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Tribuna
São da responsabilidade do editor e transmitem a visão do diário sobre assuntos atuais – tanto nacionais como internacionais

O controle democrático das Forças Armadas

Projeto de Lei que retira da Justiça comum o julgamento do crime de homicídio praticado por militares contra civis coloca em xeque a relação entre esses poderes no Brasil

Membros das Forças Armadas em operação na favela da Rocinha, no Rio
Membros das Forças Armadas em operação na favela da Rocinha, no RioBRUNO KELLY (REUTERS)

O Senado federal discute o Projeto de Lei 44/2016, já aprovado na Câmara dos Deputados, que retiraria da Justiça comum o julgamento do crime de homicídio praticado por militar das Forças Armadas contra civil. Esta proposta atinge diretamente a relação entre os poderes civil e militar no Brasil.

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Essa relação tem se aprimorado desde a redemocratização, não só com a consolidação de uma cultura militar profissional com estrita observância da legalidade, mas, também, através de importantes alterações na legislação.

A criação do Ministério da Defesa encabeçado por um Ministro civil e a reorganização da Justiça Militar e sua competência, foram medidas importantes para garantir o regime democrático.

Neste quadro, o homicídio, quando praticado por militar em serviço contra civil, recebeu especial atenção. Enquanto os demais crimes contra civis têm seu julgamento cometido ao Juiz Presidente da Auditoria Militar (magistrado civil que preside o Conselho de Justiça formado por quatro oficiais); o crime doloso contra a vida foi remetido ao Júri, órgão da Justiça civil.

A frequente utilização das Forças Armadas no contexto da segurança pública, através da decretação da Garantia da Lei e da Ordem (GLO), porém, tem gerado reparos à jurisdição civil, alegando-se a necessidade de maior “proteção jurídica” aos militares das Forças Armadas.

Tal ideia, todavia, se baseia em um de dois preconceitos: ou o juízo civil não seria capaz de julgar corretamente a conduta do militar das Forças Armadas; ou o militar das Forças Armadas não seria capaz de atuar dentro das regras normalmente estabelecidas para o uso da violência, mesmo atuando como força policial.

O primeiro não se sustenta porque, atuando na GLO, as Forças Armadas estão exercendo função de natureza civil (o uso do poder de polícia na manutenção da ordem interna), sendo que os requisitos para a legítima defesa são, rigorosamente, os mesmos no Código Penal e no Código Penal militar.

Já o segundo, além de inadmissível, cria sobre as Forças Armadas uma injusta suspeição. No longo caminho desde a Carta de 1988, as Forças Armadas têm demonstrado irretocável respeito ao ordenamento jurídico, e, sempre que chamadas a atuar na manutenção da ordem interna, têm, em geral, agido de modo comedido e profissional.

É inegável que seu uso recorrente em funções cometidas às forças policiais tem sido preocupante; e que provoca compreensível desconforto aos militares – cuja missão primordial é a defesa contra o inimigo externo. Porém, não é diminuindo o controle democrático, que legitima a ação das Forças Armadas em sua relação com a sociedade, que se irá lhe conceder maior “segurança jurídica”. Ao contrário: a falta de controle é fator de incentivo às condutas inadequadas, e mesmo criminosas, conforme a História demonstra.

Allana Poubel, Paulo Roberto Mello Cunha e Décio Alonso são Promotores de Justiça da Auditoria Militar do Estado do Rio de Janeiro

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