Jovens internados mostram ‘rejuvenescimento’ da covid-19 no Brasil
Estados brasileiros têm percentual de casos entre pessoas com menos de 60 anos superior ao da Espanha e Itália, ainda que número de óbitos seja maior entre idosos. Grupo mais jovem sobrecarrega sistema
Embora não constem no grupo de risco nem encabecem as estatísticas sobre o número de mortos por coronavírus, pessoas com menos de 60 anos são as mais infectadas pela doença no Brasil, o que tem elevado o número de internações entre as camadas mais jovens da população e ajudado a sobrecarregar o sistema de saúde. O Ministério da Saúde não detalha nos balanços diários sobre a evolução da covid-19 os casos por idade, mas, de acordo com levantamentos das secretarias locais, Estados brasileiros em situação de emergência registram percentual maior de contaminados e hospitalizados abaixo dos 60 anos que epicentros globais da pandemia, como Estados Unidos, Espanha e Itália. Os números contrariam a tese de que a doença não teria tanto impacto entre a população mais jovem —propagada até pelo presidente Jair Bolsonaro, ela serve de argumento para a defesa do isolamento vertical, que manteria em casa principalmente idosos e pessoas com doenças prévias.
A faixa etária com mais infectados pela covid-19 (40%) em São Paulo, recordista de casos (11.043) no país, é dos que têm entre 20 e 39 anos (4.420). O número sobe para 77% no recorte de pessoas abaixo dos 60 anos, que, segundo a Secretaria Estadual da Saúde, correspondiam a quase metade (49%) das internações em estado grave por síndrome respiratória aguda provocada pelo novo coronavírus até o fim da semana passada, ainda que representem apenas 21% dos óbitos. Os Governos não publicizam dados que mostrem quantos desses jovens que adoeceram, mas não morreram, possuíam condições pré-existentes, como diabetes ou problemas do coração, por exemplo —no Rio, na última terça-feira, a vítima mais jovem no Estado, Kamilly Ribeiro, de 17 anos, morreu sem ter qualquer doença prévia. Mas o percentual de doentes jovens no Brasil supera o de países como os Estados Unidos, que lideram o ranking mundial da pandemia, onde um estudo do Centro de Controle e Prevenção de Doenças publicado em 20 de março apontava que 26% das hospitalizações por coronavírus em UTIs, até aquele momento, situavam-se na faixa entre 20 e 54 anos.
Na Espanha e na Itália, países mais afetados da Europa, a taxa de infectados abaixo dos 60 anos é de 44,7% e 43,9%, respectivamente, sendo que, no caso dos espanhóis, 14,5% estão na faixa de 20 a 39 anos (menos da metade em comparação com São Paulo). Porém, há uma diferença considerável na proporção de idosos em países europeus. Tanto na Espanha quanto na Itália, o grupo a partir dos 60 anos conformam mais de 25% da população. Já no Brasil, os idosos representam 14% do contingente de 210 milhões de habitantes. Apesar do risco de morte ser maior para a faixa acima dos 60 anos (73% dos óbitos no país), o grupo dos jovens já é o que mais demanda atendimento no sistema de saúde em vários Estados.
Entre os 807 casos confirmados de coronavírus na Bahia, a média dos infectados é de 39 anos. A faixa etária mais acometida (29%) é a de 30 a 39 anos, seguida pela de 50 a 59 anos, indicando, segundo a secretaria da Saúde local, “que o risco de adoecer passou a ser maior entre os adultos jovens”. No Ceará, 60% das pessoas contaminadas estão na faixa de 20 a 49 anos. O grupo com maior proporção em internações por síndrome respiratória aguda decorrente de covid-19 é o de 50 a 59 anos (entre os homens) e de 40 a 49 anos (entre as mulheres), sendo que 59% das hospitalizações envolvem pacientes com menos de 60 anos.
