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Crise hídrica e caos social em São Paulo entram na pauta do Exército

Painel organizado pelo Comando Militar evidencia preocupação ante falta de água

María Martín
Alckmin deu início às obras de interligação de sistemas.
Alckmin deu início às obras de interligação de sistemas.Ciete Silvério/ A2D

O Comando Militar do Sudeste, que abrange todos os Comandos e Forças com sede em São Paulo, organizou terça-feira, dia 28, uma palestra sobre planejamento e estratégia com “o problema de abastecimento de água para consumo no Estado de São Paulo” como único assunto. É a primeira vez que a crise hídrica entra na agenda acadêmica dos militares.

O evento, destinado a professores e alunos universitários, e simpatizantes de organizações militares evidenciou a “preocupação com a possibilidade do caos social diante um cenário de desabastecimento na região”, conforme a avaliação de dois dos participantes. O diretor metropolitano da Sabesp, Paulo Massato, o professor de recursos hídricos da Unicamp, Antonio Carlos Zuffo, e a responsável pelo Departamento de Meio Ambiente da Federação de Indústrias de São Paulo (Fiesp) Anicia Pio foram os convidados para traçar os cenários que uma São Paulo sem água poderia atravessar. Com os principais reservatórios em queda desde a semana passada, a região metropolitana enfrenta o período seco com os reservatórios em uma situação ainda mais crítica que o ano passado.

“A crise hídrica não é um problema específico do escopo deste Comando Militar, mas um assunto a ser estudado por todas as autoridades envolvidas, acadêmicos e formadores de opinião, devido à relevância do tema”, esclareceu em nota, ao EL PAÍS, o Comando Militar.

A obra que vai ligar a Represa Billings ao Sistema Alto Tietê, uma das principais apostas do Governo de Geraldo Alckmin para evitar o desabastecimento, vai se atrasar pelo menos três meses e só será concluída em setembro

Massato, já habitual na hora de apresentar os piores cenários nesta crise, abriu a porta para a possibilidade da água acabar em julho. Ele afirmou, no entanto, que a conclusão das obras planejadas pela Sabesp pode garantir o abastecimento até o próximo período de chuvas, em outubro. "Daí a gente tem que rezar para chover em outubro", brincou ele, segundo uma das assistentes. Por enquanto, a obra que vai ligar a Represa Billings ao Sistema Alto Tietê, uma das principais apostas do Governo de Geraldo Alckmin para evitar o desabastecimento, vai se atrasar pelo menos três meses e só será concluída em setembro, conforme reconheceu – dias depois tê-lo negado – o próprio governador nesta segunda.

Perguntado então sobre o que aconteceria se as chuvas continuassem abaixo da média e as obras previstas não ficassem prontas, o diretor da Sabesp respondeu: “Vai ser o terror. Não vai ter alimentação [produção hortifruti], não vai ter energia elétrica... Será um cenário de fim de mundo. São milhares de pessoas e o caos social pode se deflagrar. Não será só um problema de desabastecimento de água. Vai ser bem mais sério do que isso...”. A fala, “em tom de brincadeira para evitar imprimir um tom apocalíptico”, foi registrada pelo site operamundi e confirmada, embora contextualizada, por quatro dos presentes no painel. Massato, porém, enfatizou que, tanto a Sabesp como o Governo estão fazendo de tudo para que isso não aconteça. "Água para beber não irá faltar, isso a gente consegue garantir, mas a gente não usa a água só para beber", disse Massato antes de afirmar que a água vai ficar cada vez mais cara.

Massato discursou sobre como seria difícil a questão logística num cenário sem água, sobretudo nos lugares onde não pode faltar o fornecimento como os hospitais. Só o Hospital das Clínicas precisaria de 300 caminhões-pipa por dia, uma quantidade de veículos que São Paulo não tem, nem vai ter, como já alertou o setor. “Os poucos que existem já estão contratados”, disse Massato.

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O exemplo de Itu

O diretor da Sabesp também mencionou o exemplo de Itu, município do interior de São Paulo onde no ano passado dezenas de famílias ficaram semanas com as torneiras secas e foram registrados distúrbios e assaltos colocando a falta de água como questão de segurança pública. Em resposta a uma pergunta sobre por que a Sabesp não tinha ainda adotado um rodízio, Massato quis evidenciar o caos que poderia explodir em uma megalópole como São Paulo se sofresse com cortes prolongados de fornecimento. “Ele pediu à plateia que pensasse que se em uma cidade como Itu chegou-se nessa situação em poucos dias, o que poderia acontecer em São Paulo”, lembra uma das assistentes. Massato, segundo os presentes ouvido pelo EL PAÍS, defendeu que a redução da pressão da rede adotada pela Sabesp que, na prática, supõe depender das reservas residenciais até 20 horas por dia, busca evitar um rodízio que teria um impacto muito maior na população, como já se viu em Itu.

