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Bombas de gás e spray nos olhos: é assim que a polícia reage aos protestos

Um grupo de ativistas, estudiosos e defensores públicos registram uma série de irregularidades contra manifestantes na abertura da Copa do Mundo

Policial dispara spray de pimenta em manifestante imobilizado.
Policial dispara spray de pimenta em manifestante imobilizado.Robson Fernandes (ESTADÃO)

Um policial militar esguicha spray de pimenta a menos de dez centímetros de distância dos olhos de um homem rendido, que mais cedo já tinha sido atingido por dois tiros de balas de borracha no tórax. Outro PM joga uma motocicleta sobre uma mulher e a encurrala passa o veículo sobre seu pé. Mais dois agentes pressionam a nuca de um outro detido com os joelhos. Tudo isso, minutos após lançarem dezenas de bombas de gás em pequenos grupos espalhados pela zona leste paulistana.

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É assim que a Polícia Militar reagiu aos protestos contrários aos gastos da Copa do Mundo na quinta-feira, dia da abertura do torneio em São Paulo. A dura repressão policial não tardou a começar, e, ao que tudo indica, terá um final feliz para os agressores.

Um dos fatos que mais chamou a atenção nas manifestações de São Paulo foi o do administrador de empresas Rafael Marques Lusvarghi, de 29 anos. Sentado no chão, com as mãos e o pescoço imobilizados um capitão da PM com olhar sádico ele teve spray de pimenta espargido sobre seus olhos por um outro agente. “Foi um típico caso de tortura. Não falo com paixão, mas baseado na lei”, denunciou o defensor público Carlos Weis, que esteve como observador dos protestos junto com um grupo de mais 13 defensores.

A ação foi flagrada por fotógrafos. O policial, porém, não foi punido nem identificado, assim como o que atropelou o pé de uma mulher ao redor da estação de metrô Tatuapé ou os que se ajoelharam nas costas de outro na estação Carrão. Esse ciclo de impunidade já dura um ano. Isso é o que mostram os dados da Secretaria da Segurança Pública paulista. Desde junho do ano passado, quando iniciou uma série de protestos, nenhum policial foi punido por abusos ou agressões contra manifestantes. Nem os que cegaram com uma bala de borracha o fotógrafo Sérgio Silva ou feriram com o mesmo artefato a jornalista Giuliana Vallone, da Folha de S. Paulo, no rosto sofreram qualquer punição.

Os Black Bloc consideraram o protesto  um sucesso. Conseguiram  a exposição internacional e devem repetir o mesmo nas próximas semanas Esther Solano, pesquisadora

A alegação do governo Geraldo Alckmin (PSDB), que prometeu investigar mais essas ilegalidades, é que as apurações não foram concluídas porque as testemunhas não ajudaram a identificar quem seriam os agressores. E sobre a forte repressão desta quinta-feira, a justificativa dada pelo governador foi de que a PM quis evitar situações piores ao impedir que os manifestantes bloqueassem a Radial Leste, um dos acessos ao palco da partida inaugural, o estádio do Itaquerão.

“A polícia evitou situações mais graves porque estávamos na abertura da Copa, 60.000 pessoas indo para o estádio, muita gente na rua. Imagina se a Radial Leste é fechada, as pessoas não conseguem ter acesso e o caos que poderíamos ter tido com graves consequências até para a integridade física das pessoas”, afirmou Alckmin ao jornal O Estado de S. Paulo.

Estado de exceção

Enquanto o governo apresenta suas desculpas, as entidades e os defensores dos direitos humanos disseram estar espantados com a atuação da polícia. A ONG Conectas Direitos Humanos destacou em seu site que a ação da PM violou direitos à livre circulação, manifestação e expressão, inaugurando um período de exceção no país.

“Ao blindar o evento, a polícia está atropelando a Constituição e atacando sua própria razão de ser: que é justamente a de proteger o cidadão e garantir o livre exercício de seus direitos. A PM não pode se transformar numa milícia a serviço da Fifa, disse Juana Kweitel, diretora de Programas da Conectas.

Policiais sobre manifestante no metrô Carrão, em São Paulo
Policiais sobre manifestante no metrô Carrão, em São PauloVictor Moriyama (Getty Images)

Pesquisadora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), a professora Esther Solano diz que a violência pelas duas partes já era esperada. “Só não esperava que seria uma guerra”, opinou.

Há um ano Solano desenvolve uma pesquisa sobre a atuação dos Black Bloc, que são os manifestantes adeptos da depredação e da violência durante as manifestações. Nesse período, não aconteceram mudanças no controle dos protestos. “As autoridades não sabem o que fazer com os protestos. É uma negligência por parte dos governos federal e estaduais que deixam a polícia resolver seus problemas e não negociam com ninguém”, afirma Solano. Para ela, isso vai gerar mais violência até o fim do Mundial. “Os Black Bloc consideraram o protesto de ontem um sucesso. Conseguiram o que queriam, a exposição internacional e devem repetir o mesmo nas próximas semanas.”

Um grupo denominado Advogados Ativistas também acompanhou os protestos e elaborou um relatório sobre as manifestações. Nele, consta que 47 pessoas acabaram detidas, 37 precisaram receber atendimento médico e jornalistas de vários grupos de comunicação foram atacados.

Os protestos contra a Copa não se limitaram a São Paulo. No Rio, sete pessoas foram presas e um grupo de manifestantes confrontou alguns torcedores que queriam assistir à partida entre Brasil e Croácia na Fan Fest. Em Belo Horizonte, Porto Alegre e Brasília, houve vandalismo e detidos. Sete cidades do nordeste, entre elas duas sedes do Mundial, Salvador e Fortaleza, registraram pequenos protestos.

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