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Ex-primeira-ministra lésbica da Islandia: “Os direitos LGBTIQ não deveriam ser um assunto local e sim global”

Islandesa Jóhanna Sigurdardóttir virou a primeira pessoa abertamente homossexual a presidir um Governo

A ex primeira-ministra islandesa Jóhanna Sigurdardóttir (de vermelho) e sua esposa, Jónína Leósdóttir, em sua visita ofical a China em 2013.
A ex primeira-ministra islandesa Jóhanna Sigurdardóttir (de vermelho) e sua esposa, Jónína Leósdóttir, em sua visita ofical a China em 2013.XINHUA PEI XIN
Carlos Córdoba

Antes de se transformar na primeira pessoa abertamente homossexual a presidir um Governo, a ex-primeira-ministra da Islândia viveu 18 anos com seu primeiro marido. Isso até a autora e dramaturga Jónína Leósdóttir cruzar seu caminho e juntas iniciarem uma relação que continua até hoje. As duas se casaram em 2010, no mesmo dia em que entrou em vigor a lei promovida pelo Governo de Jóhanna Sigurdardóttir (Reykjavík, 1942). A ex-primeira-ministra, premiada recentemente em um dos prêmios Alan Turing em Arona (Tenerife) durante ARN Culture & Business Pride por suas contribuições à comunidade LGBTIQ, respondeu por e-mail às perguntas do EL PAÍS.

Pergunta. Por que ainda é tão complicado para o encontrar um político gay que fale abertamente sobre sua homossexualidade?

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Resposta. Depende dos países em que se viva e das atitudes da sociedade em relação aos LGBTIQ. É diferente em cada lugar. Posso entender que tanto os políticos como outras personalidades públicas queiram que o foco seja em seus trabalhos e não em suas vidas particulares. Essa foi a razão pela qual decidi não falar muito sobre minha vida particular enquanto não saí da política.

P. A senhora se sentiu alguma vez discriminada por sua orientação sexual?

R. Minha relação sentimental com Jónína, com quem agora estou casada, permaneceu no armário durante 15 anos, de 1985 até o ano 2000. Temia que tornar pública minha vida particular poderia ser difícil para nossos três filhos e para minha carreira política. Por sorte, a situação para os LGBTIQ na Islândia mudou completamente nos últimos 32 anos em que Jónína e eu estamos juntas. Nossa sociedade é agora muito mais aberta e aceita essa realidade, de modo que agora as pessoas não precisam ficar no armário, não importa qual é a sua carreira. Foi uma mudança enorme.

Levei muito tempo para entender que uma relação romântica não pode atingir sua plenitude se continuar secreta

P. O que a fez se decidir a sair do armário como homossexual?

R. Levei muito tempo para entender que uma relação romântica não pode atingir sua plenitude se continuar secreta. Jónína gostaria de torná-la pública muito antes e agora eu mesma gostaria de ter concordado com isso. Mas não consegui entender completamente até começarmos a viver juntas no ano 2000. Então compreendi a liberdade que podemos ter quando nos comportamos de maneira natural sobre quem somos. Perdemos muitos anos por minha resistência a sair do armário.

P. Teme que a chegada de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos possa ser um retrocesso na luta dos direitos já adquiridos pela comunidade gay?

R. Sim, temo. E levando em consideração algumas das afirmações que Trump fez (sobre o coletivo LGBTIQ), temos razões para estarmos preocupados.

P. Vendo as dificuldades da União Europeia (UE) para lidar de forma conjunta com a crise dos refugiados e o Brexit, os países membros deveriam ter a mesma posição em relação aos direitos LGBTIQ?

R. Sem dúvida. Mas o compromisso a longo prazo deveria ser que todos os indivíduos LGBTIQ em todos e cada um dos países do mundo tenham os mesmos direitos e o mesmo respeito. Os direitos LGBTIQ não deveriam ser um assunto local e sim global porque afetam direitos humanos básicos.

P. Sente falta de uma atitude mais proativa da UE em relação à situação dos homossexuais na Rússia e na Chechênia?

R. Claro que sim. E deveria ser mais ativa não somente da União Europeia, mas também das Nações Unidas e das organizações de defesa dos direitos humanos. Não é suficiente mostrar preocupação e lançar comunicados. A situação na Chechênia (país sobre o qual pesa a acusação de ter centros de detenção irregular para pessoas LGBTIQ) é completamente intolerável e deve ser impedida.

P. A atual crise da União Europeia pode fazer com que a luta pelos direitos dos LGBTIQ fique relegada?

R. Existe um certo risco de que os direitos da comunidade gay não sejam considerados suficientemente importantes em comparação com outros problemas urgentes que a União precisa lidar. De qualquer forma, a UE não pode ignorar as violações de direitos humanos e o retrocesso que ocorre entre alguns de seus países membros, especialmente no leste da Europa. Se a UE quer ser levada a sério em relação à defesa dos direitos humanos, deve simplesmente fazer algo sobre essa situação entre seus países membros.

P. Os países e as regiões podem fazer algo para prevenir o assédio escolar? Estou pensando nas crianças que sofrem esse assédio no colégio por serem homossexuais.

R. Deveria ser responsabilidade de todas as escolas garantir que seus estudantes não sofram assédio por serem LGBTIQ ou por qualquer outra razão. A questão está em proporcionar às crianças a informação correta sobre os LGBTIQ, porque boa parte desse assédio se deve à ignorância. E a ignorância cria preconceitos. Infelizmente, pode ser difícil para os professores encarregarem-se de tudo isso sozinhos. Se as crianças recebem em casa preconceitos sobre os homossexuais, levam essas mesmas atitudes ao colégio. É muito importante tentar lutar contra o assédio escolar entre os adolescentes que acabam de descobrir quem são; podem ser muito vulneráveis.

A UE não pode ignorar as violações de direitos humanos em alguns de seus países membros, especialmente no Leste

P. Qual é sua opinião sobre a sub-rogação, que está sendo utilizada por muitos casais homossexuais que desejam ser pais? Os membros da UE também deveriam ter a mesma política a esse respeito?

R. É uma questão extremamente difícil, especialmente porque sou muito próxima de pessoas que não podem ter famílias, como homens homossexuais, mulheres transexuais, etc... Ao mesmo tempo, também é importante proteger as mulheres que por razões de pobreza aceitam dinheiro em troca de gestarem bebês com os quais podem nunca mais ter algum tipo de contato ao nascerem. Situações assim podem causar problemas muito complicados de se resolver.

P. Já se passaram 17 anos desde que seu país aprovou o casamento homossexual, como depois fizeram países como a Espanha. Quais os novos assuntos que deveriam ocupar a agenda de reivindicações LGBT nos próximos anos?

R. As uniões civis são legais na Islândia desde 1996, e desde 2010 também são legais os casamentos homossexuais, de modo que avançamos muito. Mas agora é necessário permanecermos vigilantes em relação aos direitos humanos da população. Nunca devemos pensar que tudo foi conseguido, que não resta nada a ser feito. Sempre existe o risco de um retrocesso nesses direitos, como vimos em outros países, e seria extremamente triste ver passos atrás após o longo sofrimento que foi a luta para alcançar os direitos aos homossexuais.

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