Chapecó voltou a sorrir. E isso vale mais que uma vitória
A derrota para o Lanús esfriou o entusiasmo da torcida, mas não diminui o orgulho de ver a Chapecoense na Libertadores
Não foi do jeito que o torcedor imaginou. A derrota por 3 a 1 para o Lanús derramou um balde de água fria sobre a expectativa para ver a Chapecoense de perto na competição mais importante de sua história. Logo nesta quinta-feira, que marcou a chegada de nova frente fria a Chapecó. Sempre que isso acontece, uma névoa fina cobre a cidade e a chuva não dá trégua. O cenário era semelhante ao do último dia 3 de dezembro, quando milhares de pessoas saíram às ruas sob o temporal para receber os corpos de seus ídolos antes do velório coletivo que emocionou o mundo. Entretanto, a noite desta quinta-feira não ficará marcada pela tristeza, mas sim por um misto de congregação e orgulho.
Pela primeira vez, a Arena Condá recebeu uma partida de Copa Libertadores. Pela primeira vez, Chapecó viveu o clima de um jogo internacional após a tragédia na Colômbia. A cidade trocou as lamentações por entusiasmo, sem se esquecer dos 71 mortos que ficaram eternizados em um singelo memorial no estádio, nos adesivos de luto que ainda estão sobre os vidros dos carros e na homenagem estampada no novo uniforme do clube, lançado diante dos argentinos: “Chape na Libertadores da América 2017. Obrigado, eternos guerreiros”.
O nervosismo ao longo de toda a exibição do time contra o Lanús não impediu os torcedores alviverdes de seguirem apoiando e cantando bem alto, tampouco abafou os aplausos no fim do jogo. Desde o começo da semana, as ruas estavam tomadas pelo verde, seja em diversos modelos e tonalidades das camisas da Chapecoense, seja em ainda mais variados uniformes com o escudo do Atlético Nacional, de Medellín, que virou clube-irmão pelas intermitentes demonstrações de carinho dos colombianos. Na arquibancada da Arena, bandeiras do país vizinho sobressaiam no emaranhado verde-e-branco.
Mais que a autoestima de uma cidade, a Chape representa a união de várias cores e torcidas espalhadas pelo Brasil. O garçom Adriano Azevedo, de 22 anos, saiu de Belo Horizonte só para apoiar o Verdão na Libertadores. Antes da partida, ele mostrava o ingresso para o jogo e uma bandeira com um escudo da Chapecoense e outro do Atlético Mineiro, seu clube do coração. “Sou Galo, mas não poderia deixar de vir dar uma força para a Chape. Eu também virei torcedor chapecoense. Se o time chegar às oitavas de final, vou com a Chapecoense seja aonde for, dentro ou fora do país”, diz Azevedo. Até a torcida do Lanús se rendeu e, interrompendo a celebração da vitória, aplaudiu os últimos torcedores alviverdes que deixavam a Arena Condá.
Um sonho sem limites
Vale qualquer sacrifício pela Chape, sobretudo para quem acompanha a equipe desde os tempos menos glamorosos. Leonardo Schmitz, de 24 anos, frequenta a Arena Condá há mais de seis anos, quando o alviverde catarinense ainda figurava na terceira divisão do Campeonato Brasileiro. Mesmo com o braço esquerdo quebrado, ele fez questão de empurrar o time da arquibancada. O preço salgado do ingresso também não o desanimou. A entrada mais barata para o confronto contra o Lanús custou 60 reais e foi liberada para venda apenas na véspera do jogo, em um lote de 1.500 bilhetes. O restante dos ingressos variava entre 100 e 200 reais. “Tá meio carinho, mas a gente entende, por ser um dia histórico, estreia em Libertadores, e pela situação do clube, que está se reconstruindo. Todo esforço é valido para ajudar a Chapecoense nesse momento”, afirma Schmitz.
Há uma indisfarçável atmosfera de otimismo em Chapecó. Apesar de o time ter sido montado sem grandes estrelas e com orçamento enxuto, os torcedores acreditam que a Chapecoense tem condições de trilhar um caminho de glórias pela América. O ambiente no grupo de Vágner Mancini é descontraído. Os três jogadores sobreviventes da tragédia, Neto, Alan Ruschel e Jackson Follmann, se divertem fazendo graça com os companheiros e jornalistas estrangeiros que passaram a acompanhar os treinamentos da Chape. Em entrevistas, o trio evita se alongar sobre traumas e percalços. Eles preferem enxergar o que ainda têm para viver e aquilo que os fortalece ao longo de várias semanas de recuperação. “Tivemos inúmeras mostras de que ainda é possível acreditar na humanidade, na nossa capacidade de sentir empatia pelo outro”, conta Follmann. “Isso é o que realmente fica de lição para todos nós.”
“Dizem que um clube só cresce se tiver um grande rival. Mas hoje a Chapecoense cresce porque tem amigos, solidariedade e a união das pessoas que amam esse clube”, disse o prefeito de Chapecó, Luciano Buligon, poucas horas antes da estreia em casa na Libertadores. Em seu gabinete, onde guarda uma camisa e uma enorme bandeira da Chape, ele revelou ao EL PAÍS a intenção de exibir na Arena Condá uma mensagem que resume o estado de espírito do povo chapecoense: “Independentemente do resultado, aqui sempre contemplamos a vida”. Para o prefeito, que mais tarde vibraria muito com o gol de Rossi, nunca se deve duvidar da capacidade da Chape de superar seus limites. “Por tudo que passamos, somos capazes de qualquer coisa. ‘Ah, mas o senhor sonha em ganhar a Libertadores?’ No fundo, eu sonho. O São Caetano chegou a uma final [em 2002] e perdeu o jogo decisivo em casa. Se a Chapecoense tiver essa chance, eu te garanto que a gente não deixa escapar. Hoje, o nosso sonho é sem limites.”
Na noite em que 12.484 pessoas presenciaram o tropeço da Chape, a América contemplou o brio de uma equipe montada às pressas e o amor de uma torcida que promete não abandonar seus novos representantes. O time que há quatro meses brigava pela sobrevivência continua vivo na Libertadores. Onde falta técnica, sobra raça. Onde havia desconsolo, hoje brotam sorrisos. E isso vale mais que uma vitória.
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