FHC: “Autocrítica é a única maneira de o PSDB recuperar a confiança da sociedade”
O ex-presidente diz que não enxerga “razões políticas” para deixar o Governo Temer. Sobre Doria, diz que ele não é social-democrata e que seus ataques a Lula são jogo eleitoral
Fernando Henrique Cardoso diz que já faz muitos anos que não está na vida política e partidária. O seu papel agora é mais analisar e “falar com independência”. Até quer salientar que só se posiciona em nome de si próprio, nem sequer pelo PSDB. Mas a voz do ex-presidente da República nunca deixou de intervir no debate público brasileiro, seja para propor soluções à crise política ou para mandar algum recado ao Governo ou aos companheiros da legenda, a qual ainda ocupa a presidência de honra.
Em sua sala no escritório da Fundação FHC, no coração de São Paulo, o ex-presidente não quer botar fogo na crise tucana. Todas as suas palavras a respeito disso parecem extremamente medidas, ainda que ele aprove a polêmica autocrítica pública que fez o atual presidente tucano, Tasso Jereissati, e que tanto incomodou importantes membros do partido. Sobretudo, FHC tenta se apresentar como uma pessoa que foge do sectarismo e que procura aliviar a polarização política brasileira. O surgimento do novo fenômeno de extrema direita que representa Jair Bolsonaro enseja a mensagem do ex-presidente de que é preciso esfriar a tensão entre o resto das forças políticas, principalmente entre o PSDB e o PT.
Pergunta. O senhor pediu um “gesto de grandeza” ao presidente Temer depois da denúncia contra ele apresentada pelo procurador-geral Rodrigo Janot. Mas ele não renunciou. Qual acha que deve ser agora a solução para os próximos meses?
Resposta. Eu de fato mandei uma carta ao presidente Temer, não para que ele renunciasse, mas para que ele antecipasse as eleições. As modificações que o Brasil precisa eu acho que mais facilmente serão feitas por alguém que tenha o apoio do voto. E eu achava que ele deveria chamar eleições no ano que vem como uma maneira de poder ter outra vez o que dizer e ser ouvido. O Governo Temer fez mais do que eu imaginava: ele mexeu na lei do petróleo, na lei de educação, mudou a questão da relação trabalhista, está tentando mexer na previdência social... Não foi um governo inerte. Apesar desse papel importante na história, ele não tem repercussão política, a sociedade nem sabe o que está fazendo e talvez nem esteja de acordo. Eu não dou conselho a quem está de presidente, mas se eu estivesse no seu lugar, eu provavelmente anteciparia as eleições, seria a maneira que eu teria de voltar a ser ouvido pela sociedade. A posição dele não foi essa, eu entendo as razões. Agora estamos já no fim do ano, e daí em diante o Brasil olhará para o futuro, as eleições de 2018, e é provável que o processo político siga normalmente até as eleições.
P. E o programa reformista do Governo também deve continuar?
R. Com menos força, porque à medida que se aproximam as eleições o papel do presidente perde força. Por isso eu creio que deveria ter antecipado. O Brasil vai continuar precisando de uma pessoa com capacidade para entender o mundo, para enfrentar os problemas de longo prazo. Isso precisa de um presidente que tenha uma certa visão. Tomara que consigamos ter um.
P. Muitas pessoas falam de que esta é a pior crise política que o Brasil já viveu. O senhor concorda?
"Eu nunca vi uma crise assim, tão sem se perceber para onde vamos"
R. Houve muitas crises sérias: o suicídio de Getúlio Vargas, o Governo de João Goulart, o golpe militar, a campanha pelas Diretas já.. Não são novidade essas trepidações na nossa vida política. Qual é a grande diferença? No passado você tinha o outro lado organizado para substituir. Agora não tem. Não se sente que exista um outro lado com um projeto claro e que a população diga: ‘é por aqui que eu vou’. A população está desconfiando de tudo e todos, está afastada, não estão acreditando em nenhum lado. É uma situação de crise grave. Segundo lugar: o que houve de fragmentação dos partidos é inédito, nós temos quase 30 partidos no Congresso. Isso não é possível, não existe isso em nenhum lugar. Está difícil a situação. De fato, eu nunca vi uma crise assim, tão sem se perceber para onde é que vamos. Mas agora as instituições melhoraram. Você no passado sempre estava pensando quem era o general. Agora você não sabe o nome de nenhum general, mas sabe o nome de todos os ministros do STF. Nem tudo foi perda. E há outra questão que os políticos não dão muita importância: aqui não tem que ter só a mudança das instituições, da economia... mas da cultura, a nossa cultura não igualitária, não democrática, de privilégios. E isso custa muito mudar.
