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Alta do petróleo alivia a América Latina petrolífera

Brasil, Argentina e, em menor medida, Colômbia, México e Equador são os maiores beneficiados na região

Vários petroleiros navegam nas águas de Macaé, no Rio de Janeiro, onde a Petrobras tem uma de suas maiores plataformas em alto mar.
Vários petroleiros navegam nas águas de Macaé, no Rio de Janeiro, onde a Petrobras tem uma de suas maiores plataformas em alto mar.Ricardo Moraes (Reuters)
Ignacio Fariza

O roteiro deu uma guinada de 180 graus em tempo recorde. Em abril de 2020, em plena explosão da pandemia, o petróleo era um anátema e os países da América Latina e do Caribe que dependem das vendas dessa matéria-prima para crescer e estabilizar suas contas públicas, que não são poucos, sofriam com os rigores dos preços baixos. Um ano e meio depois, a realidade é bem diferente: com o barril de petróleo acima de 80 dólares (441 reais), quase 60 dólares a mais do que naquela ocasião, o Brasil, a Colômbia, a Argentina e a Guiana, e em menor medida o México, o Equador e a Venezuela, estão recebendo um potente balão de oxigênio que muito poucos tinham em suas coordenadas.

“Ainda estamos longe dos máximos, mas são preços altos na comparação histórica”, aponta por telefone Francisco Monaldi, especialista em energia do Baker Institute. “A chave é quanto tempo eles durarão: se for por um período curto, o impacto não será muito significativo, mas se se prolongarem serão um alívio muito importante para muitos países da região. As matérias-primas, particularmente o petróleo, continuam sendo muito importantes.” Uma informação fala por si só: com o barril nos níveis atuais, enfatiza Marcelo de Assis, chefe para a América Latina da empresa de consultoria especializada Wood Mackenzie, “todos os campos de petróleo latino-americanos são rentáveis”.

Apresentamos a seguir uma breve radiografia dos países beneficiados pelo bom momento que o petróleo atravessa nos mercados internacionais. Os que não aparecem na lista estão na situação oposta: para eles, o petróleo mais caro aumenta a conta das importações e eleva o gasto público.

Brasil. Em poucos anos, o indiscutível líder regional deixou de ser um país afetado pelas altas do petróleo, que pioravam sua balança comercial, e passou a ser claramente beneficiado. “Historicamente, sempre que o preço subia, era uma tragédia. Agora, isso é bom para ele”, afirma Monaldi. Nesse meio tempo, várias descobertas importantes transformaram o gigante latino-americano em um dos nomes-chave do mapa petrolífero mundial e no maior exportador líquido na faixa de terra que vai de Ushuaia ao rio Bravo.

Sede da Petrobras, no Rio.
Sede da Petrobras, no Rio.Sergio Moraes (Reuters)

Em 2020, apesar da pandemia, o Brasil arrecadou quase 20 bilhões de dólares (110 bilhões de reais) graças a isso, e neste ano deve superar bastante essa cifra. Além disso, é um dos países que estão tirando mais proveito do fato de não pertencer ao cartel da Organização de Países Exportadores de Petróleo (OPEP), que nos últimos anos impôs cotas a seus membros para reduzir a oferta total e estabilizar o mercado. Ao ficar isento desse limite, o Brasil aproveitou a oportunidade para aumentar suas vendas para a Ásia, de longe o continente que importa mais petróleo. “É o maior beneficiado do bloco”, assinala Lisa Viscidi, chefa de Energia do centro de análise Diálogo Interamericano. “Exporta muito, principalmente para a China, e as vendas se mantiveram em níveis altos mesmo nos piores momentos da pandemia.”

Argentina. Um piada corria no ano passado nos círculos de poder da indústria extrativa regional. A jazida de Vaca Muerta (“vaca morta”) − a grande esperança petrolífera argentina—, dizia-se, estava mais morta que nunca. “Agora, porém, pode-se dizer que Vaca Muerta está bem viva”, aponta Monaldi, do Baker Institute. Por ser um petróleo não convencional − também conhecido como shale −, os 30.000 quilômetros quadrados de solo repletos de gás e petróleo na Patagônia precisam de preços mais altos para ser lucrativos. “Mas com os preços atuais, sem dúvida são”, enfatiza Viscidi. O velho sonho argentino de ser exportador em vez de importador líquido de petróleo de forma sustentada está mais próximo: segundo as estatísticas da Agência Internacional da Energia (AIE), no muito atribulado 2020, o país conseguiu por pouco.

