdotes que abusavam de meninos sem nunca chegar a informar a polícia nem tomar medidas definitivas para abordar um problema que se tornou uma praga de primeira grandeza. O caso, no entanto, serviu também para comprovar que o mesmo modus operandi era utilizado em vários outros países onde fatos semelhantes aconteceram durante anos. De fato, atualmente se prepara um julgamento na Austrália contra o cardeal George Pell, responsável pelas finanças do Vaticano, por um caso parecido.

Tráiler de 'Spotlight', filme baseado no caso de Bernard Law.

O escândalo se agravou com o recente vazamento de documentos que supostamente demonstravam até que ponto o cardeal foi compreensivo com alguns dos principais sacerdotes acusados, a quem confiou o cuidado de outras paróquias, apesar dos graves indícios que pesavam sobre eles. No entanto, foi um ponto de inflexão na tolerância — especialmente social — dos abusos sexuais de sacerdotes nas dioceses de todo o mundo e foram revelados casos terríveis, como o da Irlanda, onde se demonstrou o acobertamento de centenas de casos. As indenizações até agora, como afirma a Reuters, já chegam a 2 bilhões de dólares.

No entanto, Law nunca enfrentou acusações penais por todo o acobertamento que promoveu e, a partir de 2004, desfrutou de um tipo de retiro dourado em Roma, no qual foi protegido por João Paulo II, que o tornou arcipreste da importantíssima basílica de Santa Maria Maggiore, em Roma, cargo que manteve até 2011, quando foi substituído pelo cardeal espanhol Santos Abril y Castelló. Mas Law continuou vivendo na basílica e sempre manteve o status de cardeal e seu posto na Congregação para os Bispos, então pôde participar do Conclave em que se elegeu o papa Bento XVI, em 19 de abril de 2005, e atuar como conselheiro em várias áreas importantes do Vaticano, causando enorme mal-estar na comunidade de vítimas dos abusos sexuais por parte da Igreja católica.

Ao chegar ao Vaticano, Francisco deparou — entre outros tantos temas espinhosos para resolver — com esse elefante na sala. Concretamente, deu de cara com ele no primeiro dia que visitou Santa Maria Maggiore. Segundo explicou na época à imprensa local — o que nunca foi confirmado — pediu que não voltasse a frequentar a basílica. No entanto, e apesar de o atual pontífice ter levado muito mais a sério do que seus antecessores a questão da pedofilia — criou uma comissão que deveria ajudar a erradicar um fenômeno muito amplo na Igreja. Law viveu no Vaticano todos esses anos e sequer aceitou depor, como lhe pediu a Justiça norte-americana.

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