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Cem anos da primeira pedra do Estado de Israel

Israel evoca declaração de 1917 como embrião do Estado; palestinos, como retrocesso territorial

Juan Carlos Sanz
Arthur Balfour, autor de declaração: o quarto da direita para a esquerda
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Uma carta datada de 2 de novembro de 1917 – um ano antes do fim da Primeira Guerra Mundial –, com uma só frase de 67 palavras, é recordada de maneira controversa no Oriente Médio. Em Israel, a declaração assinada por Arthur Balbour, secretário do Foreign Office (o ministério britânico das Relações Exteriores), em que expressava o apoio do seu Governo ao estabelecimento de “um lar nacional para o povo judeu” na Palestina, então uma província otomana, é considerada a pedra fundamental do Estado hebraico, fundado em 1948. Para os palestinos, que há 100 anos representavam 90% da população da região, a missiva de Londres marca na memória coletiva o início de um incomparável retrocesso territorial. Sua retirada desde a divisão aprovada pela ONU há 70 anos, que precedeu um conflito armado no qual 750.000 palestinos tiveram que deixar suas casas, se prolongou até nossos dias com a ocupação militar após a guerra de 1967.

O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, comemorará o centenário da carta em Londres, junto com a primeira-ministra britânica, Theresa May. “A Declaração Balfour reconheceu a Terra de Israel [denominação bíblica da Palestina otomana] como o lar nacional do povo judeu e lançou as medidas para estabelecer o Estado de Israel (...), lhe conferiu impulso internacional”, afirmou o mandatário diante de seu Gabinete.

Já os dirigentes palestinos lideram na quinta-feira uma manifestação em Ramallah, sede administrativa da Autoridade Palestina, para fazer um apelo para que o Reino Unido peça perdão pela comunicação diplomática de 1917. O primeiro-ministro palestino, Rami Hamdallah, exigiu que Londres se desculpe pela “injustiça histórica” cometida há um século, na que ficou conhecida no mundo árabe como Promessa Balfour.

A carta enviada pelo então ministro de Relações Exteriores britânico ao lorde Walter Rothschild, destacado representante da comunidade judaica no Reino Unido, é interpretada sob a óptica atual pelas partes em disputa no conflito israelense-palestino. Mas uma aproximação histórica denota que, antes mesmo de tomar o controle territorial da Terra Santa, o Governo imperial de Londres precisava garantir para si o controle do Canal de Suez, a fim de manter a comunicação com suas colônias na Ásia.

Para isso ele buscou atrair o apoio dos judeus mediante a Declaração Balfour. Também cortejou o apoio dos árabes, como reflete a correspondência mantida pelo alto comissário no Egito, Henry McMahon, com o xarife de Meca, Husein bin Ali, a quem o militar britânico prometeu a independência se apoiasse os aliados contra o Império Otomano. Como antecipação, despachou a seu serviço, na qualidade de assessor, o oficial de inteligência Thomas Edward Lawrence, mais conhecido como Lawrence da Arábia.

Num centenário que transcorre entre a lenda e a diplomacia de guerra, os palestinos não costumam fazer referência a uma cláusula de advertência incluída na própria Declaração Balfour: “Entendendo-se que nada se fará que possa prejudicar os direitos civis e religiosos das comunidades não judaicas existentes na Palestina”. O atual secretário do Foreign Office, Boris Johnson, encarregou-se de recordar que esta salvaguarda “não foi completamente executada” e a evoca agora ao defender a solução com dois Estados – o de Israel e o da Palestina – como saída para centenário conflito.

Apesar das declarações e promessas de 1917 – os curdos também receberam a oferta de um Estado próprio por sua contribuição à derrota turca, o que não foi cumprido após a guerra –, britânicos e franceses já haviam repartido um ano antes os despojos do inimigo no Oriente Médio, no chamado Acordo Sykes-Picot, que reservava à província da Palestina o status de território sob controle internacional. Em 1922, a Liga das Nações acabou outorgando um mandato ao Reino Unido para administrar com exclusividade o território da Terra Santa.

Rebelião e atentados

A partir de então, e até 1935, a população judaica na Palestina britânica saltou de pouco menos de 10% para 27%. As autoridades de Londres, enquanto isso, reduziram as quotas de imigração judaica pouco antes da Segunda Guerra Mundial. A partir de 1944, grupos armados clandestinos judeus se rebelaram contra as forças britânicas, numa sublevação que teve sua expressão mais reconhecível no atentado a bomba contra o hotel King David de Jerusalém, que abrigava instalações civis e militares britânicas, e onde 92 pessoas morreram.

Israel celebrará a Declaração Balfour com uma cerimônia no Knesset (Parlamento) sem a presença dos deputados árabe-israelenses, representantes de uma comunidade que reúne um quinto da população do Estado judaico. Cem anos depois da polêmica carta de Londres, tremularão bandeiras negras nos edifícios oficiais da atual Palestina.

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