Confinados em acampamento, brasileiros vivem tensão por avanço da pandemia na Costa do Marfim
“Para muitos aqui, nós somos o vírus”, diz turista que integra grupo retido em quarentena a céu aberto
Há quatro anos, o casal formado por Henrique Fonseca, 34 anos, e Sabrina Chinellato, 27, deixou Juiz de Fora para rodar o mundo de carro. Com o intuito de visitar pelo menos 75 países, os fotógrafos mineiros agora encaram o momento mais crítico da jornada, presos em um acampamento improvisado no interior da Costa do Marfim por causa das medidas restritivas contra o coronavírus. “Nunca tínhamos passado por uma situação tão extrema e assustadora”, conta Sabrina.
Eles chegaram ao território marfinense no último dia 18 de março, depois de cruzar a fronteira com a Guiné. Como o surto de Covid-19 ainda não havia se alastrado pelo continente africano, a única restrição para entrada era a de estrangeiros provenientes de nações com mais de 100 casos de coronavírus registrados. Depois de ter a temperatura corporal medida e esperar por quatro horas na imigração, foram autorizados a entrar no país. Mas logo se viram obrigados a se refugiar no terreno cedido por uma alemã, próximo à cidade litorânea de Sassandra, com o anúncio do decreto de calamidade nacional e fechamento das fronteiras.
Além do casal e de mais três brasileiros, o acampamento abriga outros 12 turistas estrangeiros. Com estrutura providenciada às pressas pelos próprios viajantes, há apenas um banheiro no local, que não tem água encanada nem energia elétrica. Em quarentena a céu aberto, os acampados tomam banho com canecas. Só saem para buscar água e comida em um vilarejo. Parte da população, de acordo com os turistas, tem se mostrado resistente à presença deles devido à pandemia. “Para muitos aqui, nós somos os vírus, simplesmente por sermos estrangeiros”, diz Sabrina. “Nos veem com desconfiança e receio. Alguns gritam: ‘vão embora, corona’. Esperamos que essa tensão não cresça como em outros países.”
No Quênia, um homem foi morto a pedradas após jovens suspeitarem que ele pudesse estar infectado pela Covid-19. Na Inglaterra, uma chinesa e um estudante de Cingapura sofreram ataques racistas sob a acusação de espalhar o vírus. Os brasileiros retidos na Costa do Marfim relatam que, nos últimos dias, autoridades e oficiais do Exército visitaram o acampamento em abordagens intimidatórias. Segundo o casal mineiro, eles tiveram passaportes confiscados e foram instruídos a cumprir quarentena em uma unidade de saúde. “Como não temos nenhum sintoma da doença e não conhecemos a estrutura do hospital para onde querem nos levar, preferimos permanecer no acampamento por segurança. Uma internação compulsória é descabida, porque estamos isolados e não representamos ameaça a ninguém”, afirma Sabrina.
A fotógrafa diz que os passaportes foram devolvidos na última quarta-feira, mas agentes do Governo local continuam tentando convencê-los a se isolarem no hospital. Os brasileiros estabeleceram contato com o embaixador do Brasil em Abidjã, sede governamental e maior cidade marfinense. Sabrina espera que a diplomacia encontre uma maneira de liberar estradas para que percorram o trajeto de quase 300 quilômetros e se refugiem na Embaixada até que a possibilidade de repatriação seja planejada. “Não sabemos se vamos conseguir sair do acampamento novamente depois que a nossa comida acabar. A situação é muito instável por aqui.” O toque de recolher deve durar pelo menos duas semanas na Costa do Marfim, que contabiliza mais de 70 casos de coronavírus.
O grupo consular de crise criado pelo Ministério das Relações Exteriores com o objetivo de auxiliar viajantes afetados pela pandemia informa que já mobiliza esforços para prestar suporte aos brasileiros no acampamento em Sassandra. Eles serão conduzidos em comboio até a Embaixada. Nesta semana, o Itamaraty repatriou mais de 1.000 brasileiros que estavam retidos no Peru em conjunto com companhias aéreas e dois voos da FAB, além de intermediar o embarque de um grupo retido em Guiné-Bissau em voo especial para Portugal. “O governo brasileiro, por meio da rede diplomática e consular do Itamaraty, segue acompanhando a situação dos viajantes brasileiros no exterior e está trabalhando para permitir a repatriação de todos”, informou o Ministério das Relações Exteriores.
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