Ajuste fiscal inibe investimentos na já sobrecarregada área de saúde
Sem dinheiro, prefeitos preveem diminuir investimento em novos equipamentos públicos
Apontada pela população como o pior problema do país em diversas pesquisas, a área da saúde, vítima de um financiamento já insuficiente, pode sofrer uma piora com efeitos a longo prazo no atual cenário de crise política. Aliada ao ajuste fiscal do Governo federal, a diminuição na arrecadação local já tem levado gestores municipais, os principais responsáveis pela atenção básica (como pronto-socorro, posto de saúde e Samu), a repensarem os investimentos em novos equipamentos já planejados, assim como vem acontecendo na área da educação.
No final do mês passado, o Governo federal anunciou que o país terá quase 70 bilhões de reais a menos do que o programado neste ano para investir, 11,77 bilhões de reais deles na saúde. Apesar de garantir que programas essenciais como a atenção básica, a vacinação obrigatória e o programa Mais Médicos não serão afetados, já é possível saber que é menor a previsão de gastos gerais com programas e ações de saúde (o que, de fato, é aplicado em atendimento de saúde; exclui, por exemplo, itens como investimento em saneamento básico feito com verba do ministério).
Enquanto em 2014 a verba do órgão para esses programas e ações foi de 92,2 bilhões de reais, neste ano ela deverá ser de 91,5 bilhões. O ministério diz, no entanto, que o valor, que foi reduzido pelo ajuste fiscal, pode aumentar no decorrer do ano. A maior parte dessa verba é transferida para Estados e municípios, que fazem a maior parte do atendimento da população.
“O primeiro sintoma desse processo é a resistência de muitos gestores em fazer qualquer investimento. Investimento de hoje significa a ampliação dos gastos no futuro”, explica Fernando Monti, secretário municipal da Saúde de Bauru (interior de São Paulo) e presidente do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems). “Se a construção de uma unidade de saúde custa 5 milhões de reais, o município vai ter que gastar mais 5 milhões de reais por ano para conseguir mantê-la”, exemplifica.
Segundo ele, em uma reunião na semana passada com os representantes das secretarias municipais e estaduais de saúde, o ministro Arthur Chioro afirmou que o impacto dos cortes será concentrado justamente na área de investimentos e de emendas parlamentares –que costumam ser, também, pedidos de construção de equipamentos de saúde. Oficialmente, no entanto, o ministério diz que ainda avalia onde serão os cortes.
“Todos os municípios estão reavaliando seus planos de investimento. A gente não chegou a cortar nada ainda, mas estamos começando a reavaliar”, conta Adriano Massuda, secretário da Saúde de Curitiba e representante das capitais no Conasems. “Isso afeta investimentos em novos serviços que viriam para atender uma demanda já existente.” São, portanto, obras que, quando deixam de ser feitas, têm impacto não apenas agora, mas de longo prazo.
A situação pode se agravar ainda porque, além de a verba deste ano ser, no mínimo, suficiente apenas para manter os serviços que já existem, a tendência, em época de crise, é que o sistema de saúde público ganhe mais usuários. “Crise econômica traz maior probabilidade de perda de emprego, o que significa uma perda de plano de saúde para muita gente”, explica Monti. Atualmente, 50,8 milhões de brasileiros (25%) são atendidos por convênios médicos, sendo que 33,7 milhões deles são do tipo empresarial.
O Sistema Único de Saúde (SUS) brasileiro é o maior sistema de saúde público do mundo. Ele está disponível para os 200 milhões de brasileiros e, segundo a última Pesquisa Nacional de Saúde, divulgada nesta semana, 71,1% da população costuma procurá-lo com frequência.
Subfinanciamento
Apesar da dimensão, entretanto, a verba com a qual o sistema conta é insuficiente para mantê-lo com qualidade e com acesso igualitário em todas as regiões do país. Todos que atuam na área são unânimes em dizer que é fundamental se achar mais fontes de financiamento. Por isso, qualquer corte de verba que ocorra na área é recebido com enorme preocupação. Os gestores municipais denunciam, por exemplo, que no ano passado já gastavam em média 23% de seus Orçamentos com a saúde –valor acima, portanto, do mínimo constitucional de 15% (um montante concreto de 22 bilhões de reais a mais). “Estamos com a corda no pescoço. Os municípios chegaram no seu limite”, diz Monti. Estados também gastaram certa de 6 bilhões de reais a mais do que o mínimo (12%, no caso deles). A União deve aplicar 3 bilhões de reais a mais neste ano do que o cálculo constitucional a obriga (valor empenhado no ano anterior mais a variação nominal do Produto Interno Bruto do país).
Um movimento que reúne mais de cem entidades do setor, o Saúde Mais Dez, pedia que o país passasse a gastar ao menos 10% de suas receitas correntes brutas com o sistema. O Governo Dilma Rousseff argumentava que era impossível chegar a esse montante sem uma nova fonte de financiamento, como a extinta CFMF (imposto sobre transações bancárias que era revertido na saúde). O argumento ainda era de que a destinação de 25% dos royalties da exploração do pré-sal para a saúde deveriam trazer impactos positivos para a verba na área, mas a baixa do preço do barril de petróleo jogou um balde de água fria nos planos.
A proposta do Saúde Mais Dez acabou enterrada de vez pelo Congresso, que aprovou há dois meses a Proposta de Emenda à Constituição do Orçamento Impositivo, que prevê que ao longo de cinco anos o Governo federal deverá investir 15% da receita corrente líquida na área (o equivalente, mais ou menos a, a 8,3% das receitas correntes brutas). Na projeção de especialistas, esses 15% poderão representar, em cinco anos, um valor menor do que o Orçamento atual da área caso as receitas do país não melhorem – para exemplificar, quando utilizamos o valor das receitas correntes líquidas dos últimos 12 meses, esse valor seria de 96 bilhões de reais - o Orçamento total da saúde hoje passa de 100 bilhões. "Se quisermos ter um padrão universal de atendimento com qualidade, é preciso pensar em novas receitas para a saúde. Se isso não acontecer, não vamos seguir crescendo. Vamos apenas conseguir manter o que temos hoje e que já é insuficiente”, lamenta o secretário de Curitiba.
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