Senado da Espanha aprova intervenção do Governo na Catalunha
Mariano Rajoy solicitou autorização para, segundo ele, encerrar “um processo continuado de decisões antidemocráticas”
O Senado da Espanha aprovou nesta sexta-feira, por 214 votos a favor e 47 contra, a aplicação do artigo 155 da Constituição espanhola, que permite ao Governo espanhol intervir na Catalunha a fim de restaurar a legalidade constitucional. O pedido foi aceito meia hora após o Parlamento catalão ter aprovado (com 70 votos a favor, dez contrários e duas abstenções), a proposta dos grupos independentistas para declarar a independência catalã e abrir um processo constituinte.
O presidente do Governo espanhol, o premiê Mariano Rajoy, solicitou autorização do Senado na manhã desta sexta-feira para aplicar o artigo 155 da Constituição sobre a Catalunha, para, segundo ele, encerrar “um processo continuado de decisões antidemocráticas” naquela região e fechar a crise que deixou a vida política espanhola paralisada. Em um inflamado discurso de meia hora, interrompido em vários momentos por aplausos dos parlamentares governistas, o primeiro-ministro argumentou que “a lei, o Estado de direito e o respeito às minorias foram pisoteados”, frase que desatou uma ovação. “Pretendeu-se na Catalunha ignorar as leis, desconsiderá-las, revogá-las, descumpri-las, qualquer termo vale”, acusou.
O porta-voz parlamentar do Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE), Ander Gil, chegou a pedir “por favor” a Rajoy que aceitasse suspender a ativação do artigo 155 caso o Governo catalão convocasse eleições antecipadas, o que poderia ser outra solução à crise.
Fontes do Partido Popular (PP), de Rajoy, disseram, no entanto, não considerar essa proposta viável. A atitude discrepante com que os dois grandes partidos encaram o transe desta sexta-feira é patente em suas respectivas bancadas: quase todos os ministros e deputados do primeiro escalão do PP estão presentes, disputando espaços num plenário, o do Senado espanhol, que jamais teve tanto protagonismo na história da democracia deste país, ao passo que nenhum peso-pesado foi visto no espaço reservado aos socialistas — apenas os pouco conhecidos rostos dos seus senadores.
Em suas apelações finais ao parlamento, Rajoy esgrimiu as razões profundas do Executivo para aplicar o artigo 155: “Chegou a hora de que se imponha a lei acima de qualquer consideração, não contra a Catalunha, e sim para impedir que se abuse da Catalunha. Não para suspender autonomia, e sim para consolidá-la”.
O líder do PP repassou os momentos da crise, começando pelas sessões de 6 e 7 de setembro no Parlamento catalão, que aprovaram a convocação de um referendo independentista e a convocação de uma assembleia constituinte para a nova república. O Tribunal Constitucional declarou que era ilegal mas o referendo foi celebrado mesmo assim. Foi, segundo Rajoy, “provavelmente a maior burla à democracia que vimos em 40 anos”. “O que aconteceria se isso tivesse ocorrido no Congresso [espanhol]? Cabe maior ofensa aos representantes dos cidadãos? Que direito têm de fazerem isso? Isso é democracia?”, acrescentou.
Depois do relato dos principais episódios dos últimos dois meses, Rajoy concluiu que “tudo isto é muito grave. Pensem como pensam, defendam o que defendam, eles sabem. Estamos perante uma violação evidente das leis, da democracia e dos direitos de todos. E tudo isto tem consequências, como não terá? Liquidar a lei não só rompe a convivência, fratura a sociedade, divide as famílias, acaba com amizades de anos, como vimos”. Essa argumentação deu lugar à apresentação do artigo 155 como recurso, que Rajoy descreveu como uma norma “similar à de outros de países democráticos do nosso entorno”, destinada a ser empregada “quando não há outro remédio possível”. E assegurou que foi o presidente catalão, Carles Puigdemont, “quem escolheu que o processo do 155 fosse adiante, ele e apenas ele”.
Reiterou, portanto, os quatro objetivos desta decisão excepcional: recuperar a legalidade, recuperar a convivência, preservar a recuperação e realizar eleições regionais. “Minha vontade é convocar eleições o mais rapidamente possível”, anunciou o premiê. Ao sintetizar as medidas que deseja aplicar, começou pela destituição do presidente catalão e do seu Governo, um anúncio que desatou aplausos na bancada popular, por um instante mais parecida com uma torcida de futebol, diante do silêncio dos senadores socialistas e do restante do plenário.
Quanto ao caos das últimas semanas, foi muito duro: “O que aconteceu ontem [quando Puigdemont se mostrava prestes a convocar eleições, mas acabou recuando por pressão de aliados] não pode ser nem sequer ser glosado sem cair na impiedade”. “Não devemos embarcar as pessoas em viagens impossíveis, a uma Ítaca que não existe”, advertiu. Concluiu com a seguinte frase: “A história não vai julgar só os excessos, os abusos ou as ilegalidades a que estamos assistindo na Catalunha, julgará também os que são responsáveis por elaborar uma resposta. Confio em que, longe de egoísmos partidários, cálculos partidários, inclinações ideológicas ou pequenas mesquinharias, saibamos oferecer um gesto e dar uma resposta que esteja à altura do que esperam de nós todos os espanhóis”.
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