A ciência de fazer maionese
Você tem medo da maionese caseira? Ela desanda e você vive apavorado com a salmonela? Chega de sofrer. A ciência ajuda a conseguir o molho perfeito e a evitar intoxicações
A maionese caseira – a rainha dos molhos, a pasta para untar por excelência – vive amedrontada. Sofre em silêncio a tirania das versões industrializadas, essas que prometem menos calorias, mais leveza e, num cruel exercício de ironia, um “estilo caseiro”. O fantasma da salmonelose paira há décadas sobre a maionese – cujo nome remete à cidade de Maó, na ilha mediterrânea de Menorca –, e por causa desse medo abandonamos sua elaboração caseira para nos ludibriarmos com as industriais.
O espectro da maionese desandada também colaborou para essa espécie de maldição culinária. É um tal de “não acerto o ponto”, “desperdiço óleo e ovos”, “fica com um gosto forte demais”, ou “suave demais”, e quarenta mil outras desculpas esfarrapadas. Para conseguir a maionese perfeita, basta seguir a receita da sua avó, que, sem saber nada de ciência, conseguia o milagre de juntar ovos, óleo e vinagre num único creme untuoso. Se você não tem avó, ou se quer finalmente entender como funciona essa fusão molecular e por que diabos a sua maionese desanda, a explicação está logo abaixo.
Assim como acontece no molho holandês e no vinagrete, a maionese é também uma emulsão de gordura (óleo) e água (ácido de vinagre ou limão). Para que esses dois inimigos figadais deem as mãos, é preciso um elemento emulsionante que faça os ingredientes se atraírem ao invés de se repelirem. Numa emulsão, os dois componentes principais não se dissolvem um no outro – eles conservam a incompatibilidade das suas moléculas, apesar de comporem um todo aparentemente homogêneo. Numa emulsão de óleo em água, como a maionese, diminutas gotinhas de gordura se dispersam dentro de um líquido ou fase contínua.
No nosso caso, o óleo ou azeite é o conteúdo, e a água (leia-se vinagre ou limão), o recipiente. As gotas de gordura, por mais que você as bata e as rompa, tendem a se juntar de novo, criando duas camadas separadas de óleo, por um lado, e de água, por outro. Para que se conciliem precisamos de um emulsionante, um elo que deve ter algo de ambos os mundos para estender uma mão ao óleo e outra à água: suas moléculas são parcialmente solúveis nos dois líquidos. O agente emulsionante recobre a superfície da fase dispersa (óleo), isolando-o do seu inimigo mortal (a água), e todos ficam contentes.
A gema de ovo é uma emulsão natural, e como tal está cheia de partículas emulsionantes, então é prefeita para unir os outros ingredientes da maionese num casamento perfeito. Os componentes específicos do ovo que possibilitam essa união são o LDL e o HDL, ou o que costumamos chamar de colesterol “ruim” e “bom”. Exposta à ação do sal, a gema se decompõe nessas partículas e numa proteína, também emulsionante, chamada fosvitina. Aí temos o primeiro dos fatores que podem desembocar em desastre na hora de fazer maionese: não colocar sal.
Para que desempenhe corretamente o seu papel, a gema do ovo precisa estar crua e temperada. Se estiver cozida, servirá para espessar, mas não tanto para emulsionar, porque suas proteínas estarão coaguladas. Se estiver fria, tampouco fará um bom papel, porque suas moléculas se movem muito lentamente e não recobrem uniformemente as gotas de óleo. Eis aí outro erro grosseiro, causa da maioria dos fracassos maionesísticos: se você guarda os ovos na geladeira, é muito provável que, ao juntá-los com o óleo, a temperatura ambiente faça a mistura desandar. Mau. Use sempre um ovo à temperatura ambiente.
Ovo inteiro ou só a gema?
A gema de ovo é uma emulsão natural, e como tal está cheia de partículas emulsionantes, então é prefeita para unir os outros ingredientes da maionese num casamento perfeito
Apesar de a clara ter pouco poder emulsionante, ela oferece um alto percentual de água e proteínas viscosas que servem como estabilizantes, então convém incluí-la. Caso contrário – e porque muitos acham mais purista a versão só com gemas (pela cor, ou sei lá por quê) – é recomendável usar duas delas para substituir um ovo inteiro.
A maionese pode conter até 80% de seu volume em gordura, já que uma só gema é capaz de emulsionar até dois litros de óleo. Mas quanto mais óleo colocarmos, maior a probabilidade de que a receita desande por saturação, uma vez que faltará fase contínua (água) para abrigar tamanha quantidade de óleo. De modo que em relação às proporções a quantidade de ovo não é tão importante, mas sim a de vinagre ou suco de limão.