“Temos a demonstração cabal de que a doença atinge pessoas jovens e pode ser fatal para essa faixa etária. Todos devem estar em alerta durante a epidemia”, afirma André Longo, secretário de saúde de Pernambuco, que, em menos de uma semana, registrou a morte de um adolescente de 15 anos e um bebê de sete meses por coronavírus. A média de idade dos infectados no Estado é de 37 anos. Em Recife, quase 80% dos leitos de UTI já estão ocupados. Em entrevista coletiva, o médico infectologista Jailson Correia, secretário da Saúde da capital pernambucana, chamou a atenção para o papel dos mais jovens na sobrecarga dos hospitais. “A doença tende a ser mais grave a partir dos 60 anos, o que não quer dizer que os jovens estejam imunes. O vírus está levando a quadros graves na parcela mais jovem da população. Permanecer em casa significa proteger a si próprio e à família”, afirmou Correia, em linha com a orientação da Organização Mundial de Saúde (OMS), que sublinha os grupos de jovens adultos como vetores de transmissão do coronavírus e, sobretudo, potenciais pacientes por agravamento das complicações da doença.
Em São Paulo, o Governo estadual cogita aplicar multas a moradores que descumprirem a recomendação de quarentena. A taxa de isolamento na capital paulista ainda está abaixo da meta ideal para evitar o colapso dos hospitais que, segundo o Governo, é de pelo menos 70%. Mesmo diante do decreto de situação de emergência na cidade, pessoas mais jovens seguem ocupando avenidas e ciclovias para a prática de atividades físicas.
No Rio de Janeiro, a taxa de mortalidade da doença em pessoas com menos de 60 anos (30%) é duas vezes maior que a de São Paulo. Em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, todos dos leitos de CTI reservados para pacientes com covid-19 já estão ocupados. O prefeito da cidade Washington Reis, 53, e o governador do Estado, Wilson Witzel, 52, testaram positivo para coronavírus. “Existe uma falsa sensação de segurança entre as pessoas jovens. Mas o vírus também tem se comportado de maneira agressiva nesses pacientes, que ainda podem se tornar vetor de contaminação em casa”, diz Edmar Santos, secretário estadual de saúde.
A faixa mais infectada pelo coronavírus no Rio de Janeiro é entre 30 e 39 anos, mas há casos de hospitalização e morte em idade inferior, a exemplo de uma mulher de 28 anos em período de resguardo e um homem de 23 anos, ambos sem histórico recente de problemas de saúde. No caso do rapaz, o atestado de óbito o descrevia como obeso. Considerada uma doença crônica, a obesidade é a única das comorbidades associadas ao coronavírus que registra mais mortes entre pessoas com menos de 60 anos (56%) do que entre idosos. No Brasil, de acordo com o último estudo do Ministério da Saúde, a faixa etária dos 25 aos 34 anos foi a que mais observou o crescimento do percentual de obesos (84%) desde 2006. Em Recife, somente nesta semana foram contabilizadas as mortes de dois homens de 38 anos por coronavírus associado à obesidade.
Em entrevista à repórter Beatriz Jucá, a médica Margareth Dalcolmo, pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), entende que a alta incidência da doença entre pessoas com menos de 60 anos se deve a uma adaptação ao perfil populacional do país. “No Brasil, a covid-19 vai rejuvenescer. A distribuição da população brasileira é diferente da europeia. Não temos um percentual de idosos que tem a Itália ou a Espanha. É natural que a doença se distribua majoritariamente entre jovens. A distribuição demográfica no Brasil dará à doença características brasileiras. Além disso, o vírus sofreu mutações e já se adaptou ao país”, disse Dalcomo.
Preocupadas com o rápido avanço da pandemia entre os mais jovens, algumas capitais iniciaram nesta semana a testagem em larga escala de pessoas com suspeita de coronavírus a fim de dimensionar a extensão do contágio. É o caso de Florianópolis, que tem 72% dos infectados no grupo de 20 a 59 anos. Classificada em nível de emergência pelo Ministério da Saúde, a capital catarinense apresenta a sexta maior incidência de covid-19 do país, 50% acima da média nacional.