A sentença de Moro: “Lula não está sendo julgado por sua opinião política”
Ao longo de mais de 200 páginas, juiz se defende das acusações do advogado do petista. Leia os principais trechos da sentença que condenou o ex-presidente em primeira instância
Na sentença em que condena Luiz Inácio Lula da Silva, o juiz Sérgio Moro detalha, ao longo de mais de 200 páginas, os motivos que o levaram a tomar a decisão que privaria de liberdade o ex-presidente por nove anos e meio. Segundo Moro, ele cometeu corrupção passiva, por receber vantagem indevida do Grupo OAS em decorrência de um consórcio que beneficiou a construtora com a Petrobras. Em troca, a empresa teria concedido o benefício garantido um triplex no Guarujá, que teve sua titularidade ocultada e, por isso, o petista teria incorrido em lavagem de dinheiro. Ciente da delicada tarefa que exerce, Moro usou boa parte da sentença para defende-se das acusações dos advogados do petista, de que estaria perseguindo o ex-presidente.
Leia a seguir os principais trechos da sentença de Moro.
As acusações contra Lula
- Corrupção passiva
O juiz Sergio Moro aponta que o ex-presidente Lula teria se beneficiado de esquema criminoso da construtora OAS com a Petrobras, ao receber parte da propina paga pela construtora ao Partido dos Trabalhadores. A propina seria decorrente de um percentual pago pelo negócio fechado por meio de um consórcio (Conest/Rnest) que trabalhou na refinaria Abreu e Lima, e na refinaria Presidente Getúlio Vargas. A OAS era parceira da Odebrecht nesse consórcio. Lula, diz Moro, teria se beneficiado de 3,7 milhões de reais de um total de 87,6 milhões de propinas destinadas ao PT pela OAS.
"Alega o Ministério Público Federal que o ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva teria participado conscientemente do esquema criminoso, inclusive tendo ciência de que os diretores da Petrobras utilizavam seus cargos para recebimento de vantagem indevida em favor de agentes políticos e partidos políticos (...) Estima o MPF que o total pago em propinas pelo Grupo OAS decorrente das contratações dele pela Petrobras, especificamente no Consórcio CONEST/RNEST em obras na Refinaria do Nordeste Abreu e Lima - RNEST e no Consórcio CONPAR em obras na Refinaria Presidente Getúlio Vargas - REPAR, alcance R$ 87.624.971,26, correspondente a 3% sobre a parte correspondente da Construtora OAS nos empreendimentos referidos (...) Parte desses valores, cerca de 1%, teriam sido destinados especificamente a agentes políticos do Partido dos Trabalhadores (...) Destes valores, R$ 3.738.738,00 teriam sido destinados especificamente ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (...) Os valores teriam sido corporificados na disponibilização ao ex-presidente do apartamento 164-A, triplex, do Condomínio Solaris, de matrícula 104.801 do Registro de Imóveis do Guarujá/SP, sem que houvesse pagamento do preço correspondente"
- Lavagem de dinheiro
O juiz Moro argumenta que o tríplex no Guarujá era de fato do ex-presidente, muito embora estivesse em nome da OAS entre 2009 e 2014, o que representa ocultação de bens, caracterizando lavagem de dinheiro.
"A atribuição a ele de um imóvel, sem o pagamento do preço correspondente e com fraudes documentais nos documentos de aquisição, configuram condutas de ocultação e dissimulação aptas a caracterizar crimes de lavagem de dinheiro (...) A manutenção do imóvel em nome da OAS Empreendimentos, entre 2009 até pelo menos o final de 2014, ocultando o proprietário de fato, também configura conduta de ocultação apta a caracterizar o crime de lavagem de dinheiro (...) A agregação de valor ao apartamento, mediante a realização de reformas dispendiosas, mantendo-se o mesmo tempo oculta a titularidade de fato do imóvel e o beneficiário das reformas, configura igualmente conduta de ocultação apta a caracterizar o crime de lavagem de dinheiro"
- Benefícios irregulares na presidência
Com base nas delações da OAS, o juiz Moro entendeu que Lula se beneficiava de uma 'conta corrente de propina' criada pela empreiteira para deixar a disposição do partido do ex-presidente.
