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CRISE POLÍTICA NO BRASIL
Coluna
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Chegar até o fim do dia

O drama de Dilma é o baixo consenso social mais a perda de controle parlamentar

Carlos Pagni

Ao chegar a Nova York, onde participa da Assembleia Geral das Nações Unidas, Dilma Rousseff deve ter ficado hipnotizada por uma novidade: o republicano John Boehner, presidente da Câmara de Deputados vai se encarregar de evitar que os talibãs do seu partido rejeitem o orçamento de Barack Obama para, depois, deixar o cargo. É o espelho invertido do seu próprio drama. Em um longo aviso publicitário, seu principal aliado, o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), anunciou que estava indo para a oposição. E o máximo líder do grupo, Michel Temer, vice-presidente da República, assegurou estar em condições de tirar o país da tormenta. Uma maneira elegante de pedir a renúncia de Rousseff.

A decisão do PMDB frustra a última jogada que Dilma imaginou para sustentar sua queda: entregar a esse partido mais ministérios, em troca de apoio parlamentar para afastar o impeachment. Na sexta-feira passada, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), classificou essa operação como um pacto com o diabo. Os fatos provaram que ele estava certo. Embora possam aparecer três ou quatro oportunistas determinados a assumir um ministério – quer dizer, três ou quatro batedores de carteira –, a estratégia de Rousseff terminou anulada.

A ideologia do PMDB é o poderismo. Seus líderes ocupam Governos estaduais, prefeituras, ministérios e controlam a maior força parlamentar do país. Segundo a inclinação eleitoral de cada distrito, podem estar com o Governo ou com a oposição. Um funcionário brasileiro retrata o partido dessa forma: “São como os peronistas argentinos, apenas se resignaram a não concorrer à presidência”.

O PMDB demorou a assumir sua posição contra Rousseff por causa de sua própria dispersão. Eduardo Cunha, presidente da Câmara dos Deputados, está enfrentado com o Governo. Por outro lado, o presidente do Senado, Renan Calheiros, ainda apoia o Governo. Temer ficou em segundo plano, embora tenha feito discretas viagens ao exterior para ficar conhecido por Governos e investidores. A publicidade difundida na quinta-feira passada indica que conseguiram atingir uma síntese. Os leões do PMDB envolveram seu ultimato com um idealismo que era desconhecido para eles: “É hora de reunificar os sonhos”. Sua mensagem principal é que “os Governos passam, mas o Brasil fica”. Para não dizer: “ficamos nós”. Isso fala Calheiros que, nas últimas décadas, participou de quase todos os Governos. Entre os que esgrimem essa tese corrosiva há quatro ministros de Rousseff. O gabinete está quebrado.

O drama da presidenta é que estão convergindo duas variáveis que costumam determinar a queda dos Governos: um nível muito baixo de consenso social, que não supera 8%, e a perda de controle parlamentar. Dilma conta com os legisladores necessários para evitar que o Congresso a remova. Mas não o suficiente para aprovar as iniciativas exigidas pela crise econômica. Este ano o PIB vai cair entre 2,5% e 3% e o déficit fiscal será de 9%. O dólar, que custava no fim de julho 3,39 reais, agora é negociado a mais de 4. Uma paridade de desgoverno. A contradição é mais aguda: os setores que ainda apoiam a presidenta, sindicatos e movimentos sociais, são os que menos toleram o ajuste. O ministro Joaquim Levy está sendo atacado por fogo amigo.

A única dimensão da vida pública que parece escapar da turbulência é a política externa. Como se o Itamaraty de Mauro Vieira fosse um misterioso mundo à parte, Rousseff poderia encaminhar o Mercosul, em novembro, a um acordo com a União Europeia, para o qual foi necessário quebrar a resistência da Argentina e do Paraguai.

Mas novembro é uma abstração para um poder que está pulverizado. Cardoso propôs que Rousseff constitua um Governo de unidade nacional com a promessa de renunciar dentro de um ano. Parece o Governo que Temer quer formar. Nada indica que esta opção vai ser a mais consistente. Porque os fatores que obscurecem o horizonte brasileiro são imprevisíveis. Um deles é a dinâmica econômica; o outro é o escândalo da Petrobras, que garante novas surpresas judiciais. Ninguém descarta que Lula e a própria Dilma terminem envolvidos no caso. Já houve respingos em Cunha e Calheiros, do PMDB.

Rousseff deve estar fascinada com as discussões da ONU: mudança climática, igualdade de gênero, reforma do Conselho de Segurança. Ali prevalece o longo prazo. Quando voltar ao Brasil terá só um objetivo: chegar até o fim do dia.

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