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Coluna
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Enquanto isso, em Brasília...

O abismo, que sempre houve, entre os interesses da população e os do Congresso, nunca foi tão imenso quanto agora

Temer nesta terça-feira.
Temer nesta terça-feira. ADRIANO MACHADO (REUTERS)
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Sejamos honestos, de verdade nenhum partido deseja que o presidente não eleito, Michel Temer, seja afastado do cargo que ele usurpou. Os situacionistas querem mantê-lo por razões óbvias: o balcão de negociatas está funcionando a todo vapor em Brasília; e a oposição, tendo à frente o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), não se esforça para mobilizar as ruas, porque, apequenada, torce pelo "quanto pior, melhor". Com isso, o abismo, que sempre houve, entre os interesses da população e os do Congresso, nunca foi tão imenso quanto agora.

Pesquisa do Ibope, encomendada pela Confederação Nacional das Indústrias (CNI), revela que 70% dos eleitores consideram o governo Temer ruim ou péssimo – índice de reprovação comparável ao da ex-presidente Dilma Rousseff em dezembro de 2015, seis meses antes do golpe. Outra pesquisa, do mesmo instituto, encomendada pela ONG Avaaz, mostra que 81% dos brasileiros são a favor da abertura de processo contra Temer no Supremo Tribunal Federal (STF), e que, para 79% dos entrevistados, "o deputado que votar contra a denúncia é cúmplice da corrupção".

Mas isso não preocupa nossos representantes, claro. Segundo levantamento da revista Congresso em Foco, 190 dos 513 deputados federais e 42 dos 81 senadores estão envolvidos em inquéritos ou ações penais no STF – incluindo os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE). Além disso, oito ministros de Temer são alvos de inquéritos no STF por suspeita de corrupção. As ações no STF envolvem políticos tanto da situação, quanto da oposição: no ranking figuram, entre os mais citados, o PP (35 parlamentares), PMDB (32), PT (32), PSDB (26) e PR (19).

Para se manter no cargo, e dar curso a seus projetos autoritários – as reformas trabalhista e da educação, já aprovadas, e da previdência, em processo -, Temer tem feito concessões inimagináveis. Entre o início de junho e final de julho, período em que o escândalo da JBS veio à tona, o Governo liberou R$ 4,1 bilhões em verbas para fidelizar votos. Segundo a ONG Contas Abertas, 36 dos 40 deputados que se manifestaram pelo arquivamento da denúncia de corrupção passiva contra Temer na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) foram contemplados com R$ 134 milhões em emendas, recursos que os deputados destinam às suas bases eleitorais. O campeão de recebimento de verbas foi o deputado Paulo Abi-Ackel (PSDB-MG), relator do parecer alternativo favorável ao presidente...

Mas, além da compra de votos com dinheiro público, Temer tem ajudado a destravar projetos que atingem diretamente a sociedade, principalmente aqueles patrocinados pela chamada Bancada BBB (Boi, Bala, Bíblia). A Frente Parlamentar pela Agropecuária conseguiu a sanção, em julho, da medida provisória que permite a legalização de áreas públicas invadidas. A chamada MP da Grilagem abre caminho para o aumento do desmatamento e dos conflitos de terra, principalmente na Amazônia.

Já a Frente Parlamentar Evangélica está confiante na aprovação em plenário do Estatuto do Nascituro, que já conta com parecer favorável da CCJ. Com 31 artigos, na prática torna o aborto crime hediondo, estabelecendo penas de um a três anos de detenção para quem "causar culposamente a morte de nascituro" e de um a dois anos para quem "induzir mulher grávida a praticar aborto ou oferecer-lhe ocasião para que a pratique".

Finalmente, a Frente Nacional pela Segurança Pública quer aprovar, neste segundo semestre, a revogação do Estatuto do Desarmamento. Entre os principais pontos da proposta estão o fim da obrigatoriedade de renovação do registro do uso de armas e a redução da idade mínima para compra de armas de 25 para 21 anos.

Assim, ao findar seu mandato – porque ele com quase certeza passará a faixa a seu sucessor em 1º de janeiro de 2019 – Temer terá deixado como herança não só um país arrasado do ponto de vista fiscal, conturbado socialmente pelo aumento do desemprego e da violência urbana, juridicamente instável por uma legislação trabalhista e previdenciária contraditória, como também muito mais conservador. Mas preocupante mesmo é a apatia que tomou conta da população diante desse vale-tudo – uns porque já não acreditam em nenhuma solução, outros porque acham que só um messias poderá resolver o problema. Em ambos os casos, uma tragédia para a nossa anêmica democracia.

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