"Parte dos benefícios materiais foi disponibilizada em 2009, quando a OAS Empreendimentos assumiu o empreendimento imobiliário, e parte em 2014, quando das reformas e igualmente, quando em meados de 2014, foi ultimada a definição de que o preço do imóvel e os custos das reformas seriam abatidos da conta corrente geral da propina (...) Parte do acerto de corrupção ocorreu ainda durante o mandato presidencial, ou seja, quando Luiz Inácio Lula da Silva ainda detinha a condição de agente público federal (...) Não importa que o acerto de corrupção tenha se ultimado somente em 2014, quando Luiz Inácio Lula da Silva já não exercia o mandato presidencial, uma vez que as vantagens lhe foram pagas em decorrência de atos do período em que era Presidente da República"
- A atribuição da propriedade do triplex
"O imóvel foi atribuído de fato ao ex-presidente desde a transferência do empreendimento imobiliário da BANCOOP para a OAS Empreendimentos em 08/10/2009, com ratificação em 27/10/2009. Repetindo o que disse José Adelmário Pinheiro Filho [ex-presidente do Grupo OAS]: 'o apartamento era do presidente Lula desde o dia que me passaram para estudar os empreendimentos da BANCOOP, já foi me dito que era do presidente Lula e de sua família, que eu não comercializasse e tratasse aquilo como uma coisa de propriedade do Presidente'. A partir de então, através de condutas de dissimulação e ocultação, a real titularidade do imóvel foi mantida oculta até pelo menos o final de 2014 ou mais propriamente até a presente data"
- Acervo presidencial
"Em uma segunda parte da denúncia, afirma o MPF que o Grupo OAS, por determinação de José Adelmário Pinheiro Filho, teria concedido ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva vantagem indevida consubstanciada no pagamento das despesas, de R$ 1.313.747,00, havidas no armazenamento entre 2011 e 2016 do acervo presidencial (...) Inegável, porém, que houve irregularidades no armazenamento do acervo presidencial. (...) O procedimento mais apropriado seria que a OAS formalizasse o apoio dado à conservação do acervo presidencial em um contrato escrito ou que disponibilizasse os recursos financeiros ao Instituto Lula, por doação, para que este celebrasse o contrato com a Granero e efetuasse os pagamentos (...) De todo modo, não há provas suficientes de que essas irregularidades tenham sido praticadas com intenção criminosa ou que fizeram parte de um acerto de corrupção"
- Como Moro calculou a pena
- Pelo crime de corrupção ativa, Lula foi condenado a cinco anos de reclusão por “três vetoriais negativas”, afirmou Moro: 1. destinação de dezesseis milhões de reais a agentes políticos do Partido dos Trabalhadores; 2. o crime foi praticado em um esquema criminoso mais amplo no qual o pagamento de propinas havia se tornado rotina; 3. recebeu vantagem indevida em decorrência do cargo de Presidente da República. A pena foi atenuada em seis meses por ele ser maior de 70 anos. Houve ainda um acréscimo de tempo por ter havido a prática de atos criminosos no dever funcional, elevando para seis anos a condenação por esse crime
- Pelo crime de lavagem de dinheiro, a condenação foi de quatro anos de reclusão por ocultar e dissimular vantagem indevida recebida em decorrência do cargo de presidente da República. Essa pena também foi reduzida em seis meses por conta da idade, ficando fixada, ao final, em três anos e meio
- Somando-se as duas penas, portanto, Moro chegou ao total de 9 anos e meio de prisão
- Interdição para assumir cargos públicos
O juiz ainda determinou que Lula fique interditado para o exercício de cargo ou função pública pelo dobro do tempo da pena privativa de liberdade, ou seja, 19 anos. Isso também seria válido após a condenação em segunda instância
A defesa de Moro
O juiz dedicou boa parte da sentença para se defender das acusações de perseguição política a Lula, justificando ponto a ponto todos os seus passos, desde a condução coercitiva até a divulgação do áudio dos telefonemas do ex-presidente.
