Quando o PT estava do outro lado: sigla lidera pedidos de impeachment
Das 132 denúncias de afastamento de presidentes recebidas pela Casa desde 1990, o partido de Dilma Rousseff encaminhou 50
A democracia brasileira pode ser jovem, mas é experiente quando o assunto é a tentativa de destituir o chefe do poder Executivo. Depois de 21 anos de ditadura militar (1964-1985), o primeiro presidente eleito pelo voto direto no país foi Fernando Collor de Mello (PRN) – que subiu a rampa do Planalto em 1990 com a promessa de erradicar a corrupção. Acusado justamente de corrupto, foi obrigado a dar marcha atrás em 1992, depois de sofrer o primeiro impeachment da história do Brasil e da América Latina.
Depois de Collor, até hoje, outros quatro presidentes ocuparam o cargo – Itamar Franco (PRN), Fernando Henrique Cardoso (PSDB), Luis Inácio Lula da Silva (PT) e Dilma Rousseff (PT). Todos eles sofreram vários pedidos de impeachment, mas só a petista viu um processo vingar novamente na Câmara de Deputados, que decidiu neste domingo pela continuação do rito no Senado, que pode afastá-la temporariamente ou definitivamente do cargo. De 1990 para cá, foram 132 os pedidos protocolados na Casa – 50 deles pelo Partido dos Trabalhadores, que de oposição enérgica ocupa no presente o lugar amargo do derrotado.
O PT é recordista isolado no ranking de pedidos de impeachment no país. Na época de Collor, o partido estava lá, representado entre os 29 pedidos ingressados contra ele na Câmara, na denúncia do fundador do PT, Hélio Bicudo – autor de um dos pedidos que figuram hoje contra Dilma. A denúncia fatídica, no entanto, foi assinada pelos presidentes da Associação Brasileira de Imprensa, Barbosa Lima Sobrinho, e da Ordem dos Advogados do Brasil, Marcelo Lavenère. Lula, que perdeu a eleição para Collor e era o presidente do PT, teve um papel articulador desse movimento, que congregava vários partidos e respondia ao clima político generalizado e ao clamor das ruas.
48 denúncias contra Dilma
No caso de uma infração penal comum (como roubo ou homicídio), tocar um processo de impeachment contra um presidente cabe ao Supremo Tribunal Federal. Mas qualquer cidadão está autorizado a pedir ante a Câmera de Deputados a saída do chefe do Executivo – desde que este tenha cometido um crime de responsabilidade. As regras sobre os processos de crimes de responsabilidade estão na Lei 1.079, sancionada em 1950 pelo presidente Eurico Gaspar Dutra.
Dilma Rousseff, desde 2011, foi alvo de 48 pedidos de impedimento (34 deles só em 2015) – um recorde da democracia brasileira pós-ditadura. O mais inusitado deles é de autoria de um cidadão de Sorocaba (SP), que solicitou o afastamento da presidenta justificando que, em 2011, ela “apresentou vídeo em que ele estava no interior da sua residência sem roupas” durante participação no Superpop, da RedeTV!. De fato, Dilma participou do programa uma vez, em 2010, quando ainda era candidata – mas não houve nenhum registro de nudismo.
A queda de Collor se tornou um fato, e seu vice, Itamar Franco, ocupou o posto. Contra ele, que governou até as novas eleições, em 1994, houve quatro tentativas de impedimento – todas arquivadas. A última delas foi protocolada por Jacques Wagner (PT), ministro da Casa Civil de Dilma, usando como base, segundo notícia da Folha de S.Paulo à época, “o fato do ministro-chefe da Casa Civil, Henrique Hargreaves, ter submetido a MP do Plano Real à análise do comando da campanha de Fernando Henrique Cardoso”.
Nos dois períodos de Fernando Henrique Cardoso (1995-2003), para quem Lula também perdeu as eleições, foram 17 os pedidos de impeachment contra o tucano (só um deles no primeiro mandato). O PT apresentou quatro. O primeiro foi ingressado em abril de 1999, no início do segundo mandato, por Milton Temer (RJ), José Genoíno (SP) e Orlando Fantazzini (SP), que eram membros da bancada petista na Câmara. Sob a presidência daquele que hoje sobe ao poder no país, Michel Temer (PMDB), a casa rejeitou o pedido. A situação reagia, acusando-os de “golpe” e dizendo que o PT não aceitava o resultado das urnas.
Eles alegavam crime responsabilidade, que o ex-presidente – que vivia dias de baixa aprovação do Governo – teria cometido durante a execução do Programa de Estímulo à Reestruturação do Sistema Financeiro Nacional, o Proer, para financiar sua campanha com dinheiro dos bancos. Nos embates à época, iam além, acusando FHC de “estelionato eleitoral”, por ter prometido, durante a campanha da reeleição, o crescimento do país e a geração de empregos e por ter feito acordo com o FMI e ter criado uma política de recessão.
Evitando radicalismos que o complicassem nas eleições seguintes Lula, desta vez, não fazia parte da ofensiva – liderada naquele então pelo ex-prefeito de Porto Alegre Tarso Genro (PT), o primeiro a defender que FHC deveria reconhecer sua incapacidade de governar o país e líder de um movimento pró-renúncia, ao lado de Genoíno. Eram dias de agitação política, mas não havia recessão como a que o país vive hoje, e tampouco comoção popular contra a corrupção nos níveis atuais. É por essa combinação tóxica, para muitos, que Dilma caiu neste domingo. Como declarou o ex-deputado Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP) ao jornal OGlobo: “Imagina se naquela época tivesse a Petrobras, o mensalão e a oposição junto com esses três milhões de pessoas nas ruas? O FH não escapava de jeito nenhum”.
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