Ato racista em Charlottesville aprofunda feridas históricas nos EUA
Debate sobre legado escravagista foi avivado em 2015 após conflito racial na Carolina do Sul. Atualmente, ganhou fôlego com acenos entre o presidente Donald Trump e supremacistas brancos
“Nossos filhos saberão seu nome. O amor vencerá”, diz uma pichação no local de Charlottesville onde Heather Heyer, uma mulher de 32 anos, morreu atropelada. Há um coração desenhado com flores e mensagens contra o ódio. No sábado, um homem de 20 anos jogou seu veículo sobre manifestantes contrários aos supremacistas brancos que protestavam na cidade, causando uma morte e ferindo 19 pessoas. O episódio transformou a aprazível localidade universitária em um cenário caótico e no mais recente epicentro do delicado revisionismo histórico no sul dos Estados Unidos.
No domingo, Charlottesville, cidade de 45.000 habitantes na Virginia, ainda respirava a tensão vivida no dia anterior. A calma se impunha pouco a pouco, mas persistiam os momentos de tensão. Ao meio dia, Jason Kessler, um dos organizadores da marcha de supremacistas brancos contra a retirada de uma estátua da guerra civil norte-americana, tentou realizar uma entrevista coletiva para culpar a polícia pelos distúrbios. Mas teve de sair às pressas, protegido por policiais, depois de ser repreendido por manifestantes progressistas.
Charlottesville realiza um exercício de equilíbrio entre a comoção e o desejo de normalidade. Os residentes procuram respostas para os choques entre supremacistas brancos, que querem manter a estátua de Robert E. Lee, general da Confederação durante a guerra civil, e manifestantes contrários a eles, a maioria grupos negros e antifascistas, que defendem a decisão da Prefeitura de retirar o monumento.
“Não faço ideia de por que escolheram este lugar”, ressalta Shery Pensic, uma mulher branca de 48 anos. “Estou muito surpresa”, diz sua mãe, Sharon, de 70 anos.
A cidade procura retomar a rotina. Na noite de sábado, o centro estava tomado pela polícia e pelo exército de reserva da Virginia, mobilizado depois da declaração do estado de emergência. Mas no domingo a proteção havia sido relaxada e a maioria dos estabelecimentos abriu suas portas.
“Tudo isso por uma estátua”, lamenta Andre Scales, um negro de 47 anos, junto ao local do atropelamento. “É uma vergonha que mesmo em 2017 o ódio volte. Martin Luther King teve um sonho de que tudo isto não aconteceria mais”, acrescenta em alusão ao líder dos direitos civis.
Mas Scales, como o restante dos moradores, ressalta que os supremacistas não moram ali e que é uma localidade tolerante, como tentam relembrar vários cartazes. “Queriam promover sua agenda. A estátua era só uma pequena parte. Queriam que se falasse deles, ter publicidade”, argumenta. E conseguiram.
Charlottesville é o mais recente cenário de um debate nacional. O debate, avivado em 2015 depois de um conflito racial na Carolina do Sul, gira em torno da simbologia da velha Confederação, que alguns consideram um legado escravagista e outros um gesto de identidade histórica. A isso se soma o contexto atual: os acenos mútuos entre os supremacistas brancos e o presidente norte-americano, Donald Trump.
Em fevereiro, a Prefeitura votou a favor da retirada da estátua de Lee por considerá-la divisora e mudou o nome do parque onde se localiza. Desde então, houve acalorados protestos da extrema direita e a Justiça suspendeu temporariamente a retirada do monumento.
Muitos acreditam que o debate sobre a estátua reabriu desnecessariamente velhas feridas e consideram que a polícia e as autoridades não administraram a situação da forma correta. “Não me importo com a estátua, é parte da história, ainda que não seja uma boa parte. Para muitos afroamericanos é indiferente”, aponta Scales. Afirma que ele tirou fotografias com a estátua e acredita que os dois milhões de dólares que serão gastos para retirá-la poderiam ser destinados a causas melhores.
“Deveriam deixá-la, buscar um consenso”, concorda Sharon Pensic. A mulher, aposentada, lembra que cresceu nos turbulentos anos 1960, que acabaram com a segregação legal dos negros, e que considerava esquecidos os extremistas brancos. “Deveriam classificar melhor esses grupos, diminuir sua capacidade de falar e fazer mal”, reivindica.
Diz não entender por que voltaram a aflorar com virulência nos últimos meses. “É repugnante”, desabafa. Mas resiste a culpar a retórica desagregadora de Trump, em quem votou nas eleições de novembro. Sua filha, por outro lado, não duvida. “Não reconhece o assunto e não chama pelo nome os supremacistas brancos”, queixa-se Shery, que também votou no republicano, sobre as declarações do presidente depois dos enfrentamentos.
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