Compartilhar, a moda que veio para ficar
Modelo econômico que valoriza o usar ao invés do ter cresce no Brasil. País é líder em serviços colaborativos na região
Imagine que você acabou de se mudar de casa e precisa instalar prateleiras e quadros, mas não tem uma furadeira. A ideia de comprar uma parece inicialmente a solução, mas você sabe que provavelmente não usará a ferramenta por um longo tempo e que ela ficará guardada em algum canto. Afinal, o que você precisa não é de uma furadeira, mas sim de furos na parede. Para resolver esse tipo de problema, a estudante Camila Carvalho, de 27 anos, criou o Tem Açúcar?, um site gratuito com a proposta de fazer com que pessoas da própria vizinhança compartilhem seus produtos domésticos e ferramentas. A plataforma sugere resgatar aquele antigo hábito de bater na porta do vizinho para pedir desde uma xícara de açúcar até uma furadeira, só que agora o pedido de ajuda é online e a lista de produtos disponíveis para empréstimo muito maior.
O site, que tem atualmente 106 mil inscritos em 12.500 bairros de todo o Brasil, cruza dados com as pessoas que estão próximas a você, em um raio de cerca de 8km, e lança o que cada um precisa emprestado ou pode emprestar. Os interessados combinam as condições de empréstimo, tudo sem pagar nada. Depois, os usuários fazem avaliações um do outro para aumentar a credibilidade e reputação tanto de quem empresta quanto de quem pediu emprestado. “A ideia surgiu após uma época que fiquei estudando sustentabilidade e consumo consciente. A gente não consome de forma eficiente. Precisamos de um senso maior de comunidade”, explica a fundadora do Tem Açúcar?, que desde o ano passado também possui um aplicativo.
A plataforma é uma das várias iniciativas que buscam hoje seu lugar no mercado dos serviços “colaborativos” ou no que se convencionou chamar de economia colaborativa. O movimento, que sugere um modelo alternativo de consumo, que visa aumentar a eficiência no uso de recursos naturais e bens, vem ascendendo nos últimos anos e, atualmente, o Brasil é o líder em iniciativas desse tipo na América Latina, segundo um estudo do IE Business School e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).
Há uma diversidade de modalidades dentro dessa tendência, mas alguns dos pioneiros foram os sites que se dedicam a alugar casas ou quartos. O Airbnb é um dos exemplos desse tipo de plataforma online de hospedagem colaborativa mais bem sucedido mundialmente. Ele oferece um serviço em que você pode colocar a sua casa ou um quarto para alugar pelo tempo que quiser, por um preço determinado, geralmente muito mais barato que um hotel.
“ Esse tipo de iniciativa vai ser cada vez mais comum. No começo do Airbnb, as pessoas tinham um pouco de medo, de receio de se hospedar na casa de um desconhecido, porque é uma cultura diferente, mas acho que essa iniciativa já não tem volta”, explica Camila do Tem Açúcar? .
O professor de empreendedorismo Marcelo Nakagawa, do Insper, concorda que a economia colaborativa será uma tendência cada vez mais forte já que a tecnologia continuará facilitando e aumentando o número de ofertas desses serviços. Estudos também comprovam a expansão desse tipo de economia, que deve chegar a movimentar mundialmente 335 bilhões de dólares em 2025, ante 15 bilhões em 2014, segundo projeção da consultoria PricewaterhouseCoopers.
Nakagawa ressalta, no entanto, que apesar do chamariz desse movimento ser a redução do desperdício e o combate ao consumismo exagerado, hoje muitas pessoas e empresas têm aderido a esse tipo de serviço por uma questão de status. “Essa história de diminuir o desperdício vem em segundo plano. Hoje existe um status de “cool” atribuído aos que usam esses serviços compartilhados. Há uma valorização desse ato”, explica.
Por essa razão, as empresas começam a ver como vantajoso ter suas marcas atreladas a esse tipo de serviço. “Um exemplo são as construtoras que têm apostado na construção de prédios que oferecem muitos serviços e objetos compartilhados: máquina de lavar, coworking, carros”, explica.
Netflix de roupas
A atual recessão econômica, que diminui bastante o poder de compra dos brasileiros, também dá um impulso ao consumo de serviços compartilhados. Proprietária de uma “biblioteca de roupas” femininas, a jornalista Marine Salerno tem ouvido das clientes que o local chegou na hora certa. “A BLIMO é como um Netflix só que de roupa. Você paga um preço fixo por mês e pode usar as roupas do acervo, é como um closet fora de casa”, explica Salerno. O local oferece três planos diferentes para se tornar um membro. O mais barato é o platinum em que a cliente paga 110 reais por mês e pode levar para casa uma peça e ficar com ela durante um prazo máximo de dez dias. No entanto, não é preciso esperar até o fim desse período para trocar a roupa. A cliente pode escolher um novo look da arara assim que devolver a peça anterior (lavada, segundo o regulamento). Teoricamente ela pode escolher todo dia uma peça diferente.
