Bolsa Família enfrenta novo Governo com críticos do programa
O programa terá de sobreviver em um ministério formado por detratores do subsídio
Faz cinco meses que Bartolomeu Brito Franca, um operário desempregado de 45 anos, vive do salário de 1.000 reais de sua mulher. O casal tem uma filha de quatro anos e vive em uma casa de tijolos em Heliópolis, uma das maiores favelas de São Paulo, que fica a mais de uma hora de ônibus do centro da cidade. A família é uma das 13 milhões de beneficiárias do Bolsa Família, um programa que oferece de 77 a 336 reais aos mais pobres em troca de que suas crianças estejam matriculadas na escola. Em números absolutos, 47 milhões de pessoas, ou cerca de 25% da população brasileira, se beneficiam do programa. Há três anos Bartolomeu recebe 112 reais por mês, uma quantia que não resolve seus problemas financeiros, mas paga os sapatos e as roupas da pequena Beatriz.
Eleitor do Partido dos Trabalhadores (PT), a sigla de Dilma Rousseff e Luiz Inácio Lula da Silva, que tirou mais de 30 milhões de brasileiros da pobreza – com ajuda, entre outras coisas, do Bolsa Família – Bartolomeu agora teme perder seu benefício: “Sem esse dinheiro passaríamos por ainda mais dificuldades”.
Em São Paulo, a capital econômica do país e segundo Estado em número de beneficiários depois da Bahia, o Bolsa Família funciona mais como um complemento de renda. Mas na região Nordeste –muito mais deprimida e rural– o programa é responsável por trazer um prato de comida à mesa, que antes do benefício custava a chegar. A realidade no nicho eleitoral do PT é que, apesar das possíveis fraudes, há famílias que passam fome, vivem em casas de barro construídas em terrenos baldios em regiões isoladas do sertão, e seu único sustento é o Bolsa Família.
Na periferia paulistana ele também tirou gente do aperto. “O programa chegou num momento muito difícil da minha vida, quando eu não tinha um real para comprar pão”, lembra Valéria da Silva, eleitora do PT, mãe de três filhas com idades entre 16 e 27 anos e uma das primeiras beneficiárias desde 2003. “Foi um presente, eu valorizo muito e sou muito grata por isso. Minha situação melhorou ao longo dos anos, mas ainda assim eu preciso”, completa a educadora, que dá seus 112 reais para a filha mais nova.
Vilma Gomes, mãe solteira de uma menina de 12 anos, reduz seu discurso a algumas frases que de alguma forma refletem a sensação de seus vizinhos: “Já votei muito no PT e não confio mais neles. Para nós, Temer é mais um, para os pobres nunca muda nada”.
A mudança de Governo depois da suspensão do mandato de Dilma Rousseff na última quinta-feira gerou esperança nos mercados e inquietude nos mais pobres. Dilma fez questão de frisar que seu vice-presidente e agora substituto, Michel Temer, que formou um ministério inteiramente masculino com a elite política mais conservadora do país, reduziria os programas sociais. O discurso calou fundo em seus eleitores. “O novo Governo tem que cortar muitos gastos e isso vai prejudicar os mais fracos. É claro que vai cortar benefícios. Lula e Dilma fizeram muito pelas classes populares, mas Temer...”, diz Bartolomeu.
Temer se apressou em dizer que não cortará benefícios sociais. Apesar disso, tem na sua equipe alguns críticos do programa. O ministro Ricardo Barros, por exemplo, deputado do PP do Paraná, e atual titular da Saúde, sugeriu no ano passado um corte de 35% no programa quando era relator do orçamento na Câmara.
Em um dos becos que dão forma à favela, Vanessa Nunes, de 34 anos faz mechas em sua única cliente. A cabeleireira também recebe 112 reais pela filha de 13 anos, dinheiro que usa para pagar a conta de luz. “Temer disse que não vai cortar, por isso temos de confiar nele, o Bolsa Família ajuda muito os políticos. O que eu não posso é ficar preocupada com a perda de 112 reais, a própria Dilma já poderia ter tirado com essa crise, mas a minha preocupação é muito maior, é com o futuro da minha filha”, explica. Seu marido, com quem consegue reunir uma renda mensal de 1.500 reais, entra no salão e começa a dirigir a conversa. “O Bolsa Família, indiretamente, tornou-se uma ferramenta para obter votos e é suficientemente importante para que ninguém queira acabar com ele”, afirma Wilson Massone, de 44 anos.
Contrários ao PT nas duas últimas eleições, os Massone acreditam que o programa deveria oferecer, além de dinheiro, formação para que seus beneficiários – um em cada quatro brasileiros – se emancipem dos braços do Estado. É uma visão semelhante à do atual ministro do Desenvolvimento Social, Osmar Terra, que em 2011 disse no Twitter: “Um programa social que não estimula a emancipação dos chefes de família, que não promove a sua autonomia a médio prazo, é uma coleira política”. A crítica alimenta o preconceito recorrente entre a elite brasileira que paga impostos de que o beneficiário do Bolsa Família, na verdade, ajudaria seus beneficiários a passar o dia sob a sombra de uma árvore sem fazer nada.
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