- A “perseguição” contra Lula
"Em síntese e tratando a questão de maneira muito objetiva, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva não está sendo julgado por sua opinião política e também não se encontra em avaliação as políticas por ele adotadas durante o período de seu Governo (...)Também não tem qualquer relevância suas eventuais pretensões futuras de participar de novas eleições ou assumir cargos públicos. Então, ao contrário do que persiste alegando a defesa de Luiz Inácio Lula da Silva, mesmo em suas alegações finais, a decisões judiciais deste Juízo, conforme já apreciado nos foros próprios da Justiça, não foram criminosas e constituíram atos regulares no exercício da jurisdição (...) Mais uma vez, repita-se, trata-se de mero diversionismo adotado como estratégia de defesa. Ao invés de discutir-se o mérito das acusações, reclama-se do juiz e igualmente dos responsáveis pela acusação"
- Críticas contra a condução coercitiva de Lula para depor
"Não desconhece este Juízo as controvérsias jurídicas em torno da condução coercitiva, sem intimação prévia. (...) Mas, no caso, a medida era necessária para evitar riscos aos agentes policiais que realizaram a condução e a busca e apreensão na mesma data (...) Observa-se, ademais, que o tempo mostrou que a medida era necessária, pois houve tumulto no aeroporto de Congonhas, para onde o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi levado para depoimento, decorrente da convocação de militantes políticos para o local a fim de pressionar as autoridades policiais (...) Ainda que se possa eventualmente discordar da medida, há de se convir que conduzir alguém, por algumas horas, para prestar depoimento, com a presença do advogado, resguardo absoluto à integridade física e ao direito ao silêncio, não é equivalente à prisão cautelar, nem transformou o ex-presidente em um preso político. Nada equivalente a uma guerra jurídica"
- Busca e a apreensão de provas na casa da família e no instituto Lula
"Na ocasião, foram colhidos elementos probatórios relevantes, inclusive para a presente ação penal (...) Embora a busca e a apreensão tenha sido realizada em vários endereços, necessário observar que o esquema criminoso em investigação, envolvendo a prática sistemática de corrupção e lavagem de dinheiro em contratos da Petrobras, com prejuízos estimados pela própria estatal em cerca de seis bilhões de reais, é igualmente extenso, justificando medidas de investigação, sempre fundadas em lei, mas amplas (...) Embora sejam compreensíveis as reclamações de quem sofre a busca, fato é que buscas e apreensões domiciliares são medidas de investigação rotineiras no cotidiano de investigações criminais. (...) Nada equivalente a uma guerra jurídica"
- Interceptação telefônica de Lula
Interceptação telefônica é medida de investigação prevista em lei, no caso a Lei nº 9.296/1996, tendo ela sido rigorosamente observada. (...) A medida investigatória sequer perdurou por muito tempo, nem completou um mês, muito menos do que ocorre em investigações envolvendo crimes menos complexos. Quanto às alegações de que teria sido dado publicidade indevida a diálogos privados do ex-presidente e de seus familiares, cumpre esclarecer que só foi dado publicidade aos diálogos juntados pela autoridade policial aos autos da interceptação, o que decorreu do mero levantamento do sigilo sobre os próprios autos (...) Há muito mais diálogos interceptados além daqueles que restaram publicizados, mas que, por não serem relevantes para a investigação, foram preservados e assim permanecem até o momento em mídias arquivadas perante o Juízo. Fosse intenção deste Juízo expor a privacidade do ex-presidente e de seus familiares, todos eles teriam sido divulgados, ou seja, centenas de diálogos adicionais, o que não foi feito.
