Políticas nacionais, como a proibição de viagens de Trump, protagonizam combate ao coronavírus
União Europeia reclamou de medida unilateral anunciada pelo presidente norte-americano, mas países europeus também tomaram decisões que afetam países vizinhos
O presidente Donald Trump anunciou em discurso à nação na noite da quarta-feira a proibição de todas as viagens entre os Estados Unidos e a Europa, com exceção do Reino Unido, por um período de 30 dias a partir da 0h desta sexta-feira (20h de quinta em Brasília), numa tentativa de frear a expansão do coronavírus nos Estados Unidos. Em um pronunciamento em tom grave, diferente do usado até agora para se referir a esta crise, o presidente justificou a necessidade de uma resposta “sem precedentes” diante desta “horrível infecção”. Também acusou a União Europeia de ter piorado a situação ao não adotar precauções a tempo. O veto afeta cidadãos estrangeiros que tenham passado pelo Espaço Schengen (área de livre circulação de pessoas dentro da UE) nos últimos 14 dias, mas exime os norte-americanos ou residentes permanentes no país. Tampouco o comércio será limitado.
A resposta da União Europeia veio horas depois, nesta quinta-feira. A decisão unilateral dos Estados Unidos não foi precedida por consultas a seus parceiros europeus, reclamaram os países do velho continente. Além disso, as restrições à Europa teriam apontado o continente como o epicentro do surto, o que as autoridades comunitárias consideram injusto. Quem passou a mensagem foi o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, e sua contraparte da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen. “O coronavírus é uma crise global, não se limita a um único continente, e requer cooperação e não medidas unilaterais”, lamentaram.
Os líderes europeus dedicaram apenas três frases à avaliação da proibição de Trump, da qual apenas a Irlanda se isentou. Os Estados Unidos buscam evitar a disseminação de infecções a partir de uma região com maior taxa de casos, como a Europa, com restrições que, em princípio, vigorarão por 30 dias, mas Bruxelas acredita que, em uma questão de extrema seriedade, é necessário falar antes de agir. “A União Europeia desaprova o fato de a decisão dos Estados Unidos de impor uma proibição de viagem ter sido tomada unilateralmente e sem qualquer consulta”, criticaram.
É uma realidade que a evolução do coronavírus é desigual nos dois blocos. A Europa está chegando a 23.000 infectados e quase 1.000 mortes desde o início da crise. Enquanto isso, uma contagem divulgada na noite de sexta-feira apontou mais de 1.300 infectados nos Estados Unidos, onde 38 mortes foram registradas. Apesar disso, a UE considera que Washington está errada em buscar suas próprias soluções sem diálogo prévio, na mais recente ofensa de um relacionamento marcado por desconfiança após os confrontos devido às ameaças comerciais de Trump ou seu apoio público ao Brexit.
A decisão tem precedentes. Em 1º de fevereiro, quando a epidemia na China ainda estava fora de controle, os Estados Unidos proibiam a entrada em seu território a viajantes que haviam estado recentemente no gigante asiático. A medida foi anunciada apenas um dia depois de ser emitido um alerta para não viajar para a China.
Ao encerrar a breve mensagem aos Estados Unidos, Von der Leyen e Michel apontaram que “a União Européia está tomando medidas importantes para limitar a propagação do vírus”. No momento, no entanto, os vinte e sete países que compõem o bloco estão longe de ter acordado uma resposta comum, e as únicas medidas coordenadas estão relacionadas à compra conjunta de suprimentos médicos ou ao envio de fundos para financiar tratamentos e vacinas. As políticas nacionais são, até agora, protagonistas. Por exemplo, enquanto em algumas capitais o fechamento de centros educacionais é escolhido como medida preventiva, em outras, as aulas continuam sem orientações sobre quando é aconselhável implementar restrições. A solidariedade também não está fluindo como esperado em alguns casos, e países como Alemanha e França restringiram as exportações de equipamentos médicos a parceiros que precisavam de máscaras ou respiradores, rompendo com a livre circulação de mercadorias estipulada pelo mercado único.
Em meio a essas lacunas na unidade da UE, Bruxelas elevou o tom nas últimas horas pedindo aos ministérios das Relações Exteriores que combatam o vírus “agressivamente”. E atribuiu a disparidade nas medidas ao fato de que nem todos os países estão na mesma fase de expansão. Embora Bulgária, Chipre e Malta, os únicos três países dos vinte e sete em que nenhum caso fhavia sido relatado, não estejam mais livres da doença, seu impacto ainda é muito desigual na geografia continental.
Estados Unidos
O presidente também anunciou medidas econômicas extraordinárias, como o adiamento no pagamento de impostos para alguns trabalhadores e pequenos negócios castigados pelo surto e a suspensão da participação individual nos pagamentos sanitários relacionados ao tratamento do vírus.