“Fiz tudo inspirado em uma biblioteca de roupas holandesa. O conceito é muito bacana, porque fala de reutilização de peças de roupas muito boas e bonitas. Aqui todas as peças do acervo são compradas novas, compro peça piloto e de showrooms” , explica Salerno. A proprietária também ressalta que a assinatura do serviço é por mês, mas não é preciso ter uma periodicidade. Para a jornalista, esse conceito de compartilhar veio para ficar. “A partir do momento que você prova esse benefício é difícil você voltar atrás. Você paga 110 reais para poder usar durante um mês todo esse closet e aí depois como você vai comprar uma única roupa de 500 reais?”, questiona. O local, que fica na Vila Madalena, zona oeste de São Paulo, também oferece um serviço de entrega à domicílio. “Quero investir em frete para que pessoas fora da Vila Madalena abracem esse conceito e a ideia se amplie. Não dá para só essa região ser um polo de inovação”, explica.
A alguns quarteirões dali, o designer Wolfgang Menke construiu quatro casas que oferecem serviços compartilhados. A primeira delas foi a House of Work, que nada mais é que um coworking: um espaço físico compartilhado entre profissionais de diversas áreas. Esse tipo de conceito de ambiente de trabalho nasceu nos Estados Unidos, quando profissionais autônomos cansaram de trabalhar isolados dentro de casa, nos cafés e resolveram buscar escritórios compartilhados. “Inauguramos há três anos e meio e foi um sucesso total. No terceiro mês já tinha fila de espera. E hoje em um raio de 1 km daqui tem mais ou menos 20 coworkings, todo mundo copiou”, conta. A diária no local custa 70 reais e Menke explica que o maior atrativo é poder fazer contato com diferentes profissionais e criar parcerias. Além de profissionais autônomos, algumas empresas utilizam as salas do House of Work para realizar reuniões. A plataforma de compartilhamento de viagens de carro entre cidades, a Blablacar, por exemplo, escolheu o local para fincar seu escritório no Brasil.
"Temos muitos recursos ociosos em um planeta que está sendo devastado. Cerca de 25% dos gastos domésticos e 30% do lixo doméstico produzido poderiam ser evitados se a gente compartilhasse mais coisas"
Depois do sucesso do empreendimento, outra casa ao lado - onde funcionava um restaurante - vagou para alugar, e Menke resolveu criar a House of Food, um espaço dedicado à gastronomia, que permite o usuário alugar o local por um dia e vender a comida ali mesmo. Uma espécie de coworking da culinária, o primeiro do mundo, onde 70% do que se vende fica com o cozinheiro e 30% com a casa. Ela é utilizada principalmente por chefs que querem testar pratos novos ou por assistentes de cozinha que pretendem abrir restaurantes, mas querem testar antes a experiência. Logo depois vieram a House of Bubbles; um misto de lavanderia, bar e biblioteca de roupas; e a House of Learning, para quem quer alugar o local para dar palestras e cursos.
“Acho que todo esse movimento de otimizar o uso de tudo não é uma modinha. Se a gente continuar consumindo essa quantidade de coisas que consumimos atualmente, em 2050, vamos precisar de dois planetas de matéria-prima”, explica Menke, que acredita que, por isso, grandes empresas estão entrando na economia compartilhada. Apesar do cenário ruim de recessão, ele conta que não tem tido prejuízo e que,nos próximos 6 meses, já deve começar a ganhar dinheiro suficiente para voltar a investir. Em 2015, ele chegou a faturar dois milhões de reais, quando apenas duas primeiras casas operavam. O designer também abriu uma franquia da House of Food em Belo Horizonte e é um dos sócios da mesma casa no Rio de Janeiro.
Mas nem só de boas notícias vive o mercado da economia colaborativa. Algumas das empresas mais consolidadas no ramo já enfrentam problemas legais mundo afora. "O maior exemplo disso é a guerra do aplicativo Uber com os taxistas. A questão é que a economia colaborativa não pode ser isenta de uma regulamentação, ou de impostos. Ela precisa de um modelo de cobrança para que haja concorrência, que é algo saudável", explica a economista Neusa de Souza Nunes, professora de Economia Criativa da ESPM.
A professora pondera ainda que, apesar desse movimento colaborativo ter um cunho idealista de combate ao desperdício, estamos falando de negócios que precisam de um resultado positivo e muitos de faturamento. “Todos esses projetos de redes de trocas e aluguéis que saem da informalidade e passam a ter um site ou um aplicativo precisam de um faturamento. Nem todos vão conseguir sobreviver”, explica a professora que acredita que assim como em qualquer negócio, ficarão de pé os com maior reputação e com algum tipo de investimento.
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