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Saída de Dirceu e habeas corpus de Palocci revelam racha no Supremo

Após segunda turma mandar soltar três condenados da Lava Jato, ministro Fachin leva caso de Palocci para o pleno

A decisão da segunda turma do Supremo Tribunal Federal, formada por cinco dos 11 integrantes da corte, de acatar o habeas corpus do ex-ministro José Dirceu que o colocou em liberdade, além de provocar comoção a favor e contra nas ruas e redes sociais, revelou uma fissura no tribunal. O racha ficou evidente um dia depois: motivada pela decisão que favoreceu o petista, a defesa do ex-ministro Antonio Palocci também entrou com pedido de habeas corpus nesta quarta-feira. Relator da Operação Lava Jato no STF, o ministro Edson Fachin negou o pedido e determinou que a decisão final fosse debatida em plenário por todos os ministros. Ao contrário de sua posição sobre Dirceu, derrotada no placar de 3 votos a 2 na segunda turma, agora Fachin obrigava todo o Supremo a se posicionar publicamente sobre o caso Palocci.

O ministro Edson Fachin, que defendeu a prisão de Dirceu.
O ministro Edson Fachin, que defendeu a prisão de Dirceu.Carlos Moura (STF)

Ainda não há previsão de quando a Corte irá deliberar sobre o cado de Palocci. Ao pedir que o plenário completo discuta o habeas corpus de Palocci, Fachin marcou posição nesse xadrez que se estabeleceu dentro do STF. Alguns ministros são favoráveis aos métodos da força-tarefa, que incluem longas prisões preventivas e conduções coercitivas sem notificação prévia. Outros não. Antes de Dirceu, Fachin já havia sido voto vencido em três sessões realizadas nos últimos dias que colocaram em liberdade condenados pelo juiz Sérgio Moro na segunda turma. Foi no grupo de cinco ministros, fruto de uma divisão do tribunal feita para dar agilidade aos julgamentos, que o relator da Lava Jato viu seus colegas abrirem a tranca o ex-assessor do PP João Cláudio Genu e o pecuarista José Carlos Bumlai. O empresário Eike Batista foi solto por decisão individual de Gilmar Mendes. Pelo retrospecto recente, a segunda turma, formada por Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli, Celso de Mello e Fachin, tende, no placar, a discordar do relator da Lava Jato e flexibilizar as decisões de Moro.

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Thomaz Pereira, professor de Direito da Faculdade Getúlio Vargas-Rio, afirma que existem duas explicações “possíveis, independentes e não excludentes” para o pedido de Fachin de votar o habeas corpus no plenário. “Uma é uma questão técnica: ele argumenta que a decisão da turma é uma mudança de jurisprudência no STF, e que como tal precisa de pacificação [consenso] na Corte, o que caberia ao plenário”, afirma. Ele aponta, ainda, que é correto que o conjunto dos ministros delibere quando existe alguma rusga. A outra explicação é que “após ser voto vencido ele acredita que tem mais chance de ser vencedor no plenário”. Para Pereira, Fachin terá que ser “claro em seus argumentos”, e “se comportar da mesma maneira em casos semelhantes” para que a população não considere a medida incoerente. O professor evita fazer prognósticos com relação à votação do habeas corpus no plenário.

Com exceção de Eike, os outros três libertados na segunda turma haviam sido condenados em primeira instância e aguardavam o julgamento de seus recursos em prisão preventiva decretada pelo magistrado de Curitiba. As decisões provocaram o temor na força-tarefa de que outros acusados presos preventivamente, como o ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB), também sejam colocados em liberdade. Na visão dos procuradores, isso poderia dificultar a assinatura de acordos de colaboração com a Justiça, um dos pilares da operação, além de permitir que os investigados voltassem a cometer crimes. Para marcar posição sobre as libertações, a força-tarefa chegou a apresentar uma nova denúncia de última hora contra Dirceu. A manobra foi vista como uma tentativa de intimidar o STF e Gilmar Mendes voltou a criticar os procuradores.

O caso de Palocci, preso preventivamente desde setembro de 2016, deve servir de termômetro do impacto das decisões do STF com relação a presos preventivos da Lava Jato, e também mostrará o que pensam os demais ministros que não integram a segunda turma - Rosa Weber, Luís Barroso, Alexandre de Moraes, Marco Aurélio e Luiz Fux. Com a jurisprudência estabelecida pelo plenário da Corte, o professor Thomaz Pereira aponta que caberá às turmas acatar esta determinação.

