Em São Paulo, uma ponte gastronômica com a Catalunha
Da cozinha do restaurante Tanit, do chef Oscar Bosch, saem pratos da tradição clássica espanhola, de inspiração vanguardista e familiar
Se na década de 1970, a cozinha basca era um dos grandes expoentes, hoje, quando se pensa em cozinha espanhola, viaja-se, impreterivelmente, para a Catalunha. É lá, afinal, a terra natal e onde estão estabelecidos alguns dos cozinheiros mais importantes do mundo como os irmãos Roca, do El Celler de Can Roca e, claro, Ferran Adrià.
A importância de Adrià para a gastronomia mundial é incontornável. A ponto de Julian Moskin, ao anunciar o fechamento do cobiçadíssimo El Bulli no jornal The New York Times, descrever a cena gastronômica espanhola pós-Adrià como um “sistema solar sem um sol”.
O El Bulli serviu seu último jantar em 2011, quando era o restaurante mais influente do mundo, e segue como referência de vanguarda, criador de uma estética única capaz de fomentar acalorados debates sobre se o que fazia em sua cozinha era ou não era arte – a discussão persiste e é improvável que venha a existir um consenso a esse respeito.
O gênio criativo de Adrià certamente faz falta, mas a cena gastronômica espanhola segue uma trajetória consistente, calcada na criatividade, no rigor técnico e em uma forte tradição culinária, a exemplo da cozinha praticada por Santi Santamaria (1957-2011), outro chef espanhol que marcou história.
Ainda assim, a revolução gastronômica liderada pela cozinha tecnoemocional de Adrià (que, basicamente, destina-se a estimular todos os sentidos), continua a repercutir em restaurantes do mundo afora. Um pouco de sua influência está presente na cozinha do Tanit, em São Paulo. No comando da casa, aberta há seis meses e batizada em homenagem à deusa fenícia, símbolo de Ibiza, está o chef catalão Oscar Bosch. “No início costumávamos descrever nossa cozinha mais como mediterrânea do que catalã ou espanhola, até por um certo medo. Agora estamos mais confiantes e os próprios clientes já se referem a nós como o espanhol.”
Antes de se mudar para o Brasil – ele chegou à capital paulista há sete anos, após se casar com a chef confeiteira Anna Beatriz Dias Bosch, que cuida das sobremesas do restaurante –, Oscar trabalhou em dois ícones da cozinha espanhola: o El Bulli, onde fez parte da equipe responsável por pensar as criações do restaurante, e o El Celler de Can Roca, que figura, já há alguns anos, no topo do ranking da revista Restaurant dos melhores do mundo. Também passou pelo restaurante belga, três estrelas Michelin, Hof van Cleve.
Mas Oscar não hesita em apontar quem são de verdade suas maiores influências: o pai, Joan Bosch, e Ferran Adrià. Bosh pai é também uma referência com seu restaurante Can Bosh. Em 1969, os avós paternos de Oscar, Juan Bautista e Lourdes, abriram o bar Can Bosch, em Cambrils, a cerca de 90 quilômetros de Barcelona. Em 1980, o bar se transformou em restaurante, tocado por Joan. A proximidade com o porto selou o destino da casa e os pescados da região (alguns ainda chegam vivos à cozinha) viraram o carro-chefe.
Com esse histórico familiar, o encontro entre Bosh Joan e Oscar na última quarta-feira, dia 19, em São Paulo, ganhou um tom especial. O dono do Tanit recebeu em seu restaurante pela primeira vez seu pai para realizar um jantar a quatro mãos. Nem toda a experiência profissional acumulada por Oscar atenuou a carga emocional de cozinhar com um de seus maiores mentores. “Tenho um sentimento especial de trabalhar com meu pai. Ele foi meu mestre, a pessoa que me ensinou a pegar em uma faca”.
Desde que assumiu o restaurante da família, o Can Bosch, Joan acompanhou diferentes vertentes da gastronomia. “A cozinha mudou muito. Nós cozinheiros, hoje somos mais parecidos com um pintor, cada um pinta de uma forma diferente e interpretamos ingredientes de maneiras distintas. Na cozinha, ao olhar para um porco, mostro a Oscar de quais maneiras o prepararia. E ele também, me conta formas de interpretá-lo que não havia pensado. E essa é só uma das riquezas da gastronomia.”
O jantar, harmonizado com vinhos da Torres, vinícola catalã vizinha e amiga da família Bosch, estabeleceu uma conexão direta entre a técnica e o rigor catalão, aliados aos ingredientes locais. No menu, alguns clássicos da culinária espanhola como o gaspacho (servido com sorvete de pepino e tomates marinados em três tipos de Jerez), e dois ingredientes representando mar e terra da Catalunha: vermelho (pescado) grelhado com purê de abobrinha e camarões e flor de aboborinha tempurá, e a bochecha de boi com rôti de cerveja preta e texturas de abóbora.
Apresentado pelo crítico e consultor de gastronomia, colunista do EL PAÍS, Luiz Américo Camargo, o jantar foi concebido e realizado pelo jornal EL PAÍS em parceria com Mastercard Black.
Uma linhagem de cozinheiros
A cozinha praticada no Can Bosch segue a linha “do barco à cozinha”, com respeito à sazonalidade dos produtos. Ganhou grande reconhecimento em 1984, com a conquista de uma estrela Michelin, mantida até hoje. Para Joan preservar essa estrela ao longo de mais de três décadas não é nenhuma façanha: “Há quem diga que é difícil manter as estrelas Michelin. Não acho que seja. Para mim, o cuidado com o restaurante é algo natural, é também uma maneira de viver”.
Autodidata, ele conta que aprendeu a cozinhar lendo, viajando, e pondo em prática as novidades. Apesar de toda a experiência, a disposição para aprender segue intacta: “Tenho 63 anos e ainda gosto muito de estar ao lado de quem pode me ensinar algo. Oscar, às vezes, faz coisas que me surpreende. Sinto que esse contato com os jovens, me rejuvenesce”.
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