P. Talvez o maior risco agora para o país é cair nas mãos de um aventureiro?
R. Eu não creio que vai acontecer, mas pode acontecer. Pegue o mundo todo, não só aqui. Houve uma certa desconexão entre as instituições, os partidos especialmente, e a sociedade. Isso tem muito a ver com as novas tecnologias, porque as pessoas passaram a se conectar, e às vezes até a atuarem, independentemente das instituições. Esta nova sociedade é muito mais fragmentária, a mobilidade social é muito grande, então a coesão das classes diminui. Os partidos são uma invenção do século 19 e tinham uma certa correspondência com as classes sociais. Agora estão fragmentadas as classes e os partidos, e as ideologias perderam sentido. Pega os EUA, o Trump com essa mensagem regressiva para as pessoas que perderam com a globalização; pega o Reino Unido, o Brexit... Então se vem algum free rider com uma mensagem que pegue na população ele pode ganhar. Não é necessário que aconteça isso, mas pode acontecer.
P. As pesquisas apontam um importante apoio a alguém como Bolsonaro que, por exemplo, chegou a dizer que o senhor deveria ter sido fuzilado pela ditadura.
R. É a expressão desse sentimento de que é preciso mais ordem. No Brasil nunca tivemos uma direita agressiva organizada, porque a classe dominante brasileira sempre procura disfarçar que ela é dominante. Aqui quase todos se declaram social-democratas. Até os militares que impuseram a ditadura diziam que eram a favor da democracia. Agora tem este fato novo de alguém que diz: ‘Eu quero a ordem, eu sou contra o crime...’. Isso é fruto também dessa sociedade nova, que tem muita criminalidade e na qual existe esse sentimento de que falta ordem. Mas ele poderá ganhar? Muito dificilmente porque eu não senti ainda nesse Bolsonaro a capacidade de formular algo mais geral, que pegue as pessoas. Mas é verdade que é um fato novo que não convém menosprezar.
P. Tudo isso não está pressionando o PSDB também para levá-lo à direita?
"Quando o PT foi para o governo, o que é que ele fez diferente na economia?"
R. Não é o PSDB todo... A questão que nunca foi aceita pelo meio político mais liberal é que você tem que dar segurança às pessoas. E aí alguém que diga ‘vou pôr na cadeia’ sempre vai ter um certo espaço. O PSDB nunca vai poder dizer isso. Tem duas forças que sempre vão poder ser traduzidas como se fossem direita: a ordem e o mercado. O Brasil jamais aceitou o capitalismo, aqui não é de bom tom ser a favor do mercado. E quando você fala que o mercado está aí, que é uma força da vida, as pessoas dizem que você está indo para a direita. O que o PSDB diz é isso: o mercado existe. Mas ele sabe também – ou deveria saber — que não basta, que tem muita desigualdade e que o mercado não vai resolver. Mas o PT no Governo também atendeu o mercado, porque ele está aí. A sociedade não foi mais para a direita, ficou mais capitalista. Aqui o capitalismo foi não competitivo, mas monopólico, com corrupção, misturando corporativismo e patrimonialismo... Eu não sei o que é direita nesse caso, se não é isso, o que é direita mesmo.
P. Mas o PSDB não tem uma confusão ideológica? Pessoas importantes como João Dória não parecem um social-democrata.
R. Ele não é social-democrata, nunca o vi qualificado como tal. Ele é mais afim com essa sociedade nova. A social-democracia tem um problema complicado no mundo. Os social-democratas cresceram muito na Europa porque fizeram reformas para dar bem-estar social aos trabalhadores urbanos. Isso já está feito e agora as pessoas querem outras coisas. Agora dizer que você é social-democrata é insuficiente. Os mercados ganharam muita prevalência. O mundo mudou muito e na cabeça das pessoas ainda está esse espectro direita-esquerda dos anos 50. Não vejo que haja alguém propondo outro modelo econômico. A social-democracia tem que refletir o que quer ser: a favor do povo, a favor de maior distribuição de renda no mundo atual, o que não é fácil. Isso desorganiza muito os partidos. Você pega o PT, que nasceu com aspirações revolucionárias. Para eles, a social-democracia era conservadorismo, e quando vai para o governo, o que é o que ele fez de diferente na economia? Uma certa distribuição da renda, que é boa. Mas o modelo econômico qual foi?