(...) Há, é certo, alguns diálogos que parecem banais e eminentemente privados, mas exame cuidadoso revela sua pertinência e relevância com fatos em investigação, como por exemplo diálogos nos quais os interlocutores combinam encontros, inclusive em uma propriedade rural na região de Atibaia, e que embora não tenham conteúdo ilícito próprio servem como indícios da relação do ex-presidente com a referida propriedade, o que é objeto de outra ação penal"
- Monitoramento da estratégia de defesa
"Quanto à alegação de que se monitorou a estratégia de defesa de Luiz Inácio Lula da Silva, mediante interceptação dos terminais dos advogados, ela, embora constantemente repetida, é falsa (...) Foi autorizada a interceptação telefônica somente do terminal de titularidade do advogado Roberto Teixeira, mas na condição de investigado, ele mesmo, e não de advogado (...) Havia fundada suspeita de que ele estaria envolvido em operações de lavagem de dinheiro (...) Se o advogado, no caso Roberto Teixeira, se envolve em condutas criminais, no caso suposta lavagem de dinheiro por auxiliar o ex-presidente na aquisição de bens com pessoas interpostas, não há imunidade à investigação a ser preservada, nem quanto à comunicação dele com seu então cliente também investigado
- Levantamento do sigilo
"É certo que o eminente Ministro Teori Zavascki, quando concedeu liminar para avocar o processo de interceptação, utilizou palavras duras contra a decisão do Juízo de levantamento do sigilo sobre os autos (...) apesar da inicial censura, o próprio Zavaski, posteriormente, devolveu os processos relativos ao ex-presidente, não reconhecendo a competência do Egrégio Supremo Tribunal Federal para processá-lo (...) No entendimento deste julgador, respeitando a parcial censura havida pelo Ministro Teori Zavascki, o problema nos diálogos interceptados não foi o levantamento do sigilo, mas sim o seu conteúdo, que revelava tentativas do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva de obstruir investigações e a sua intenção de, quando assumisse o cargo de Ministro Chefe da Casa Civil, contra elas atuar com todo o seu poder político (...) Não deve o Judiciário ser o guardião de segredos sombrios dos Governantes do momento"
- “Perseguição da imprensa”
"A afirmada guerra jurídica [alegada pela defesa], seria também decorrente da instrumentalização da mídia ou estaria sendo realizada com apoio de setores da mídia tradicional (...) Em ambiente de liberdade de expressão, cabe à imprensa noticiar livremente os fatos. O sucessivo noticiário negativo em relação a determinados políticos, não somente em relação ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, parece, em regra, ser mais o reflexo do cumprimento pela imprensa do seu dever de noticiar os fatos do que alguma espécie de perseguição política a quem quer que seja. Não há qualquer dúvida de que deve-se tirar a política das páginas policiais, mas isso se resolve tirando o crime da política e não a liberdade da imprensa (...) De todo modo, este Juízo não controla e não pretende controlar a imprensa, nem tem qualquer influência em relação ao que ela publica"
- Animosidade contra os advogados de Lula
"Alega ainda a defesa que este julgador teria revelado animosidade em relação aos defensores constituídos do ex-presidente (...) Ora, basta ler os diversos depoimentos transcritos de acusados e testemunhas nesta ação penal para constatar que este julgador sempre tratou os defensores com urbanidade, ainda que não tivesse reciprocidade (...) Nas audiências, a defesa de Luiz Inácio Lula da Silva e neste ponto também de Paulo Tarciso Okamoto levantavam sucessivamente questões de ordem durante as inquirições do Ministério Público ou as deste Juízo, tumultuando o ato. Pode, evidentemente, qualquer parte levantar questões de ordem, mas uma vez apresentadas e indeferidas, não cabe reapresentá-las indefinidamente e prejudicar o normal desenvolvimento da audiência (...) Pontualmente, o Juízo ainda foi ofendido pelos defensores, como se verifica em alguns trechos desses lamentáveis episódios"
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