É um caso sensível, uma vez que, em depoimento ao juiz Sérgio Moro no final de abril o petista deu a entender que poderia colaborar com a Justiça com informações como “nomes, endereços e operações realizadas que seriam de "interesse da Lava Jato". Uma delação do ex-czar da economia de Lula poderia tirar o foco da investigação das empreiteiras e colocar no coração financeiro do país: bancos, fundos de pensão e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. Agora será preciso ver o que pensam os ministros , diminui a pressão sobre Palocci, o que em tese pode arrefecer sua disposição para delatar.

Segunda turma dividida

As decisões recentes da segunda turma já indicavam que não havia uma diretriz geral que vinha sendo seguida pelos ministros. Marcelo Figueiredo, professor de direito Constitucional da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, não acredita que os julgamentos que libertaram Dirceu, Genu e Bumlai sejam um precedente que será seguido em todos os casos semelhantes na Corte. “É uma decisão garantista [no sentido de assegurar os direitos do condenado], mas não acho que seja um paradigma para outros casos da Lava Jato”, afirma. De acordo com ele, a decisão por 3 votos a 2 que libertou Dirceu é um sinal de que o “tribunal está dividido sobre a questão”. Enquanto Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski foram favoráveis à libertação, Fachin e Celso de Mello se mostraram contrários.

As decisões recentes da segunda turma já indicavam que não havia uma diretriz geral

Gustavo Badaró, professor de direito processual penal da Universidade de São Paulo, concorda com Figueiredo, e afirma que a mudança dos votos por parte de alguns ministros "acaba com a tese de que está havendo um acordão para livrar os investigados pela operação". Desde que a Lava Jato começou a avançar sobre PSDB e ministros do PMDB - chegando até mesmo ao presidente Michel Temer - ganhou força na oposição a tese de que o Legislativo e o Judiciário estariam preparando uma operação abafa para livrar os caciques políticos, incluindo os petistas.

Nos casos de Genu e Bumlai, Toffoli e Mendes votaram pela liberação dos condenados, Fachin voltou contra, e Mello e Lewandowski votaram de forma alternada – o primeiro quis manter Genu preso, enquanto que o segundo defendeu a manutenção da prisão de Bumlai. Na visão de Figueiredo, essa “fluidez” na posição dos ministros seria um indício de que a situação dos demais presos preventivos da operação não está predeterminada. “Historicamente a Corte tem alguns juízes mais garantistas, outros mais positivistas, alguns que se importam mais com a comoção social. De qualquer forma, as duas posições [manter os condenados presos ou soltar] são leituras possíveis da Constituição”, afirma.

Força-tarefa critica libertação

A força-tarefa da Operação acusou o golpe das decisões do STF: o procurador Deltan Dallagnol criticou nas redes sociais o que chamou de “a incoerente soltura” de Dirceu. Ele citou casos semelhantes de presos provisórios que não tiveram a mesma sorte que o petista ao terem seus recursos analisados pela segunda turma. “Confiamos na Justiça e, naturalmente, que julgará com coerência, tratando da mesma forma casos semelhantes. Hoje, contudo, essas esperanças foram frustradas”, escreveu. Dallagnol também menciona os nomes de alguns políticos e empreiteiros que estão presos preventivamente há mais tempo que Dirceu, e que, seguindo a lógica da Corte, poderiam ser soltos.

“Em outros casos semelhantes o STF não soltou presos preventivos quando deveria ter solto”

O advogado Gustavo Badaró afirma que a crítica de Dallagnol procede, mas “o erro não está na decisão envolvendo o Dirceu”. “Em outros casos semelhantes o STF não soltou presos preventivos quando deveria ter solto”, afirma o advogado. Para ele, a decisão da Corte “é um recado” para a força-tarefa, mas não é um “precedente automático para outros réus”. “Até então as decisões do juiz Moro eram intocáveis, e agora o STF está dizendo que irá analisar caso a caso”, diz. Badaró acredita que essa aparente derrota para a força-tarefa pode aprimorar seu trabalho: “Isso tira Moro e os procuradores de um certo comodismo. Se eu sei que uma decisão minha não será revisada, não me esmero”.

De olho na prisão após condenação em segunda instância

Além das prisões preventivas alongadas, há outra mudança legal recente que faz da delação premiada uma opção atrativa para acusados na Operação Lava Jato. Por uma determinação do STF, o cumprimento de pena começa após a confirmação da sentença na segunda instância. Até outubro de 2016, antes da Corte deliberar sobre o assunto, o condenado só cumpria a pena após o trânsito em julgado, ou seja, depois que tivesse esgotado todos os recursos possíveis às instâncias superiores. Este modelo era visto como responsável pela prescrição de alguns crimes e lentidão do sistema Judiciário, e foi alterado com o endosso da equipa da Lava Jato. Alguns ministros já se mostraram contrários à nova interpretação e existe a possibilidade de que a matéria volte a ser discutida no plenário da Corte.

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