P. O PSDB teve uma forte briga interna por conta de um vídeo muito autocrítico e que tinha uma expressão, “presidencialismo de cooptação”, inclusa por recomendação do senhor. O senhor entendeu por que tantas pessoas ficaram incomodadas com isso?
R. O programa do PSDB criticava o “presidencialismo de coalizão”. Eu vi isso e disse: vocês estão criticando o modelo de governo de participação de mais de um partido, e isso ocorre em muitos países democráticos. Aqui a Constituição obriga um presidente a ter a maioria absoluta do Congresso para poder governar e ninguém – nem eu, nem Lula, nem Dilma – teve mais de 20%. Na coalizão, em tese pelo menos, os partidos entram em uma aliança, mas têm um programa, uma agenda. No de cooptação você compra o apoio, com a corrupção, com favores... O mensalão e o petrolão são a expressão disso. Eu não fiz cooptação, eu fiz coalizão. Nem Michel Temer está fazendo cooptação. Isso houve em certos momentos quando se transferia dinheiro das empresas públicas para os partidos como base do poder. O programa inicial de PSDB estava criticando a coalizão e isso era criticar a nós próprios.. Mas a fragmentação dos partidos chegou a um ponto tal... Eu, com três partidos, fazia maioria. Agora não faz. E o que há não são partidos, são pequenos grupos para barganhar o voto. É uma deterioração do sistema político que a Constituição propôs.
P. Então o senhor acha que a reforma mais urgente é a política?
"O PSDB deveria ser capaz de abranger mais gente e não ser o partido das corporações"
R. Todas são urgentes. A política é muito importante para acabar com tudo isso. Não sei se vão fazer. Porque nos últimos anos a política brasileira foi movida por dois fatores não diretamente partidários: Lava Jato e crise. Esses eram os personagens reais por detrás dos partidos, e continuam aí. E os partidos com medo, porque uma boa parte dos seus membros estavam metidos nesse sistema de cooptação. As pessoas que estão com medo são as que vão fazer a reforma? O que estão pensando é na maneira de aumentar os recursos públicos para compensar o fato de que as empresas não vão dar [fundo de campanha]. Essa é maneira de se salvar. Eu não vou dizer que não existem forças que queiram reforma, mas a realidade política é um conluio de pessoas com medo das consequências do que fizeram e que querem ver como se salvam. Como é que eu garanto a minha reeleição? Distritão. É difícil fazer reformas nestes tempos, não é só uma reforminha, tem que mexer na Constituição, em coisas complicadas. Mas não estão pensando nisso. Estão pensando em uma reforma que permita a sobrevivência.
P. O PSDB teve um racha na votação sobre a denúncia contra Temer e tem também uma discussão importante sobre se deve continuar no governo.
R. O PSDB decidiu apoiar o Governo Temer porque apoiou o impeachment. Todo impeachment é traumático. Qual é a diferencia entre o da Dilma e o do Collor? O de Collor tinha menos consistência jurídica, mas tinha igual inconsistência política. Você faz impeachment quando o Governo não consegue mais governar. O do Collor foi porque recebeu um presente, um automóvel. Eu era senador e o Senado aprovou. E aí houve um processo no STF e absolveu Collor por 3x2. ‘Ele quebrou um decoro’, diziam, e quebrar o decoro pode ser um motivo de impeachment, mas ele não fez crime. Agora a discussão é se a Dilma fez as pedaladas fiscais. Ela fez. Mas foi por isso que ela caiu? Não, ela já tinha caído, ela já não tinha força, e outro também já não tinha força. O impeachment é político também. E por isso é traumático. Você tira um presidente que teve voto e põe um vice-presidente que também teve voto, mas quem votou não sabe. Quem votou pelo Temer não apoia o Temer e quem votou contra ele é quem apoia. É difícil, é uma virada muito complicada. Uma vez que o PSDB votou pelo impeachment e o Temer se mostrou favorável às reformas, apoiou o Governo. E paga um preço por isso. Popularidade alta ou baixa não pode ser um argumento para você apoiar alguém.