Trump, que até agora buscava minimizar a crise, se dirigiu aos norte-americanos em um tom severo, detrás de sua mesa no Salão Oval, ao final de um dia turbulento. O constante fluxo de notícias de entidades suspendendo suas atividades ―dos populares desfiles do dia de São Patrício a comícios das eleições primárias democratas― aumentou gradualmente a sensação de emergência no país. A Organização Mundial da Saúde havia declarado situação de pandemia (epidemia global) nesse mesmo dia. À noite, pouco depois do discurso do presidente, a NBA decidiu suspender o restante da sua temporada, e o Departamento de Estado recomendou aos norte-americanos que não viajem ao exterior.
O republicano defendeu as medidas precoces decididas por seu Governo. “Nossa equipe é a melhor do mundo. Muito no começo do surto, impusemos restrições de viagem à China e a primeira quarentena obrigatória em 50 anos”, entre outras atuações, graças às quais até esta quarta-feira foram registrados nos EUA “menos casos que na Europa”. Entretanto, Trump criticou a União Europeia por supostamente “falhar na hora de adotar as mesmas precauções e restringir as viagens procedentes da China e outros focos”. “Como consequência disso, um grande número de novos casos surgiu nos EUA, devido a viajantes procedentes da Europa”, acrescentou.
Conforme detalhou o Departamento de Segurança Doméstica, os Estados Unidos proibirão a entrada da maior parte de estrangeiros que tenham visitado nas duas últimas semanas os países do espaço Schengen: Alemanha, Áustria, Bélgica, Dinamarca, Eslováquia, Eslovênia, Espanha, Estônia, Finlândia, França, Grécia, Hungria, Islândia, Itália, Letônia, Liechtenstein, Lituânia, Luxemburgo, Malta, Noruega, Países Baixos, Polônia, Portugal, República Tcheca, Suécia e Suíça. Os norte-americanos, os estrangeiros com residência permanente nos EUA e seus familiares diretos ficam isentos.
“O vírus não tem nenhuma chance conosco”, disse Trump, fiel ao espírito triunfalista até neste momento “Nenhum país está mais preparado que o nosso, temos a melhor saúde e os melhores médicos”, disparou.
Dentro das medidas econômicas, a agência pública para pequenas e médias empresas concederá empréstimos com juros baixos usando uma verba adicional de 50 bilhões de dólares (24,7 bilhões de reais), e o Tesouro adiará a cobrança de impostos de alguns negócios e contribuintes mais afetados pela crise, o que geraria uma liquidez de 200 bilhões de dólares, segundo Trump. Além disso, o presidente pedirá ao Congresso que aprove o alívio nas retenções sobre as folhas de pagamento dos trabalhadores.
A quebra da atividade produtiva e do consumo terá consequências econômicas ainda por calibrar. O Dow Jones, índice de referência em Wall Street, que sofreu o desabamento mais rápido da sua história após registrar um recorde, e a evolução dos mercados recordam nos últimos dias as jornadas turbulentas da Grande Recessão. Trump pediu calma. “Esta não é uma crise financeira, é só uma situação temporária que superaremos juntos como nação e com o mundo”, salientou.
Mais de mil pessoas já deram positivo por coronavírus nos Estados Unidos, segundo dados da quarta-feira. Em uma dúzia de unidades federativas, incluindo o Distrito de Colúmbia, onde fica Washington, foi declarado estado de emergência. Anthony Fauci, diretor do Instituto Nacional de Alergias e Doenças Infecciosas, compareceu durante a manhã ao Congresso e advertiu que “as coisas piorarão mais do que agora”. Fauci ressaltou que o vírus é “10 vezes mais letal” que a gripe.
Antes da mensagem à nação, Trump se reuniu nesta quarta com banqueiros de Wall Street para discutir o impacto econômico do coronavírus. A Bolsa de Nova York sofreu durante o dia o desabamento mais rápido de sua história em relação a um pico, após uma sucessão de jornadas turbulentas que levaram os índices a terem suas piores quedas desde a crise financeira de 2008. O mandatário, que até a noite de quarta vinha tentando minimizar a situação, disse aos jornalistas que estavam sendo avaliadas “várias formas de estímulo”.
“O corte fiscal sobre a folha de pagamentos seria excelente. Os democratas não são a favor, estou tentando entender por quê”, afirmou, embora também haja congressistas republicanos que se opõem. Enquanto a Casa Branca prepara o pacote de medidas, os legisladores democratas estão afinando os últimos detalhes de um plano próprio para conter a crise. Está previsto que o votem nesta quinta-feira na Câmara de Representantes (deputados).
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