A indústria paulista não pode ficar sem água e o setor não está preparado para um rodízio de um dia com água e cinco sem.

Pocurada para explicar as falas do seu diretor, a Sabesp não se manifestou.

Pio foi a responsável por perfilar a situação das indústrias ante um possível desabastecimento. Segundo a também ex-coordenadora de Recursos Hídricos no Governo do Estado em 1999, a escassez em regiões altamente afetadas pela atual crise do Sistema Cantareira (Região Metropolitana e Região Metropolitana de Campinas) está afetando cerca de 56.000 indústrias. Elas empregam diretamente 1,9 milhão de pessoas e equivalem a 50% do PIB industrial do Estado. Pio advertiu de que com a crise hídrica, a indústria paulista não pode ficar sem água e que o setor não está preparado para um rodízio de um dia com água e cinco sem, uma alternativa discutida na Sabesp e não descartada ainda neste ano.

Para a representante das indústrias, a crise hídrica está tendo reflexos na produção que preocupam o setor. "A falta de água, como já foi registrado no ano passado, poderia paralisar algumas produções, aumentar custos, adiar investimentos e impactar toda a cadeia produtiva", disse. Até hoje, o polo petroquímico de Paulínia, o maior da América Latina, foi o mais afetado por esta crise.

O professor Zuffo, que defendeu o caráter cíclico das chuvas, o chamado Efeito José, alertou que o período de escassez hídrica pode se prolongar até 2030-2040.

Volume do Cantareira continua em queda

Após quase três meses de boas notícias, o volume do Sistema Cantareira manteve nesta segunda-feira a tendência de queda que começou a se verificar na semana passada após um mês de abril com metade das chuvas da série histórica.

A represa, que abastece mais de cinco milhões de pessoas na Grande São Paulo, opera hoje com -9,5% da sua capacidade, segundo o novo cálculo que a Sabesp está obrigada a divulgar após uma liminar do Ministério Público Estadual que considera que a Sabesp só pode usar percentual positivo caso o sistema recupere seu volume útil. A situação é mais crítica do que a Sabesp havia previsto como pior cenário para abril de 2015 no plano de contingência enviado para a Agência Nacional de Água (ANA) em outubro de 2014, segundo publicou o Estado de S. Paulo. No documento, a companhia previa que o Cantareira chegaria nesta época com, no mínimo, -5% da capacidade.

Outro cálculo da Sabesp para informar sobre o volume disponível, que tem como base a quantidade de água no dia e a capacidade total do reservatório, incluindo as duas cotas do volume morto, situa o manancial em 15,3% da sua capacidade. O cálculo mais otimista, que considera a água disponível da reserva em relação à capacidade do volume útil, é o desta terça, de 19,7%. Um ano atrás o sistema beirava 27%.

O Sistema Alto Cotia, que fornece água para 400.000 pessoas, também registrou queda esta semana (de 65,5% na sexta a 65,3% nesta quarta), assim como o de Rio Grande (de 95,5% a 95,0%) e o Guarapiranga (81,7% para 81,2%). Os volumes do Rio Claro (51,2%) e do Alto Tietê (22,5%), a cuja capacidade já foi adicionada a reserva técnica para abastecer 4,5 milhões de pessoas, aumentaram sensivelmente no começo desta semana.

Para o professor de recursos Hídricos da Unicamp Carlos Antônio Zuffo, o nível dos reservatórios é “preocupante”, embora a Sabesp trabalhe para diminuir a demanda de abastecimento. O professor, porém, é otimista e acredita que nos espera um inverno mais chuvoso que nos últimos 40 anos.

O geólogo Sérgio Klein mostra-se mais alarmista e adverte que São Paulo, com os reservatórios “abaixo do nível desejável”, vai enfrentar neste inverno “um problema grave de fornecimento de água”. Segundo Klein, no meio técnico e acadêmico, se fala da possibilidade de um rodízio de cinco dias sem água por um dia com. O Governo de Geraldo Alckmin não descarta essa possibilidade, mas afirma que acredita que não será necessário. “O Governo nega até a crise, mas São Paulo não vai ter como fornecer água para 20 milhões de pessoas no período de seca. Vamos ter que conviver com o rodízio e com água de má qualidade”, afirma Klein.

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