P. Mas em qual das duas posições está o senhor?
R. Agora a Câmara votava sobre a abertura de um processo judicial ao presidente da República e isso não é o mesmo que dizer que ele é culpado. Eu não sei como é que eu votaria, que não estou lá, mas eu entendo. O Tribunal pergunta: posso abrir o processo, tem indícios ou tem prova? Você diz sim ou não, mas não está dizendo que ele é culpado. O Congresso votou que não devia abrir o processo, fechou o assunto. Com base em que o PSDB vai deixar de estar com o Governo? Tem que ter uma razão política. A questão interna do PSDB sempre foi mais complicada que em outros partidos porque é o único que tem muitos líderes, é um problema de vitalidade. Então o PSDB tem briga, mas a questão é se eles vão convergir na campanha ou não. Você também podia ter outra questão, qual é a orientação política. As pessoas não estão ainda explicitando que há uma diferencia política, que é bom que haja. Houve um afastamento de um presidente [Aécio Neves], que não é brincadeira, que é algo penoso, como um impeachment, porque ele foi acusado de práticas equivocadas. O novo presidente, o Tasso Jereissati, foi responsável por fazer autocrítica, e eu sou favorável. É a única maneira de restabelecer uma confiabilidade na sociedade, porque temos uma crise de confiança nos políticos em geral e que tem a ver com a corrupção, porque o grau que alcançou aqui a corrupção é inaceitável, não dá para tapar o sol com a peneira.
P. Esta foi a primeira vez que um presidente foi denunciado por crime. Isso não mudava muito a situação?
"Doria está jogando eleitoralmente. Atacar o Lula dá votos, sobretudo em São Paulo e no Sul"
R. O Getúlio também foi acusado, falavam do mar de lama, e não era verdade, ele não foi corrupto pessoalmente. Na luta política isso ocorre com frequência. Mas tem que demonstrar. Eu não estou dizendo que seja ou não seja. Não está demonstrado. Agora, que isso diminui a capacidade que tem o presidente de convencer, não há dúvida. É o caso do presidente do PSDB. Ele é acusado, ninguém demonstrou nada. Agora, isso só já é grave, por isso se afastou.
P.O senhor vai mostrar em algum momento a sua preferência por algum dos candidatos do PSDB?
R. Em algum momento vou.
P. Quando?
R. Há que deixar correr o tempo e ver quais são as pessoas que vão encarnar melhor não só as possibilidades de vitória senão a de expressar alguma coisa do partido. Como há vários, tem que abrir um processo de aderências. Eu vou esperar um pouquinho, acho que seria prematuro. O Brasil precisa de uma visão plural. Eu não sou sectário e infelizmente estamos em uma polarização muito grande, primeiro do PT com o PSDB. O sistema político brasileiro funcionou com muitos partidos, mas dois que polarizavam, os dois capazes de aglutinar as forças da sociedade. E um grande partido do intermédio que é um partido-Estado, o PMDB. Isso levou a um acirramento, à necessidade de PT e PSDB brigarem por razões eleitorais. Ainda que nasceram próximos do ponto de vista ideológico, se diferenciavam um acusando ao outro. E no meio, o PMDB, ora com um, ora com outro. Isso levou a uma polarização negativa, que não faz parte da minha maneira de ver as coisas. Nem acredito que Lula pessoalmente pense muito diferente de mim nessa matéria. Com a Dilma piorou. O PSDB esteve mais de plateia que ativamente no palco, mas o conjunto das forças sociais foram contra ela por causa dos erros econômicos, da incapacidade de governar.. Mesmo assim não houve reconciliação do PSDB com o PT. Eu não gosto disso. Eu nunca tive aproximação política com o Lula, mas tive diálogo. Agora tem um fato novo que vai obrigar a uma mudança: o Bolsonaro. E diante do perigo Bolsonaro vai ser mais necessário que as pessoas pensem qual é a real diferença entre o que os partidos propõem para a sociedade. Esta é uma sociedade corporativista, patrimonialista e desigual. As corporações têm um peso enorme, falam em nome do povo e não são o povo. Eu aspiraria a que o PSDB não fosse o partido das corporações. O PT não devia ser, mas é de algumas. O PSDB deveria ser capaz de abranger mais gente. Tem que insistir do lado da institucionalidade democrática, da distribuição de renda e uma visão do mundo contemporânea. O mundo está mudando e vai mudar ainda mais. O Brasil pode perder o bonde da história. Isso está longe do debate político aqui.
P. Um dos possíveis candidatos do seu partido, João Doria (prefeito de São Paulo), tem um discurso muito agressivo com o PT. Em algum momento até pareceu que o senhor estava receoso.
"Não é bom ter um líder político na cadeia e menos um como Lula. Mas ele foi além do limite"
R. Eu conheço o João Doria da vida inteira e ele em verdade sempre nos apoiou. Ele está jogando eleitoralmente. Atacar o Lula dá votos. Não sei quanto, mas dá, sobretudo em São Paulo e no Sul. A linguagem dele é mais agressiva. Indiscutivelmente o João tem mais ligação com esse Brasil dinâmico, do mercado, do que outros do PSDB. Não estou dizendo que é bom ou que é mau, é assim.