Funcionário mede pressão no campo de Vaca Muerta, na Argentina.
Funcionário mede pressão no campo de Vaca Muerta, na Argentina.E. MARCARIAN (EFE)

“A extração de não convencionais precisa de preços de 40 dólares ou mais para ser rentável. O caso de Vaca Muerta é muito claro: ao preço atual, as oportunidades que oferece são muito boas”, afirma Alfonso Blanco, secretário executivo da Organização Latino-Americana de Energia (Olade). Mesmo assim, argumenta Viscidi, as instalações argentinas “ainda precisam de mais investimentos estrangeiros para poder expandir a produção dessa área”. E aí o desafio não é o preço de venda, “mas um ambiente macro ou político que continua sendo percebido como muito arriscado”.

Em um momento especialmente complicado para o fisco argentino, o aumento de receita é igualmente notável. Para a província de Neuquén, onde se localiza Vaca Muerta, a alta de preços significará um bom alívio em suas contas públicas, algo com que ela não contava no início de ano.

Para o Governo do peronista Alberto Fernández, o petróleo é uma fonte de divisas que não pode ser desprezada. No início de outubro, o Executivo enviou ao Congresso o projeto da Lei de Promoção de Investimentos em Hidrocarbonetos, que pretende atrair investimentos para, precisamente, Vaca Muerta. O projeto prevê um esquema de incentivos com base na garantia de maiores autorizações de exportação e na disponibilidade de divisas para projetos que garantam um aumento na produção de gás e petróleo. Mas os benefícios da alta do preço do petróleo têm seu lado negativo no gás. Assim como a Argentina exporta seu excedente de petróleo, ela importa gás, que chega liquefeito em navios aos portos do sul de Buenos Aires ou por gasodutos que vêm da Bolívia. O saldo do complexo de hidrocarbonetos em 2020 foi negativo em quase 1,9 bilhão de dólares (10,5 bilhões de reais), segundo o balanço do Banco Central.

Colômbia. Se o petróleo continuar nos níveis atuais de preços, o salto na arrecadação fiscal colombiana será substancial: as contas estatais foram feitas com uma previsão de 63 dólares por barril, 20 dólares abaixo de seu nível atual. Mas as implicações iriam muito além do campo tributário. “Embora a produção não seja muito alta na comparação global, as exportações petrolíferas são cruciais para sua economia: é uma de suas principais fontes de divisas e é fundamental para a taxa de câmbio do peso colombiano”, assinala Viscidi. Segundo as últimas cifras da AIE, a Colômbia é o segundo país latino-americano em exportação líquida de petróleo (descontando a importação).

No entanto, a produção veio caindo nos últimos anos, um processo que Assis qualifica de “declínio natural”. Nos oito primeiros meses deste ano, foram bombeados 732.000 barris, 7,8% a menos que no mesmo período de 2020. Em agosto, pela primeira vez em 2021, a produção cresceu na comparação anual e foi iniciada a perfuração de quatro poços exploratórios e 40 poços de desenvolvimento. O Governo estima que o aumento seja sustentado até o fim do ano.

Além do petróleo, a conjuntura favorável de preços nos mercados energéticos tem um segundo efeito favorável para os interesses colombianos: o país é o único exportador regional de carvão, cuja cotação disparou nos últimos tempos, atingindo máximos históricos.

México. Embora o resultado líquido seja positivo, a alta do preço do petróleo tem um efeito misto sobre a segunda maior economia latino-americana: suas exportações, que têm os EUA como destino principal, melhoraram, mas a gasolina que o México importa em grande quantidade de seu vizinho do norte também encarece. “Os preços mais altos o ajudam, sem dúvida, mas sua demanda interna segue crescendo e, portanto, suas importações também sobem tanto em preço como em volume”, explica Viscidi.

O segundo capítulo tem a ver com o erário. E aí o saldo é claramente positivo: desde o início deste ano, a receita derivada do petróleo supera bastante as previsões e está conseguindo amenizar os números ruins da arrecadação tributária, fruto de uma economia que ainda não recuperou todo o terreno perdido na pandemia.

Vista das chaminés da refinaria de Tula de Allende, da Pemex.
Vista das chaminés da refinaria de Tula de Allende, da Pemex.Henry Romero (REUTERS)

E por último entra em cena a Pemex, a petrolífera estatal, que continua sendo a mais endividada do mundo em seu setor e acumulou grandes perdas nos últimos anos, mas ainda tem uma importância capital para a economia do México. De certo modo, o futuro de ambos corre paralelamente. “O aumento de preços também é importante para ela, mas seu verdadeiro problema é a produção: ela precisa atualizar os campos mais maduros, e para isso é necessário investir”, aponta o chefe da Wood Mackenzie para a América Latina. “Esta alta não terá os efeitos que teria tido alguns anos atrás, quando a produção era maior, mas em geral será positiva”, acredita Monaldi.

Venezuela. O preço mensal da cesta petrolífera era um foco tradicional de atenção nos espaços nacionais de informação e análise. No entanto, o colapso da indústria do petróleo nos anos de Nicolás Maduro acabou com esse panorama: hoje o país mal produz pouco mais de 450.000 barris diários, contra os três milhões de não muitos anos atrás. Nesse contexto, a alta do petróleo desperta hoje um interesse bem menor.

