Quando uma goleada sofrida em casa é digna de festa
Seleção do Kosovo fez sua primeira partida oficial diante de seu povo nas eliminatórias da Copa de Mundo 2018

O ano 2016 está sendo histórico para o Kosovo. O país foi representado pela primeira vez em competições esportivas oficiais, a exemplo da Rio 2016 e das eliminatórias para a Copa de 2018. A importância de ter seus atletas nestas competições atesta o reconhecimento mundial por parte do COI e da FIFA. Se alguns países recusam-se a reconhecer o Kosovo, o apoio dos dois maiores órgãos do esporte no mundo e de potências como Estados Unidos, França e Alemanha tem um grande significado para uma população que há menos de dez anos teve sua independência reconhecida.
A nação já tinha razões de sobra para comemorar neste ano: a primeira medalha olímpica - ouro de Majlinda Kelmendi nos Jogos do Rio - e a estreia por um torneio oficial de sua equipe - empate por 1 a 1 contra a Finlândia, pelas eliminatórias. Na última quinta-feira, mais festa: a seleção jogou oficialmente diante de sua população pela primeira vez, e perdeu por 6 a 0 para a Croácia. O jogo ocorreu no albanês Lori-Beriçi Stadium por falta de estrutura no país, mas os kosovares lotaram o local graças à proximidade com a Albânia. Uma goleada assim incomodaria qualquer torcida, mas não a do Kosovo, que viu a partida como o símbolo de uma liberdade que custou muitas vidas e décadas de luta.
Independência do Kosovo
Para compreender como o país conquistou a independência da Sérvia, é preciso entender a desintegração da Iugoslávia. Formada por Sérvia, Montenegro, Croácia, Eslovênia, Bósnia-Herzegovina, Macedônia e Kosovo, a República Socialista da Iugoslávia durou entre 1945 e 1992. Sob o comando de Josip Broz Tito, primeiro-ministro e presidente do país em 35 destes 47 anos, os iugoslavos, divididos entre diversas etnias, idiomas e culturas, não consideravam uma dissolução. Mas, a partir da morte de Tito, em 1980, as diferenças entre o povo se ressaltaram mais e, com o fim da URSS, os movimentos separatistas ganharam força.
Assim, de 1991 até os meados da década de 90, cinco das sete nações integrantes já se tornavam independentes; "Sérvia e Montenegro" foi um só país até 2006, quando se dividiu em dois. Sobrara, portanto, o Kosovo, única nação que ainda buscava ter sua identidade reconhecida internacionalmente. Predominantemente de etnia albanesa, o país havia declarado a independência em 1990, apenas reconhecida pela própria Albânia, país de relação amistosa com os kosovares. A violência entre as duas partes aumentava após tensões entre o governo iugoslavo e os separatistas, dando início à Guerra do Kosovo, em fevereiro de 1998.
Até o ano seguinte, houve mais conflitos entre a Iugoslávia e o Exército de Libertação do Kosovo; com as falhas nas negociações por paz, a OTAN decidiu intervir e atacar Belgrado em março de 1999. Foram três meses de bombardeios, que findaram numa retirada das tropas sérvias da província kosovar, e em um governo provisório da OTAN no local. A busca pela independência cresceu nos anos seguintes e, em 17 de fevereiro de 2008, ela foi declarada. Ainda que Rússia e Sérvia - entre outras nações - não considerem o país, mais de 100 nações confirmaram o reconhecimento desde 2008.
Empate na estreia oficial e goleada da Croácia no primeiro jogo em casa
Além de incluir o Kosovo em suas competições em maio - assim como fez a UEFA -, a FIFA ainda abriu uma exceção para vários atletas optarem pela equipe mesmo que já tivessem atuado por outras seleções. Berisha, antes jogador da Noruega, esteve na estreia e fez o gol do inesperado e histórico empate fora de casa por 1 a 1 contra a Finlândia. Contra a Croácia, os seis gols sofridos não diminuíram a festa da dardanët, a torcida kosovar, que apoiou o time antes, durante e depois dos 90 minutos. A goleada foi ofuscada pela libertação do povo que agora se vê reconhecido pelo mundo. No caminho rumo à Rússia, o próximo jogo será contra a Ucrânia, no domingo (9), com mando dos ucranianos.
