“E logo depois o teto caiu”: Visita ao povoado mais prejudicado pelo sismo mexicano
Dos 64 mortos pelo terremoto identificados até este sábado, 36 morreram só em Juchitán (Oaxaca)
Em Juchitán, as pessoas gostariam que não tivesse acontecido o que aconteceu. Estão acostumados a inundações no sul do México. Hoje mesmo, sábado 9 de setembro, o rio Los Perros saiu de seu leito e passa por cima da ponte que junta as duas metades do povoado. A água não é para tanto. Os moradores conhecem o rio, sabem quando cresce e quando se torna um fio de água, quando não acontece nada e quando é preciso sair correndo. Mas os terremotos... Como eu gostaria, dizia a senhora Andrea Guadalupe, que não tivesse acontecido o que aconteceu.
O povoado de Juchitán, em Oaxaca, é o mais prejudicado pelo sismo de quinta-feira, o mais forte sentido no México em 85 anos. De magnitude 8,2, os moradores não se lembram de nada parecido. Mencionam tremores, mas nunca como o da outra noite. O resultado, dezenas de mortos, de feridos, especialmente no sul do país. Vários edifícios e casas derrubadas, entre elas, a da senhora Guadalupe, que tem aproximadamente 55 anos e é professora. “Eu estava com minha irmã e com meu filho fazendo a lição”, contou na noite de sexta-feira. “Ele precisava escrever o nome de alguns animais. Um era um periquito de penas brilhantes, da Venezuela. Eu me lembro. E então começou a tremer. Peguei meu filho e ficamos debaixo da porta. E logo depois o teto caiu”.
Juchitán está bem próxima ao mar, a pouco mais de 100 quilômetros do epicentro do sismo, localizado em frente ao litoral de Chiapas. Em Juchitán morreram pelo menos 36 dos 64 mortos computados até a tarde do sábado. Quase todos os demais são de municípios próximos. Quase todos morreram esmagados por tetos, paredes e construções.
O México declarou três dias de luto oficial, enquanto as réplicas do terremoto – mais de 300 na sexta-feira – preocupam a população.
50 dos 120 milhões de mexicanos sentiram o tremor. Na Cidade do México, os moradores escutaram pela segunda vez em dois dias o estridente aviso do alerta sísmico. Há anos a capital instalou centenas de alto-falantes nas ruas para avisar sobre os terremotos. É um dos efeitos do devastador sismo de 1985, que deixou mais de 10.000 mortos e uma sociedade vacinada para sempre. O primeiro dos dois alertas dessa semana foi um erro, mas o segundo não. Tremeu tão forte que até o Anjo da Independência, uma estátua em cima de uma coluna de quase 100 metros, um dos principais monumentos da capital, balançou como uma espiga de trigo em campo aberto.
Nos Estados do sul ele foi ainda mais sentido. E o pior é que pegou todo mundo de surpresa. Por desconhecerem eventos traumáticos desse tipo, as pessoas não tinham uma ideia clara do que ocorria. Se o retrato na capital na noite de quinta-feira eram moradores com cobertores nas ruas, no restante do país era o caos.
Por volta das 23h50 (21h50 de Brasília) de quinta-feira, a hora do sismo, a senhora Andrea Guadalupe saiu como pôde de casa, com seu filho de 11 anos às costas. O solo se movia, as árvores, os postes. O próprio céu parecia mudar de lugar. Sua irmã, que havia machucado a perna, caiu sobre os escombros do teto, as vigas de madeira, os azulejos. Guadalupe diz que ela “machucou as nádegas” e que está no hospital.
Na noite de sexta-feira, ela e Soledad, sua comadre, faziam parte da multidão de moradores que se amontoava diante do Palácio do Governo, no parque central. Estavam nervosas, cansadas, mas donas de uma extraordinária energia. Uma energia que parecia fluir da perplexidade de sua situação: em um parque sem luz, centenas de moradores olhando os escombros do palácio, outros tantos dormindo em qualquer banco e elas ali, milagrosamente vivas e com o teto da casa familiar destruído.
O cenário do parque, o significado desse cenário, era aterrorizante. Eram 22h15 (20h15 de Brasília) e centenas de moradores de Juchitán se aproximavam o máximo que podiam dos restos da ala sul do palácio. Duas enormes escavadoras retiravam entulho e ferros torcidos, enquanto bombeiros e marinheiros da Marinha buscavam um possível sobrevivente. Os moradores falavam de um vigia da Prefeitura. Os agentes de polícia argumentavam que provavelmente é um colega de outro turno, que não apareceu. Tudo isso era dito em voz baixa, apenas um murmúrio na escuridão do parque. De tempos em tempos, as máquinas saíam e um marinheiro entrava pelas paredes destruídas e vergalhões à mostra e gritava, “Alguém está me escutando? Se alguém estiver me escutando faça barulho!”. Depois vieram os cachorros, que procuravam um indício, um odor, algo. Mas nada. Os grupos de busca se retiraram às 23h (21h de Brasília) e com eles, a população.
Moradores contra ladrões
Para aonde foi a população? Onde pôde. O Governo colocou diversos centros à disposição no povoado para alojar os moradores afetados. De acordo com Alejandro Murat, o governador de Oaxaca, somente em Juchitán existem 7.000 casas com problemas. Ou seja, metade do total. E, entretanto, muita gente dormiu na rua. Em alguns bairros os moradores criaram pequenos acampamentos, com barracas, tendas de acampar, mesas, cadeiras, cadeiras de balanço, ventiladores... Em outros, cada um retirava o que podia de casa, um colchão, uma rede. Alguns dormiram tesos em uma cadeira e outros agarrados ao volante de sua mototáxi. Não deixava de ser curiosa a colcha de retalhos formada pelos cobertores, rua por rua, apesar dos 30 graus noturnos que marcava o termômetro de Juchitán nessa época do ano. Pelo menos não chovia.
Em um bairro a 10 minutos a pé do centro, 200 moradores organizaram um acampamento em uma praça. Um casal, Armando e Jazmín, preferiu se sentar em cadeiras de jardim ao lado dos restos de sua casa. “É que se sairmos”, dizia ela, “nos roubarão tudo. E por isso ficamos aqui, o que vamos fazer?”. Outros se aproximaram e disseram o mesmo. Alguns preferiram acampar na porta de casa e outros, temerosos, na praça. De tempos em tempos uma réplica era sentida, lembranças tectônicas que deixavam todo mundo em estado de alerta, como se fossem sair correndo. Mas para onde?
Do outro lado do povoado, Guadalupe e Soledad pensavam se ficavam ao lado da casa, iam a um albergue ou se juntavam a alguns acampados em um campo de futebol diante da fachada destruída da escola primária. “É que se ficarmos... Somos mulheres”, disse Soledad. “Mas se formos embora... Que ironia da vida. Antes a casa cuidava de nós e agora nós precisamos tomar conta dela”.
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