P. Por que tanta agressividade, até ódio, pela figura de Lula em alguns setores?
R. Mas o Lula provocou isso, criou a divisão entre ricos e pobres, entre os bons e os maus. A tática política dele sempre foi essa. Não na prática. Como líder sindical negociava o tempo todo e pessoalmente não é agressivo. Mas ele formula como se fosse radical, ainda que depois faz o caminho contrário. Não é que ele queira, é tático. Ele fala o que acha que o público dele vai gostar. Houve um acirramento muito grande. Não é o PT nem o Lula responsável único. Todo mundo tem uma parte de responsabilidade nisso, mais criou-se uma cisão grande, como no tempo do Getúlio.
P. Se ele fosse para a cadeia isso seria bom ou ruim para o país?
R. Claro que não é bom ter um líder político na cadeia, e muito menos um líder como Lula. Agora, eu não sei o que os juízes vão fazer nem quais são as provas. E o juiz vai ter que responder aos dados. Ele foi condenado. Foi além do limite. A desculpa é que todos fizeram, mas eu nunca fiz nada disso. Tem dois ex-presidentes do PT presos ou condenados, três tesoureiros. É grave. Que a Justiça é partidária? No meu tempo foi contra mim. Não há uma disposição na Justiça contra tal ou qual partido. Até pelo contrário, eles querem demonstrar que são equânimes, vão em cima de todos os partidos. Eu já fui depor e vou fazer mais dois depoimentos no processo do Lula como testemunha de defesa, que é uma coisa insólita. Eu duvido que se eu pusesse ele como testemunha da defesa ele fosse lá.
P. Há pessoas que defendem que a corrupção no Brasil é endêmica enquanto outras afirmam que foi o PT quem institucionalizou essas práticas. O que é que o senhor opina?
"Caixa dois é crime, mas não é corrupção da pessoa, você não está roubando ao erário público"
R. As duas coisas. A corrupção tradicional é mais pessoal, o que aconteceu é que pouco a pouco foi se organizando um sistema de manutenção do poder e envolveu os partidos e as empresas. O recurso final saía da empresa pública para o contrato com a empresa privada que repassava aos partidos e às pessoas dos partidos. E ficou um sistema com muita leniência da sociedade e que tem a ver com esse capitalismo de laços, de amizades, com o clientelismo, com uma certa suposição de que é normal. Isso se organizou a partir do Governo Lula. Quer dizer que só o PT fez? Não. Havia no meu tempo corrupção? Provavelmente sim. Só que eu não sabia e quando sabia era contra, não nomeava ninguém para roubar, e muito menos para mim, nem tenho acusação nenhuma. E não sou eu só. Itamar nunca teve. A existência de mecanismos para financiar a vida política e eventualmente pessoal com recursos públicos foi no Governo Lula. E isso é a responsabilidade do Lula nessa matéria, não sei se pessoal, mas sim política. Ninguém pode duvidar que houve uma organização que contaminou o conjunto do sistema político brasileiro.
P. Mas a acusação de caixa dois atinge todos os partidos. O PSDB não teve?
R. Possivelmente sim. Mas são coisas diferentes. A acusação da Lava Jato não é de caixa dois, é de corrupção porque são contratos feitos para pegar dinheiro e passar para o partido. Caixa dois era outra coisa, outro tipo de crime e outro tipo de penalidade. É você usar dinheiro na campanha não declarado, não é que o dinheiro seja roubado. Não é declarado quando a empresa ou a pessoa não querem que se saiba que foram financiados daquela maneira. Isso certamente pegou muitos partidos. Mas não é dinheiro para o bolso. Eu não posso garantir que não houve, mas eu não sei de dinheiro de caixa dois para a minha campanha porque não havia noção disso, e nem havia necessidade. Eu não tinha por que esconder, não tinha razões ideológicas para esconder de onde vinham os recursos. No meu tempo o dinheiro era insignificante em comparação com o abuso que houve depois. Na segunda campanha minha eu declarei 40 milhões de reais e o Lula declarou dois. Não é possível não. Provavelmente caixa dois para não dizer de onde vinha o recurso. É crime, mas não é corrupção da pessoa, você não está roubando do erário público. Agora está tudo misturado: caixa dois, corrupção e uso da máquina pública para conseguir dinheiro. O pessoal de Curitiba sabe a diferença e faz a diferença. Mas quando vai para a mídia, junta tudo e tudo é a mesma coisa.
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