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A memória do sabor
Coluna
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Os 50 Melhores, mais latinos do que nunca

A lista coloca as cozinhas latinas da América em uma posição que nunca tinham alcançado antes

O chef Virgilio Martínez recebendo o prêmio que ganhou no The 50 Best.
O chef Virgilio Martínez recebendo o prêmio que ganhou no The 50 Best.

O The 50 Best olha para a América Latina com bons olhos. Não há dúvidas depois da divulgação do prêmio na segunda-feira, dia 1º de junho, em Londres. O anúncio dos 50 privilegiados que compõem a lista coloca as cozinhas latinas da América em uma posição que nunca tinham alcançado antes. A presença de três peruanos, um número igual de mexicanos, dois brasileiros, um chileno e um argentino residente na França é uma conquista única, apesar de esperada. A incorporação do chileno Rodolfo Guzmán (Boragó, Santiago), a estrela emergente da cozinha do cone sul, a de Jorge Vallejo (Quintonil, Cidade do México), a outra grande referência da cozinha jovem no continente e a do peruano Mitsuharu Tsumura (Maido, Lima), eram segredos bem conhecidos. Ou as votações não são tão confidenciais como asseguram ou há mais adivinhos que eleitores no universo gastronômico.

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Poucos acreditávamos no quarto lugar do restaurante Central (Lima), de Virgilio Martínez, ou do décimo-primeiro de Mirazur (Menton, França), o restaurante do argentino Mauro Colagrecco, na Côte d'Azur. Reflexos de uma estrutura que não premia restaurantes nem cozinhas, mas a popularidade do cozinheiro. Também desconfiávamos do lugar que finalmente corresponderia ao novo Astrid & Gastón em um ano marcado pela irregularidade e a indefinição de sua cozinha. Finalmente, prevaleceu o gigantesco esforço realizado para abrir o novo restaurante, o risco, o tremendo investimento e o desenvolvimento de um conceito integral único que combina três propostas em um único espaço, para servir como palco para a ascensão até o 14º posto da lista. Alguns dizem que a figura de Gastón Acurio — formalmente aposentado da vida do restaurante — continua sendo onipresente e esta seria a confirmação.

Dois postos atrás do Astrid & Gastón aparecia o Pujol, o restaurante do mexicano Enrique Olvera. Do meu ponto de vista, a proposta culinária mais sólida do mercado latino-americano, embora nunca tenha sido especialmente apreciada pelos eleitores do The 50 Best. Do resto, repete-se como a cada ano a consagração da esquizofrenia como cerimônia culinária. Vendo a alternância na cabeça da lista – agora o Celler de can Roca, antes o Noma, de novo o Celler— a fulgurante queda do Alinea (Chicago) ou do Arzak (San Sebastián), poderíamos pensar que as grandes cozinhas do mundo vivem na irregularidade e na falta de coerência. Hoje sou bom, amanhã não sou mais.

A presença de três peruanos, um número igual de mexicanos, dois brasileiros, um chileno e um argentino residente na França é uma conquista única

As quedas e ascensões drásticas, a permanência na lista de locais como o Le Chateaubriand (Paris), o quarto lugar que ocupa o Central ou o papel secundário conquistado pelas cozinhas francesa e japonesa avivam uma polêmica que, como sempre, durará até o ano que vem e vai engordar a lenda da lista. O grande acerto do The 50 Best é, precisamente, ter hierarquizado a cozinha mundial em um mercado diluído na mão da Michelin: mais de uma centena de restaurantes compartilhando as três estrelas e sem chegar a cobrir o mundo todo, chocam com um mercado global que vive obcecado por classificar tudo. A lista de Restaurant oferece o que é buscado: um ganhador e uma lista ordenada de candidatos à sucessão. Vai marcar o ritmo durante muito tempo.

Outro dos pontos centrais é o desenvolvimento da rivalidade entre nações, mais que entre cozinhas. O velho debate entre vanguarda, tradição e classicismo derivou em um enfrentamento entre países. Na França tentam desacreditar a lista, os EUA se apresentam como o centro do universo gastronômico, a Espanha defende sua liderança, a Ásia reclama mais atenção... Em pouco tempo, só vai importar de que país será o ganhador e quem acumula mais representantes no ranking.

O grande acerto do The 50 Best é ter hierarquizado a cozinha mundial em um mercado diluído nas mãos da Michelin

O sucesso dos restaurantes latino-americanos provoca muitas perguntas e poucas respostas. Por falta de maior experiência, de um domínio depurado das técnicas culinárias ou de um trabalho de investigação que defina cozinhas diferentes, o interesse do universo gastronômico se concretiza na diversidade de nossa despensa. Também é consequência do esforço realizado durante anos no Peru para mostrar sua cozinha aos líderes do setor: grandes cozinheiros e especialistas gastronômicos. Já que, não importa o que dizem os promotores, boa parte dos quase 1.000 eleitores do The 50 Best não conhece alguns dos restaurantes nos quais estão votando, essa atividade se transforma em central. Deveríamos continuar aproveitando isso.

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