O impacto dos preços altos sobre a economia venezuelana será positivo, mas muito limitado. “O embargo americano continua, existe um grave problema de infraestrutura petrolífera e não há perspectiva de melhora da produção, por isso o país não sentirá uma grande mudança”, afirma Assis. Diferentemente do que ocorria antes, o acesso do petróleo venezuelano aos mercados é muito complicado e o que é vendido, basicamente para a China, tem um forte desconto. “Em um cenário de bloqueio, é muito difícil que os preços mais altos possam se traduzir em investimento para restabelecer a capacidade produtiva. Praticamente todos os canais financeiros estão bloqueados”, completa Blanco.

Pescador observa uma velha infraestrutura no lago Maracaibo, na Venezuela.
Pescador observa uma velha infraestrutura no lago Maracaibo, na Venezuela.Michael Robinson Chavez (Getty Images)

O papel essencial que o petróleo no ideário coletivo venezuelano como “catalisador da alma nacional” se diluiu, como explica o economista Asdrúbal Oliveros, diretor da empresa Ecoanalítica. Embora, mesmo no contexto atual, “todo aumento de preços, se a produção for mantida, gere receitas extraordinárias”, estas estão muito longe de qualquer sensação de bonança que o país possa ter experimentado no passado. “Com as sanções internacionais, a Venezuela tem de vender seu petróleo com muitos intermediários e estratégias opacas de engenharia financeira para fugir dos mecanismos das sanções”, diz o economista.

Oliveros calcula, entretanto, que o país pode arrecadar 700 milhões de dólares (3,86 bilhões de reais) adicionais com o encarecimento do petróleo. “Dos 8 bilhões de dólares [44 bilhões de reais] que o Estado receberá [pelas exportações em geral], 5 bilhões de dólares [27,5 bilhões de reais] vêm do petróleo, e o resto inclui a venda de ouro e de sucata, que tem se acelerado”. Um pouco mais otimista, Monaldi prevê um ano “infinitamente melhor” que os anteriores, tanto para a receita pública como para o PIB. Partindo, porém, da situação bastante precária que a Venezuela vive há anos.

Equador. A dependência das receitas obtidas com a exportação de petróleo coloca o país em um dilema sobre os efeitos da recente alta. Por um lado, o Governo estima que os cofres públicos receberão mais recursos na reta final do ano, chegando a 1,5 bilhão ou 2 bilhões de dólares (8,3 bilhões ou 11 bilhões de reais), o que se refletiu em uma atualização de seu orçamento para 2021. Inicialmente, as contas foram feitas com base na previsão de que o barril de petróleo beiraria os 37 dólares (204 reais). Em setembro, essa cifra subiu para 59 dólares (325 reais). E agora os preços estão em um patamar muito superior.

Mas no caso equatoriano, assim como no mexicano, a conta não é tão singela. Em primeiro lugar, porque ao não ter capacidade suficiente para refinar a gasolina necessária para atender à demanda interna, o país se vê obrigado a importar. Em segundo lugar, porque gasta 1,9 bilhão de dólares anuais com subsídios, um total alto, embora inferior ao de anos anteriores devido à eliminação gradual da ajuda para a distribuição. E em terceiro lugar, porque embora “seja um dos países latino-americanos nos quais a receita com o petróleo é mais importante”, como explica Blanco, boa parte da produção está comprometida com a China a preços já estabelecidos.

Guiana. Em sua escala, um país caribenho incomparavelmente menor que os outros atores regionais surge como o maior beneficiado pela recente alta do petróleo. “O impacto vai ser muito interessante”, opina o chefe da Olade. “É um caso realmente excepcional: já eram projetados níveis de crescimento muito elevados pelo petróleo, mas o aumento de preços representa um impulso a mais para sua economia e um dinamismo adicional”.

Operações de extração de petróleo da Exxon Mobil na Guiana.
Operações de extração de petróleo da Exxon Mobil na Guiana.CHRISTOPHER GREGORY / New York Times / ContactoPhoto

A Guiana é, efetivamente, o protagonista do último − talvez literalmente − grande sucesso petrolífero regional: com uma população de apenas 700.000 habitantes, foi o único país da América Latina e do Caribe que cresceu no ano do coronavírus. Por trás dessa façanha, um único elemento: o petróleo. A alta de preços neste ano é apenas mais um vento a favor. Como se as boas notícias fossem poucas, a Exxon, que lidera a exploração de petróleo na Guiana, acaba de aumentar a estimativa de reservas petrolíferas do país caribenho.


Com informações de Inés Santaeulalia (Bogotá), Sara España (Guayaquil), Alonso Moleiro (Caracas) e Federico Rivas Molina (Buenos Aires).

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