ABC espera melhora na economia e teme mudanças trabalhistas
Região onde Lula surgiu lida com a crise do parque automobilístico e se divide sobre apoio ao PT
Moisés Selerges, alto, careca e vestido de camisa branca e jeans, descia do caminhão de som após concluir uma jornada dolorosa em Diadema. Foi ele o responsável por falar aos trabalhadores da Mercedes Benz que a montadora anunciara o corte de mais 1.870 funcionários. “Aqui a gente reverteu as demissões anunciadas e abriu um plano de demissão voluntária”, consolava-se, ante números desastrosos para o setor: só em 2015 mais de 108.000 vagas foram fechadas.
Selerges, 50 anos, 30 deles na Mercedes, é diretor em um sindicato com lugar na história brasileira. Foi do comando dos metalúrgicos do ABC e Diadema, a região na área metropolitana de São Paulo que cresceu em volta da indústria, que Luiz Inácio Lula da Silva chegou à política e à presidência. Na semana em que o PT deixou o poder após 13 anos, no fim de agosto, a situação de Selerges e da região eram emblemáticas da encruzilhada e crise do partido e do ceticismo e desconfiança que envolvem Michel Temer. “O Temer está [na presidência] não para agradar os trabalhadores, talvez para agradar uma parcela da sociedade que são os empresários e o mercado financeiro”, afirma. O sindicalista considera que propostas de Temer, como a reforma trabalhista e a reforma da previdência são “temerosas” para os trabalhadores. Do outro lado, a Anfavea (Associação Nacional de Produtoras de Veículos) sinaliza ver nelas uma boia de salvação em meio à queda de vendas.
Do berço do PT à estreia das ocupações das escolas
A primeira escola ocupada em São Paulo foi o E. E. Diadema, na região central da cidade, por volta das 17 horas do dia 9 de novembro de 2015. A estudante Fernanda Freitas, 17 anos, estava entre os 20 jovens que iniciaram a ocupação.
A aluna que atualmente cursa a 3ª série do Ensino Médio e conseguiu a garantia que terminaria seus estudos na mesma escola, aponta que a ocupação foi orgânica e não sofreu influência do movimento grevista metalúrgico que mobilizou a região mais de 30 anos antes.
“A ocupação foi coisa de emoção. Para a maioria dos alunos, aquela foi a primeira experiência como militante, de ir para a rua de verdade, mesmo o ABC tendo uma política muito avançada, não teve nenhuma relação”, conta.
A educação no governo Temer não desperta muito a confiança de Fernanda. “Ele era vice da Dilma e a forma como ele chegou mostra boa parte do caráter dele. Estamos vendo o que ele está tentando fazer com as leis trabalhistas, os cortes na educação, muita coisa de ruim. O que pode acontecer é o povo se revoltar a ponto de novas eleições”.
Até 2014, o parque automobilístico do ABC vivia dias festivos se comparado à decadência de áreas congêneres em várias partes do mundo. Batia recordes de produção e venda embalada pelo crescimento da economia nos anos Lula e anabolizada pelos incentivos do Governo petista para a compra de carros novos. A ressaca viria com a recessão do segundo mandato de Dilma Rousseff e o fim das isenções de impostos.
No comando de um sindicato com 56.000 trabalhadores filiados, Selerges também atribui ao menos parte da situação à Operação Lava Jato. “Quem compra caminhão no Brasil são empresas de logística que transportam a produção, que está parada e as empreiteiras que estão envolvidas na Lava Jato. Nós pensamos que se o dono da empreiteira roubou, prende ele, mas a empresa tem que continuar fazendo as obras de infraestrutura no Brasil”, reclama.
Selerges repele Temer, mas sua própria história e os mais recentes resultados eleitorais da região mostram uma fotografia mista para o partido que acaba de deixar o poder e costumava ir bem na área. O próprio sindicalista, à diferença de Lula, não é filiado ao PT. Nas eleições de 2014, Dilma Rousseff teve vantagem em apenas duas cidades da região, Diadema e Rio Grande da Serra, e não é difícil encontrar os que demonstrem alguma esperança de melhora na economia com o novo Governo.
“Pelo o que vejo nas reportagens, parece que vai dar uma melhoradinha”, diz Juarez Pinto, que vende café em uma galeria popular no centro de Diadema. “De um ano pra cá, a gente começou a dar uma freada nas coisas. Eu estava trabalhando de pedreiro e o serviço na construção civil estacionou”, conta o balconista de 44 anos.
Perto dali, Bernadete Xavier Veloso, 67 anos, prepara seus doces para vender “quebra-queixo”. Ela conta que ainda não é aposentada, mas recebe uma pensão deixada pelo marido já falecido. “Eu recebia mais de um salário e meio e agora recebo só um salário e foi depois que ela [Dilma] foi eleita.” Os efeitos da inflação ela sentiu. “Um saco de coco é 90 reais, um quilo de açúcar é 3,50 a 4,00 reais. Se você comprava cinco quilos de feijão, hoje você compra um”, conta Bernadete. Sobre Temer, ela não sabe opinar, diz que apenas o vê na televisão.
Já o microempreendedor Gilberto José dos Santos, 56 anos, opina que não há muito esperar do Planalto. “Ele está começando agora, mas também não vai resolver muita coisa não”. Para ele, o maior erro foi a Justiça não deixar que Lula assumisse o cargo de ministro da Casa Civil. “Ele ia arrumar a casa porque a Dilma só não estava conseguindo”, lamenta. “Estão falando que a Dilma saindo, vem melhora... Agora melhore!”
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