Para conseguir a maionese perfeita, basta seguir a receita da sua avó, que, sem saber nada de ciência, conseguia o milagre de juntar ovos, óleo e vinagre num único creme untuoso. Se você não tem avó, a explicação é esta
O sábio Harold McGee diz em A Cozinha e os Alimentos que para cada volume de óleo colocado na maionese é preciso colocar aproximadamente um terço de tal volume “formado pela combinação de gemas, suco de limão, vinagre, água ou algum outro líquido de base aquosa”. As quantidades que coloco na receita abaixo são para se fazer 220 gramas de maionese espessa. Se a quer mais sólida, coloque mais óleo; se a prefere mais fina, segure a mão no óleo, ou acrescente ao final um pouco de leite para diluí-la. Mas se quer fazer um litro de maionese é preciso calcular desde o começo utilizando pelo menos 4 vezes mais a quantidade de líquido aquoso.
Azeite de oliva ou óleo de girassol?
Sobre as propriedades físicas da maionese, tanto faz o tipo de óleo, de modo que o melhor é seguir seu paladar. É preciso uma quantidade importante de óleo, portanto se usar unicamente o azeite de oliva o sabor pode ficar forte. Segundo McGee, os azeites de oliva extra virgem velhos e armazenados de forma incorreta têm mais probabilidade de conter moléculas instáveis que podem desandar a maionese.
220 gramas de maionese perfeita
Dificuldade
Ingredientes
Preparação
Se você consegue passar a maionese no pão, pode fazê-la.
Para 220 g de maionese
- 1 ovo médio ou 2 gemas à temperatura ambiente
- 4 g (meia colher de sopa) de sal
- 7 g (uma colher de sopa) de suco de limão ou vinagre
- 160 ml aproximadamente de óleo (óleo de girassol, azeite de oliva ou mistura)
- Descascar em uma tigela separada o ovo e uma vez comprovado que não contém nenhum pedaço de casa, colocá-lo em um recipiente alto e estreito (como o copo da batedeira) completamente limpo e seco.
- Acrescentar o sal, o vinagre e um pouco de óleo (20 gramas ou uma colher de sopa). Introduzir o braço da batedeira até o fundo e bater tudo junto durante dois minutos até misturar a massa.
- Despejar pouco a pouco o resto do óleo em um fio fino sem parar de bater, mais rápido à medida que a maionese ficar mais espessa.
- Quando obtiver a espessura desejada, provar o sabor e colocar mais sal se for necessário.
Vinagre ou suco de limão?
Suas características são semelhantes, de modo que da mesma forma que o óleo, escolha o que mais lhe agrada.
Como devo bater?
Aqui entram em cena muitas lendas e mitos. Em sentido horário, com batedeira, sem batedeira, primeiro sem mexer e depois sim... Na receita explico a técnica mais simples, mas conseguimos melhores resultados sem que a maionese desande se começarmos somente com um pouco de óleo, ovo e sal, acrescentando o ácido e o restante do óleo depois quando a maionese já estiver espessa e for necessário reduzi-la. Quanto mais viscosa for a fase contínua no começo, mais se dividem as gotas de óleo e o processo de emulsão começará mais rápido. É importante colocar no começo apenas um pouco de óleo, e quando a maionese começar a ficar espessa continuar acrescentando-o pouco a pouco, para não saturar a emulsão.
Que faço se, apesar de todo, se me corta?
É possível que graças a algum desastre natural ou pela ação do frio da geladeira, a maionese desande e uma certa quantidade de azeite se separe. Se isso acontecer com uma maionese já feita, podemos recuperá-la simplesmente batendo, integrando à força a fase dispersa outra vez na contínua com a ajuda da batedeira. Se o cataclismo ocorrer enquanto ela estiver sendo feita, o melhor (e que sempre funciona) é bater um pouco da maionese desandada com uma gema de ovo à temperatura ambiente e ir colocando pouco a pouco o resto da maionese malsucedida.
E a salmonelosis?
Um em cada vinte mil ovos, calcula-se, contém bactérias de Salmonela em sua casca. Por contato direto e contaminação cruzada, elas podem acabar na comida. Se os ovos contaminados não passam por um processo de cocção a 70° (como na maionese e no recheio de creme em doces), as bactérias podem permanecer intactas, proliferar se não são refrigeradas e provocar a doença conhecida como salmonelose. O risco pode ser evitado tendo muito cuidado na manipulação dos ovos, descascando-os em um recipiente separado para se certificar de que não fiquem com nenhum pedaço de casca.
Os ácidos utilizados na elaboração da maionese dificultam a multiplicação das bactérias, mas em qualquer situação depois de feita nunca se deve deixá-la à temperatura ambiente. Ou ela é consumida imediatamente ou é refrigerada na hora. Também é possível fazer a maionese com ovos pasteurizados, de modo que sua elaboração e consumo não devem implicar nenhum risco à saúde. Levar a salada de maionese em um recipiente plástico à praia não é uma boa ideia. Colocar a maionese (e qualquer receita feita com ela) na geladeira por até dois dias, tudo bem.
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