ONU pede que países desenvolvidos encerrem fabricação de carros a combustão em 2035
Secretário-geral da organização define pela primeira vez uma meta concreta para o setor de transporte por rodovias. Guterres propõe que nações em desenvolvimento tenham margem para cumprir prazo até 2040
O fim da fabricação de carros a combustão começa a ser vislumbrado com clareza. Vários países estabeleceram datas específicas para interromper o registro de veículos novos que funcionem com gasolina, diesel ou outros combustíveis fósseis. Mas, pela primeira vez, a Organização das Nações Unidas (ONU) propôs nesta quinta-feira uma meta comum: que os países desenvolvidos parem de produzir veículos a combustão até 2035. Os países em desenvolvimento teriam margem até 2040.
A proposta foi apresentada pelo secretário-geral da ONU, António Guterres, na abertura de uma conferência sobre transportes sustentáveis que as Nações Unidas estão realizando em Pequim, a capital chinesa. Guterres formulou esta petição sobre a necessidade de descarbonizar o transporte para que possam ser cumpridos os compromissos do combate às mudanças climáticas. O objetivo do Acordo de Paris é que o aumento da temperatura média mundial em relação aos níveis pré-industriais permaneça entre 1,5 e 2 graus. Mas os planos de redução das emissões de gases de efeito estufa que as nações mantêm levam a um aquecimento de cerca de 3 graus. É por isso que são necessárias “metas mais ambiciosas e críveis” também no setor dos transportes, que é responsável por cerca de 20% das emissões mundiais de gases do efeito estufa, já que a grande maioria das viagens é feitas por motores a combustão.
“Os Governos têm que incentivar opções de transporte limpo, até mesmo por meio de normas e impostos, e impor uma regulamentação mais rígida da infraestrutura e das vendas”, pediu Guterres. O secretário-geral da ONU também enfatizou que “as políticas de transporte que fomentam” as bicicletas e pedestres em áreas urbanas nos países desenvolvidos podem ajudar a combater as mudanças climáticas e a poluição e a melhorar a saúde.
No que diz respeito ao transporte marítimo, setor que, com a aviação internacional, está sendo deixado de fora dos planos de redução de emissões que os países estão apresentando, Guterres preconiza que todos os deslocamentos sejam de “emissão zero” em 2050. Além disso, “as empresas precisam começar a usar combustíveis de aviação sustentáveis agora, a fim de reduzir as emissões de carbono por passageiro em 65% até 2050″, disse o secretário-geral da ONU.
Cúpula do clima
A proposta lançada nesta quinta-feira pela ONU se enquadra nos esforços diplomáticos que o Reino Unido está adotando para a cúpula do clima, marcada para as duas primeiras semanas de novembro em Glasgow. O objetivo é estabelecer um cronograma específico para o fim das vendas de carros a combustão e para que o maior número de países se comprometa a respeitá-lo.
Por ora, uma dezena de países europeus declarou oficialmente o fim dos motores a combustão, de acordo com o último balanço do Conselho Internacional de Transporte Limpo (ICCT, na sigla em inglês). A Noruega, o mais avançado neste campo, vetará novos registros de carros a combustão e vans a partir de 2025. A Espanha estabelece 2040 em sua lei de mudanças climáticas como o último ano em que serão permitidos registros de carros a combustão.
Em julho, a Comissão Europeia lançou sua proposta de um plano climático para esta década. Esse programa envolve vetar novos carros e vans que emitam dióxido de carbono em 2035, o que na prática significaria o fim do registro de veículos a gasolina, diesel, gás natural e híbridos. A ONU agora se alinha com a proposta da Comissão. Mas o plano de Bruxelas ainda é isso, uma proposta, pois terá que ser aberta uma negociação com os Governos dos 27 países membros da EU. Alguns Estados do bloco não estão convencidos a definir o fim dos carros a combustão até 2035 por medo de prejudicarem suas indústrias.
Carlos Rico, especialista em mobilidade da associação Transporte e Meio Ambiente (T&E, na sigla em inglês), acredita que “eletrificar o transporte rodoviário não é apenas a melhor forma de descarbonizar o setor que mais contribui para as mudanças climáticas, mas também uma grande oportunidade industrial para a Espanha e a Europa avançarem em uma recuperação econômica verde, justa e sustentável”. “A transformação para uma mobilidade sustentável vai melhorar a nossa economia, o meio ambiente, a saúde e a qualidade de vida”, acrescenta este perito, que espera que o plano de recuperação europeu contribua para a descarbonização do transporte rodoviário graças ao impulso aos veículos elétricos por meio de fundos públicos.
Fora da Europa, poucos países aprovaram calendários específicos. O Canadá também assumiu 2035 como o teto e Cingapura, 2030, de acordo com dados do ICCT. A eles se juntam os Estados norte-americanos da Califórnia e Nova York, que também colocaram esse ano como meta.
Para Mónica Araya, especialista em mobilidade elétrica e uma das assessoras da cúpula do clima em Glasgow, “o discurso do secretário-geral é corajoso e estabelece um marco”. Em sua opinião, “a era dos motores a combustão interna está chegando ao fim e isso não pode ser um tabu”. “Aqueles que defendem o transporte limpo sabem que os próximos cinco anos serão vitais para a eletrificação e estamos trabalhando para acelerar a paridade de preços entre os modelos poluentes e os de emissão zero. Se tivermos sucesso, isso acontecerá até 2026 e será vital tornar a transição mais acessível e mundial”, acrescenta.
O pedido feito pela primeira vez por Guterres nesta quinta-feira não tem força legal. Mas representa uma meta específica na qual focar. Algo semelhante ao que aconteceu com o carvão. A ONU vem instando os países desenvolvidos há anos a eliminar o carvão da geração de energia até 2030 —o restante deveria fazer isso até 2040. Espera-se também que na cúpula de Glasgow haja anúncios do abandono do carvão, outra das grandes fontes de emissão de gases do efeito estufa no mundo.
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