Procuradora que “declarou guerra” a Nicolás Maduro pode perder o cargo
Supremo venezuelano vai julgar pedido de destituição feito por deputado chavista contra Luisa Ortega
A crise institucional na Venezuela se agravou nesta terça-feira, oferecendo uma amostra do grave conflito que se aproxima na disputa pelo poder. Por um lado, o Tribunal Supremo de Justiça (TSJ), controlado pelo chavismo, que já acusou o Parlamento de estar em situação de desacato, iniciou um trâmite para destituir a rebelde procuradora-geral Luisa Ortega Díaz; por outro, a opositora Mesa da Unidade Democrática (MUD), que apoia a procuradora, declarou-se em aberta desobediência ao Governo, convocando os cidadãos a ignorarem suas ordens e anunciando que pretende usar todos os mecanismos constitucionais para derrubá-lo.
O Supremo admitiu na tarde de terça-feira o pedido, apresentado na sexta pelo deputado chavista Pedro Carreño, de um julgamento preliminar de mérito contra Ortega Díaz pelo suposto cometimento de “faltas graves no exercício de seu cargo”. Se o processo prosperar, o tribunal mais graduado do país poderá destituir a chefa do Ministério Público, uma atribuição que deveria caber apenas à Assembleia Nacional, dominada desde janeiro de 2016 por uma maioria absoluta da oposição. Porém, em setembro de 2016 o TSJ declarou que o Parlamento estava em situação de desacato e que todos os seus atos eram nulos. Agora, corre nos círculos políticos a informação de que o mesmo tribunal se valeria daquela decisão anterior para assumir as atribuições dos deputados.
“A sentença do Plenário, com exposição da magistrada Marjorie Calderón Guerrero, presidenta da Sala de Cassação Social, explica que esta decisão foi tomada em conformidade com o previsto no artigo 279 da Constituição da República Bolivariana da Venezuela, em concordância com o tipificado nos incisos 4º., 5º., 8º. e 9º. do artigo 22 da Lei Orgânica do Poder Cidadão, e incisos 2º. e 3º. da Lei Orgânica do Ministério Público”, diz uma breve nota de três parágrafos emitida pela sala de imprensa do tribunal.
A procuradora Ortega Díaz se tornou, em questão de semanas, a inimiga número um do governismo. Ela assumiu o cargo em 2007 e desde então foi uma obediente cumpridora das operações destinadas a processar inimigos do regime. Mas, no final de março, se pronunciou contra as decisões do TSJ que, na prática, dissolviam o Parlamento e conferiam poderes legislativos ao presidente Nicolás Maduro. Mais tarde, tentou recursos contra a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte por parte do Governo, o que o Supremo rejeitou imediatamente.
A chanceler da Venezuela, Delcy Rodríguez, referiu-se ao julgamento preliminar contra Ortega Díaz durante visita a Cancún (México), onde acontece a Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos. Perguntada por este jornal sobre a decisão do Supremo, Rodríguez afirmou que “um procurador-geral deve ter uma atuação apegada ao direito, como indica a Constituição”. “As leis contemplam quais devem ser os deveres do Ministério Público, entre eles o mais importante: a imparcialidade, a não politização da Justiça”, disse, em referência à atuação da procuradora.
“O mundo em geral tem uma tendência ao aumento da impunidade para perseguir e castigar crimes”, prosseguiu a chanceler venezuelana, acrescentando que “a Venezuela não está isenta dessa situação”. Assim ela justificou a convocação de uma Constituinte por Maduro: “Para criar mecanismos que reduzam o déficit de justiça que há na Venezuela”.
Em declarações públicas, o deputado governista Pedro Carreño expressou sua convicção de que Ortega Díaz sofre de transtornos mentais e chegou a pedir a formação de uma junta médica para avaliá-la. A imprensa estatal vem transmitindo reiteradas mensagens em favor de punições pela “traição” da procuradora. Na terça-feira, funcionários do Ministério Público denunciaram pelo Twitter da instituição que estariam sofrendo perseguições de grupos chavistas.
Em entrevista à emissora Unión Radio, Ortega Díaz revelou que foi impedida de ter acesso ao processo de que é alvo. “Estou preparada para tudo, como uma mulher de Estado que sou”, afirmou. “Infelizmente já não há mais um Estado de direito na Venezuela, e sim um Estado de terror”, acrescentou.
Os magistrados do Plenário do TSJ continuavam deliberando nesta terça-feira a respeito de outras medidas contra a procuradora, como uma eventual proibição de saída do país e o sequestro de seus bens.
Enquanto o Governo avança em seu ajuste de contas com a procuradora, a oposição congregada em torno da MUD executa seus lances. Julio Borges, presidente da Assembleia Nacional, leu uma nota em que evocava o artigo 350 da Constituição como justificativa para ignorar o Governo de Maduro e todas suas ações, incluindo a convocação da Assembleia Constituinte.
“O regime está à margem da Constituição, e todas as suas decisões são inconstitucionais e não podem ser obedecidas, de acordo com o 350”, disse. Também aconselhou os cidadãos a se regerem pelo artigo 333 da Constituição vigente, que ordena levar a cabo as ações necessárias para restituir a ordem constitucional.
Borges, acompanhado em sua declaração por dirigentes e deputados dos diversos partidos de oposição, declarou que o país está “em protesto permanente” como parte de um novo “itinerário” para a restauração da democracia no país. “Queremos anunciar ao mundo inteiro que utilizaremos todos os mecanismos para mudar este Governo.”
O parlamento, de oposição, que já deu os passos iniciais para nomear um novo TSJ, estaria se propondo a iniciar o processo de abertura de um julgamento de mérito contra o presidente Maduro, processo que contaria com o apoio da procuradora Díaz Ortega, a quem Borges transmitiu apoio integral contra as perseguições promovidas pelo Governo. “A procuradora está sendo ameaçada pela ditadura (...) enviamos uma mensagem de apoio absoluto da parte da MUD e do povo”, disse o também dirigente do partido Primeiro Justiça (PJ).
As iniciativas paralelas, mas opostas, do Governo e da oposição poderiam levar à existência de dois parlamentos na Venezuela, assim como dois procuradores-gerais e dois tribunais supremos.
Maduro demite comandante geral da GNB
O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, demitiu nesta terça-feira o comandante-geral da Guarda Nacional Bolivariana (GNB), Antonio Benavides, com suas funções sendo assumidas pelo ministro da Defesa, Vladimir Padrino.
Maduro afirmou que Benavides assumirá um novo cargo nos próximos dias, sem dar detalhes, e acrescentou que ele será substituído no posto pela major-general Sergio Rivero.
Anunciou também que Padrino foi dispensado de suas funções como comandante do Comando Estratégico Operacional da Força Armada Nacional Bolivariana (FANB), posto que será ocupado pelo almirante Remigio Ceballos.
Por último, anunciou a nomeação de José Anelino Ornelas como chefe do Estado Maior do Comando Estratégico da FABN, segundo informação publicada pelo jornal El Nacional.
As nomeações ocorrem em meio a denúncias efetuadas contra os responsáveis pelas forças de segurança por abusos cometidos na repressão aos protestos contra o Governo.
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