O lado obscuro do oásis transexual da Ásia
Tailândia é considerada a meca da comunidade LGBTI e do turismo gay na região, mas a discriminação persiste para seus moradores
Quando Pet chegou a Bangcoc nunca imaginou que perderia o trabalho devido à sua identidade. “[Na escola] me disseram: Senhorita Pet, sentimos muito, não sabíamos que você é transexual…”, lembra, visivelmente decepcionada.
A professora, de origem filipina, sempre achou que a Tailândia era tolerante com a diversidade de gênero. O Ministério do Turismo vende a imagem de país aberto a lésbicas, gays, transexuais, bissexuais e intersexuais (LGBTI), e Bangcoc é justamente a única cidade asiática incluída nas listas de destinos turísticos gay-friendly em todo o mundo. O país também é conhecido internacionalmente pelas operações de redefinição de sexo, baratas e de boa qualidade, além de sediar o concurso Miss Universo para transexuais todos os anos.
Ao contrário de alguns de seus vizinhos na região, na Tailândia não existe uma lei contra a homossexualidade, e as pessoas trans podem expressar sua identidade publicamente sem medo de perseguição. Mas os direitos da comunidade estão longe de se equipararem aos do restante da sociedade, e a discriminação continua. Para começar, as pessoas transexuais não são reconhecidas legalmente.
A maioria das mulheres transexuais trabalha na indústria da beleza e no entretenimento
Não podem mudar de nome e de sexo em seus documentos de identidade, inclusive depois de terem passado por uma cirurgia, um direito comúm. Essa incapacidade de mudar sua identidade faz com que essas pessoas permaneçam expostas a todo tipo de abusos durante o resto de suas vidas. Encontram problemas sempre que precisam mostrar seus documentos de identidade para afazeres tão cotidianos como abrir uma conta bancária, viajar para o exterior ou procurar um emprego, porque sua aparência não corresponde à que consta em seus documentos. Ou são estigmatizadas, como Pet.
A professora filipina afirma que apresentou seus documentos oficiais ao pedir emprego na escola, nos quais continua identificada como um homem devido à mesma restrição de mudar os documentos existente em seu país de origem. Após reavaliar seu caso, o departamento de recursos humanos lhe ofereceu outro trabalho no escritório, sem manter qualquer contato com os estudantes. “Perguntei se havia algum problema com isso [ser transexual], e me responderam que estavam buscando um modelo a ser seguido pelos alunos”, diz a professora.
Em geral, essa sociedade, majoritariamente budista, tolera as pessoas LGBTI, mas não as aceita. De acordo com o princípio budista do karma, muitos acreditam que homossexuais e transexuais sofrem um karma negativo por terem cometido adultério em suas vidas passadas.
O Governo tailandês estuda há mais de um ano a possibilidade de aprovar uma lei para reconhecer os transexuais, um processo lento por falta de consenso dentro do comitê de redação do projeto que debate se as pessoas trans “poderiam optar pelo sexo masculino ou feminino que prefiram”, ou, de outro lado, “terá que se criar uma terceira categoria [terceiro gênero]”, afirma Cheera Thongkrajai, funcionária do Ministério de Desenvolvimento Social e Proteção Humana.
A ativista de gênero Kath Khangpiboon, cofundadora da Aliança de Transexuais Tailandeses (ThaiTGA, na sigla em inglês), diz que muitos dos conflitos do Governo para o reconhecimento de gênero são em parte “porque deveriam eliminar pelo menos 100 artigos [de lei vigente]”. Por outro lado, se deve ao fato de que algumas autoridades “continuam presas no código binário de nascimento [homem ou mulher]”.
Espetáculos de cabaré
A maioria das mulheres transexuais trabalha na indústria da beleza, no entretenimento ou em espetáculos de cabaré, e é difícil para elas poder iniciar uma carreira profissional na Tailândia. “Os empregadores acham que somos pessoas mais emocionais, menos responsáveis e respeitadas. Se queremos ser professoras, a escola vai debater sobre isso porque as crianças poderiam querer ser como ela [ou ele]. Nos postos de trabalho, além disso, somos as últimas a crescer”, afirma Wannapong Yodmuang, que trabalha apoiando os direitos da comunidade LGBTI na associação Rainbow Sky.
Em muitos postos de trabalho, e também nos locais de estudo, se exige usar uniformes. “Na faculdade não podemos nos vestir de acordo com nossa identidade, e muitas pessoas trans decidem não começar a estudar. Se, por exemplo, escolhemos a carreira de medicina deveríamos nos vestir como um homem durante seis anos [e vice-versa] e posteriormente no emprego”, acrescenta Yodmuang.
Kyle Knight, pesquisador do programa LGBTI da Human Rights Watch (HRW), considera que o Governo tailandês realizou “progressos isolados” nos últimos anos para proteger a comunidade. Knight lembra que em 2012 se reconheceu a necessidade de assistência “para as pessoas de diversas sexualidades” na lei de promoção ao bem-estar social. Em setembro de 2015 também entrou em vigor a aguardada lei da igualdade, “a primeira legislação do Sudeste Asiático destinada à proteção contra a discriminação por motivo de expressão de gênero”.
A filipina Pet afirma que não havia se sentido discriminada anteriormente em seu local de trabalho. “Vivi toda a minha vida sem ter que dizer para as pessoas o que sou. Os empregos que tive no passado foram de acordo com as minhas qualificações. Não estou acostumada com isso”, diz.
A professora está tentando converter seu caso negativo na Tailândia em uma experiência positiva escrevendo um conto infantil sobre como as crianças veem as pessoas trans. A história se chama Beki e eu [beki é como são chamados os gays nas Filipinas], e trata de um menino que idealiza uma pessoa que vive perto de sua casa por sua forma de dançar e cantar, mas não sabe que essa pessoa é transexual.
“As crianças acreditam que você é o que elas veem, para elas não há discriminação nem prejulgamentos. Se te acham bonita, é bonita. Se é uma professora e é uma mulher, é uma mulher. Não há barreiras para elas”, afirma a professora, que busca agora uma nova oportunidade no Vietnã como narradora de contos.
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