_
_
_
_
Tribuna
São da responsabilidade do editor e transmitem a visão do diário sobre assuntos atuais – tanto nacionais como internacionais

Por que o protesto de domingo no Brasil é mais grave que o de 2013

As manifestações preocupam mais desta vez porque o país, em vez de ter melhorado, está pior do que então

Juan Arias

As manifestações de protesto convocadas para domingo no país todo, chamadas de 15/15, não serão as de 2013, quando os brasileiros foram às ruas para exigir um país melhor. Naquela ocasião este jornal se perguntou: “Por que o Brasil e por que agora?”. A resposta foi que diferentemente, por exemplo, do movimento dos indignados da Espanha, que protestavam pelo que as pessoas estavam perdendo com a crise econômica de 2008, os brasileiros exigiam o que ainda não tinham.

Mais informações
A polarização política nas redes
ENTREVISTA | “A corrupção está no Governo, não está no Parlamento”, diz Cunha
Presidenta diz que país passa por tempo difícil, mas minimiza crise
O comércio do impeachment

O de 2013 não foi um protesto para exigir uma mudança de governo, nem de regime político. Não ressoou nele o “Fora Dilma”. Exigiam-se dos governantes melhores serviços públicos, melhor qualidade de vida, melhor transporte, melhor saúde e melhores escolas. E menos corrupção política.

“Éramos infelizes e não sabíamos”, dizia uma dos milhares de cartazes criativos daquelas manifestações. Significava que os brasileiros se sentiam conformados com o já conseguido e não tinham tomado total consciência de que, por exemplo, seus serviços públicos ainda eram de terceiro ou quarto mundo, enquanto pagavam impostos de primeiro mundo.

A manifestação de 15/15 (ainda sem saber qual poderá ser sua força) será diferente. Não se pede apenas que as coisas melhorem; rejeita-se o Governo da recessão, da inflação que corrói os salários, de serviços cada dia mais caros, de uma carga tributária que sufoca a cada ano que passa. Não se aguenta mais a corrupção, cada vez maior e mais espalhada. E os participantes vão gritar que saia do comando do Titanic que faz água a equipe atual: o PT e sua comandante, a presidenta Dilma Rousseff.

Hoje, nem Rousseff nem o PT, com muita probabilidade, ganhariam as eleições

O protesto de 15/15 é mais grave que o anterior porque o Brasil, em vez de ter melhorado desde então, impulsionado pelas promessas feitas e não cumpridas, piorou.

É possível alegar que nas últimas eleições a maioria dos votos foi para Rousseff, e que é apenas a minoria que protesta hoje, inconformada com o resultado das urnas. Na verdade, quem toma o pulso da opinião pública pode notar, como revelou a última pesquisa do Datafolha, que essa maioria mudou. Hoje, nem Rousseff nem o PT, com muita probabilidade, venceriam as eleições.

De fato, uma dos motivos que mais irritam a sociedade é ter visto que a então candidata presidencial Dilma Rousseff não contou a verdade. Mostrou um Brasil feliz, pujante e sem crise. Jurou que não haveria cortes nem sacrifícios, menos ainda para os mais necessitados, e acusou seus concorrentes Aécio Neves e Marina Silva de quererem entregar o país aos banqueiros, que acabariam roubando a comida do prato dos pobres.

E hoje o ministro da Fazenda do novo Governo é o banqueiro Joaquim Levy, formado em uma das escolas mais ortodoxas e liberais dos Estados Unidos. E Rousseff lhe entregou, ainda que relutantemente, a tesoura que havia condenado.

A crise refletida no espelho dos protestos de hoje é de credibilidade. E quando um país perde a confiança em seus governantes e políticos é difícil voltar atrás.

Nada contagia mais que o desencanto, especialmente se esse desencanto mexe no bolso das pessoas, porque se converte inevitavelmente em irritação.

Se os protestos de 2013 foram importantes porque neles o Brasil democrático se reconheceu numa mesma esperança de melhora, o que hoje cabe pedir é que, como então, os brasileiros (até os mais irritados) sejam capazes de se manifestar pacificamente, afastando os violentos e os que pedirem soluções para a crise que não tenham o selo de garantia da democracia.

O filósofo Hegel elaborou a tese de que não se cria uma nova síntese (nesse caso, um Brasil melhor) sem antes ter criado a antítese do que já não funciona.

Foi essa a dinâmica de todas as revoluções da história. Algumas vezes souberam criar uma síntese de maior liberdade e prosperidade, e outras afundaram em sombrios totalitarismos.

Oxalá o 15/15, depois do “não” ao que a população rejeita, saiba dar um “sim” a um futuro de prosperidade e de responsabilidade política, para pôr novamente em marcha o trem descarrilado da economia.

Oxalá esse “sim” e esse “não” os brasileiros saibam dar juntos no domingo, sem violência, sem enfrentamento, sem prejuízos, sem bandeiras de ideologias ultrapassadas e perigosas, unidos numa mesma esperança de construir um país que nossos filhos possam herdar com orgulho, sem se envergonhar.

O Brasil pode e merece.

Que seu povo, que nasce com o gosto pela festa em seu sangue, transforme o protesto de domingo numa comemoração de sonhos com os olhos abertos. O Brasil também é isso.

Feliz 15/15!

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo

¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?

Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.

¿Por qué estás viendo esto?

Flecha

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.

Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.

En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.

Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_