“Meu filho não é um black bloc nem líder de nada, só um idealista”
A mãe do ativista preso há um mês durante um protesto em São Paulo considera seu filho "um bode expiatório"
A biomédica Helena Harano, de 54 anos, respira fundo, cerra os olhos, apoia as duas mãos sobre a mesa e diz firmemente: “meu filho é um bode expiatório”. Em cerca de 50 minutos de conversa, a mesma frase é dita outras quatro vezes. Quando abre os pequenos olhos nipônicos, fita o interlocutor de maneira bastante segura. Ela quer ter a certeza de que o recado foi dado.
“Eu queria que a Justiça entendesse que o Fábio não é um black bloc, não é um líder dos black bloc, não é líder de nada, só é um idealista”, diz ela se referindo ao filho Fábio Hideki Harano, preso desde o dia 23 de junho em São Paulo quando participava de um protesto contra a Copa do Mundo. Nesta terça-feira, a terceira câmara de direito criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo negou um pedido de habeas corpus feito pela defesa do jovem, o que o mantém preso.
Como ser líder de um grupo de ativistas tampouco é crime, Hideki foi detido pela polícia por cinco infrações. A mais grave é porte ilegal de artefato explosivo, cuja pena em caso de condenação varia de três a seis anos de detenção. Os outros supostos delitos que ele praticou foram incitação ao crime, associação criminosa, resistência e desobediência. Segundo a polícia, na mochila que o ativista carregava durante a manifestação havia um coquetel molotov. Fato veementemente negado por ele, por seus colegas e por testemunhas.
“Eu estava ao lado dele quando os policiais o revistaram. Viraram sua mochila de cabeça pra baixo e não tinha nada de ilegal”, afirmou o padre Júlio Lancellotti, que participou do ato e, até então, não conhecia Hideki. “Agora ele é meu amigo”.
Ele sempre foi pacífico. Acho até que foi preso por um pouco de ingenuidade Helena Harano
Aos 27 anos, completados no último dia 30 quando estava na penitenciária de Tremembé (interior paulista), Hideki tem a vida ligada à Universidade de São Paulo. Ele é técnico de laboratório concursado, estudante de jornalismo e diretor do sindicato dos trabalhadores dessa mesma instituição. Nos últimos anos tornou-se um ativista conhecido no meio dos militantes das mais diversas causas sociais. Mesmo não sendo usuário de maconha, participou de vários atos pela legalização da droga. Esteve também nos protestos contrários à desativação de uma linha de ônibus que afetaria os idosos atendidos no centro de saúde onde trabalha, na ocupação da reitoria da USP que pedia a expulsão da Polícia Militar do campus e no grupo de voluntários que recolheu doações para os desabrigados de Pinheirinho, em São José dos Campos.
“Ele sempre foi pacífico. Acho até que foi preso por um pouco de ingenuidade”, disse a mãe. O fato de ser alto, tem mais de 1,80m de altura, descendente de japoneses e cabeludo, para seus amigos, facilitou a identificação de Hideki pelos policiais. Além de ingênuo, ele é descrito pelos amigos como desatento. Todos os dias o ativista ia para o trabalho de bicicleta e era comum vê-lo começar a trabalhar vestindo um capacete de motocicleta. “Ele usava o capacete de ciclista, mas como uma vez se machucou, decidiu usar o de motoqueiro mesmo”, relata a mãe. Era com esse capacete que ele estava quando foi detido e, por usar esse equipamento, dois policiais a paisana o identificaram como um adepto da tática black bloc.
Apoios
“A polícia precisava dar uma resposta à sociedade. Essa é uma prisão política”, disse o advogado Luiz Eduardo Greenhalgh, que o defende contra as cinco acusações. “No começo, o Fábio achou que sairia rapidamente. Agora já está mais consciente de que a prisão pode demorar um pouco mais de tempo.”, afirmou Helena, que diz não contar o tempo que o filho está preso para não sofrer mais.
A polícia precisava dar uma resposta à sociedade. Essa é uma prisão política Luiz Eduardo Greenhalgh
No presídio, Hideki teve de mudar de hábitos. Teve a longa cabeleira raspada, passou a usar uniforme e voltou a comer carne, cinco anos após ter se tornado vegetariano. Intensificou a leitura e na última semana estava lendo ao menos dois livros. “Um do Harry Potter, bem grosso, e outro de economia”, revela a mãe.
Enquanto ele não sai, seus amigos e até pessoas que nunca o viram fazem uma série de atos e mobilizações nas quais acusam a polícia de ser arbitrária e o transformaram em um símbolo dos ativistas. Seu rosto estampa camisetas e cartazes pelas ruas com os dizeres #LiberdadeParaHideki e #PodiaSerEu. Um site foi criado pedindo sua libertação e vídeos foram postados na Internet mostrando o momento de sua prisão. Há ainda uma série de depoimentos a favor do ativista que, em alguns momentos é chamado de Jaspion ou de High Tech. A indignação chegou ao ponto de 82 juristas, advogados e defensores públicos assinarem um manifesto requerendo a soltura de Hideki e de Rafael Marques Lusvargh, que foi preso no mesmo ato. No documento, advogados, como o constitucionalista Fábio Konder Comparato e o ex-governador do Rio de Janeiro Nilo Batista, dizem que as detenções foram ilegais.
A reportagem não localizou os defensores ou familiares do professor de inglês Lusvargh. Antes de ser preso há quase um mês, este professor já havia sido detido em um protesto na abertura da Copa, em Itaquera. Na ocasião, dois policiais dispararam spray de pimenta a menos de dez centímetros de seus olhos.
Questionado sobre a suposta arbitrariedade nas prisões de Hideki e Lusvargh, o secretário da Segurança Pública de São Paulo, Fernando Grella Vieira, preferiu não se manifestar. “O caso está sub judice. Não tenho o que falar sobre isso. Resta esperar a Justiça decidir.”
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